A internet está repleta de bonitinhos, açucarados e otimistas textos românticos. Eles costumam receber muitas curtidas. Aquecer corações inteiros e costurar corações partidos parece ser um ótimo negócio. Portanto, num desejo desesperada de aparecer na Rede, sem envolver violência ou vídeos comprometedores, neste Dia dos Namorados, tentei produzir um texto atendendo as expectativas do público alvo desse jovial gênero literário (espero que você faça parte dele). Começando com um título positivo, poético sem ser muito complexo e levemente instigante.
Tudo isso para orgulhosamente apresentar-lhes a Teoria dos Dedos.
A premissa é simples: cada um dos dedos das mãos femininas, mínimo, anular, médio, indicador e polegar, representam tipos de homens que passarão pela vida da menina mulher. É como se Deus (Ele mesmo!), ao criar Lilith… Aliás, digo, ao criar Eva, tivesse colocado um grande segredo literalmente ao alcance das mãos de suas descendentes. Um segredo ao mesmo tempo óbvio e oculto, no formato e na ordem dos dedos, ao alcance apenas de quem estiver atento e quiser ver.
Dedo mínimo
O famoso “mindinho” representa o primeiro amor de brinquedo que toda menina saudável têm um dia. Aquele garoto com o qual se passeia de mãos dadas pelo parque, pensando que se faz algo semelhante ao namoro dos mais velhos. Não se está ainda na época dos hormônios em ebulição. Com ele, o mais comum é trocar o conteúdo da lancheira na hora do recreio. Quando muito, brincam de médico no clássico estilo de “mostre o seu que eu mostro o meu”. O dedo mínimo é o tempo da inocência. Deixa aquelas lembranças tênues, que vez ou outra voltam frescas à memória, com ar de saudade.
Dedo anular
O anular representa o cartel que toda mulher, assim como todo lutador, constrói ao longo da carreira / vida. Tantas vitórias, tantas derrotas, tantos empates.
Não é necessariamente uma única figura. Podem ser vários: dois, três, dez, mil, dependendo do caso, variando de pessoa para pessoa. Ele encarna aquela legião de rapazes que a mulher encontra no período compreendido, principalmente, entre o início da puberdade e os primeiros anos da vida adulta. O dedo anular é um medíocre. Tanto que mesmo quando é bem sucedido em alguma atividade social, econômica, artística ou humana não deixa de ser medíocre. Pertence àquela numerosa casta de pessoas iguais que se arrastam mundo afora, o imenso exército de criaturas medianas que constituem a maioria da humanidade. Não possuem personalidade ou estilo detectável. Não por acaso, o dedo anular também é conhecido como “seu vizinho”. Todos sabem o quanto é raro sermos vizinhos de grandes personalidades.
Não que esses “vizinhos anulares” sejam más pessoas. Não necessariamente, mas são tão parecidos entre si que costumam se misturar na memória. Formam um bloco compacto de mais do mesmo. Quando alguém repete o milenar bordão de que “todos os homens são iguais”, é a eles a quem se está referindo.
Curiosamente, embora seja inapelavelmente mediano, é também de extremos. Se não é molenga é valentão, se não é bobo alegre é mal humorado, se não é preguiçoso é obcecado por trabalho, se não é desleixado é metrossexual, se não é abstêmio é alcoólatra, e outras dualidades mais.
Seu habitat natural são festinhas agropecuárias, shows de rock farofa e baladas em geral. Os programas preferidos de TV são transmissões de futebol, “Zorra Total” e o “Esquenta”. Sua atuação nas redes sociais pode ser resumida em louvores a Deus, frases de auto-ajuda, curtir vídeos engraçados e postar fotos com latinhas de cerveja.
Tal espécie masculina, normalmente, passa pela existência feminina sem deixar grandes marcas. Quando deixam são, quase sempre, negativas: pequenas decepções, pequenas perdas, pequenos sentimentos. É possível e provável que a mulher troque o primeiro beijo ou perca a virgindade com um dedo anular, mas nem isso será marcante. É apenas uma variável estatística. Como são muitos, é comum que se cruze com vários deles, nas mais diferentes situações. Na companhia do dedo anular a mulher cresce, mas não amadurece.
