Não olhe agora. Mas nós estamos cercados de estrangeiros. O mundo, esse lugar tão grande quanto a sala da nossa casa, anda povoado de forasteiros. É gente nascida em todo canto, rumando para todo lado, mas que em algum instante, de alguma sorte, seguiu para longe de seu amor. Uns há horas, outros há dias, semanas, meses, anos, todos se encontram distantes do ser amado.
O jeito não engana. Essa gente enamorada de alguém que vai longe tem um jeito aplicado de trabalhar direito, como quem quer logo voltar para casa. Tem distância geográfica, lonjura do coração ou os dois. Não importa. Tudo é longe para quem não caminha junto de seu amor.
Alguns sequer o encontraram. Outros o acharam e o deixaram partir. Há os que têm saudade simplesmente porque não podem estar o tempo todo agarrados a seu bem. Todos são andarilhos em terra estrangeira, vagando em busca de amor. As almas enamoradas são assim. Longe a qualquer distância de quem amam, sentem no coração um banzo, uma saudade, um não-sei-quê de nostalgia.
Assim como os imigrantes que partem para um país distante, levando escondidos na bagagem um saquinho do feijão de sua terra, um punhado do café de sua cidade, uma muda do hortelã dos avós para o chá das noites de insônia e tristeza, há também os que só resistem à saudade porque carregam consigo lembranças de seus dias de amor e de paz.
Não há remédio que dê jeito na falta do amor distante. Nada senão rumar para onde o coração ficou cativo. Depois seguir de alma leve, remoçada. Almas enamoradas funcionam assim. Se vão, carecem de voltar. Para elas, qualquer lugar fora de seu amor é terra estrangeira. Do outro lado do mundo ou ali na esquina.
Eu entendo as almas enamoradas de todo canto. Eu aqui, em minha solidão de bicho, compreendo sua disposição para a vida, sua lida convicta de honestos trabalhadores, seu jeito firme e manso que só têm as pessoas boas. Entendo, respeito, admiro e agradeço.
Porque as almas enamoradas, mesmo aquelas que caminham sós em busca do amor que talvez nunca venha, carregam e levam adiante nossa primeira e maior vocação: a de dar e receber amor por aí.
Em sua labuta, as almas enamoradas assumiram a tarefa de entregar, umas às outras e a quem mais estiver perto, palavras de tão profundo carinho, embrulhadas em gestos tão simples, que desarmariam as caras mais feias e desmontariam as intenções mais odiosas.
A cada novo encontro amoroso, conspiram os enamorados por um mundo de pessoas livres, ativas e gentis. Gente que acredita no trabalho e pratica seu ofício com honestidade e gratidão. Almas que valorizam o tempo e não o perdem com besteira. Que apontam o barco para a frente e não o dedo a ninguém. Que ouvem o que lhes dizem, guardam o que desejam e respondem o que precisam. Criaturas imperfeitas que vivem sua vida e deixam em paz a dos outros. Que preferem a crença no esforço próprio e dispensam a crítica ao empenho alheio.
Assim são as almas enamoradas. Boas quando longe de seu amor. Melhores ainda quando perto. Para elas, qualquer lugar fora de seu amor é uma fria, distante e aborrecida terra estrangeira.