O dedo médio
Pode ser relacionado ao final da letra do clássico da MPB “Teresinha”, do mestre de olhos ardósia Chico Buarque de Hollanda. Cantem comigo: “E o terceiro me chegou / como quem chega do nada. / Ele não me trouxe nada / e também nada perguntou. / Mal sei como ele se chama, / mas eu sei o que ele quer. / Se deitou na minha cama / e me chama de mulher”. Impossível não se lembrar da imortal interpretação de Didi Mocó. Performance única, assim como dedo médio é único. Um para cada mulher.
Seja como for, numa terminologia datada e anacrônica, que certamente irritará as feministas que desprezam Camille Paglia, o dedo médio representa o que tradicionalmente se costumava chamar de “homem da vida”. Personagem que foi imaginado de diferentes formas em diferentes épocas: o arqueiro sedutor Páris, o cavaleiro andante Lancelot do Lago, os personagens de Antônio Fagundes nas novelas globais, entre outros.
O dedo médio é como o Zorro, costuma surgir do nada, quando menos se espera. Pode demorar, e muitas vezes demora, mas quando surge é arrebatador. A mulher imediatamente sabe quem é ele, embora algumas vezes finja que não (para si, para ele ou para o mundo) e se entrega de corpo e alma. Não há como escapar. Junto a esse dedo, não por acaso o maior, a mulher se sente instigada, desafiada, e, por consequência, viva, interessante, inteligente. Com ele, ela ri, ela fala, ela é ouvida, tem os melhores orgasmos de sua vida, assim como as melhores brigas de sua vida. Não há espaço para monotonia. Enquanto dura.
Alguns rendem amantes ou companheiros eternos, o que explica os dedos médios serem também chamados de “pai de todos”. Mas não é a regra. Esses relacionamentos não costumam durar. É como o fugaz brilho de uma pedra de craque em um beco escuro. As opções de fim são infinitas: ele pode morrer num acidente, ser convocado para guerra, abduzido por alienígenas ou, simplesmente, sair para comprar um maço de cigarros na esquina e, misteriosamente, desaparecer para sempre. Em casos extremos, quando a mulher reconhece o dedo médio tarde demais, o fim se converte num eterno porvir. Mas assim como veio do nada, vai para o nada, se tornando um fantasma eterno. Uma febre que se cura apenas para voltar mais tarde. É bem provável que o último pensamento da mulher antes de fenecer, na velhice ou numa fatalidade não repentina, seja a lembrança (ou falsa memória) de seu rosto com a barba por fazer, arranhando-lhe a pele, de sua voz lhe sussurrando obscenidades no ouvido ou de sua mão boba lhe passeando atrevida pelo corpo. O dedo médio é único e inesquecível. Uma praga romântica e patriarcal.
Dedo indicador
A vida, e os dedos, continuam, e chega o próximo da luva: o dedo indicador. O “fura bolo”. Também pode ser vários. Na verdade, um dedo indicador é basicamente um dedo anular mais velho. Mais velho sim, mais experiente talvez, mas não mais interessante. É o mesmo medíocre de antes. Neste estágio, o dedo indicador é o que se pode chamar de “homem de transição”. Espera-se passar por ele para chegar a algum lugar… melhor.
Dentre eles surgirá o eleito. Ou melhor, indicará o eleito.
Dedo polegar
O dedo polegar, o último dedo, o pequeno grande polegar não é nada mais nada menos do que o homem com quem a mulher está destinada pelo Senhor a passar o resto de seus dias, seja casada, amasiada ou o que for. Como se pode observar, assim como o dedo que o inspira, é um sujeito baixinho, gordinho, meio chato, grosso e careca. Um mata-piolho. Alegrem-se: a Lei dos Homens criou a santa possibilidade do divórcio.
Se gerei alguma decepção ao concluir minha Teoria, fruto de honesta e incansável observação dos fatos, peço desculpas. Em minha defesa só posso lembrar que no primeiro parágrafo deste artigo admiti que iria apenas “tentar” contribuir com o subgênero dos textos açucarados e otimistas que inundam a internet. Talvez meu cinismo característico tenha me impedido de abraçar todas as regras do formato.
Será que mesmo assim terei muitos dedinhos para cima, dando likes?
Enfim, vão os anéis, ficam os dedos.