A vida em sociedade, como qualquer outra coisa, apresenta vantagens e inconveniências. Ao ter de levar a vida na companhia de seus iguais, o homem se vira forçado a observar determinados códigos de como proceder em situações as mais diversas, grande parte deles apenas tácitos, sem registro formal em lugar nenhum — todavia respeitados, dada a importância do que apregoam. O respeito à propriedade privada, por exemplo, foi se firmando nas legislações das democracias mais importantes do mundo de maneira apriorística, isto é, sem necessidade de lei que a regulasse; à medida que o tempo passava, as cidades aumentavam exponencialmente e, por conseguinte, os vizinhos deixavam de se conhecer uns aos outros, tornou-se essencial delimitar a partir de que limite a posse de um terreno passava de um indivíduo para outro. Por sua vez, o convívio de muitas pessoas, sempre muito desiguais entre si, gera uma pletora de diferenças que distanciam ainda mais um homem do seu próximo. Habitando o mundo das falsas ideias, somos verdadeiramente coagidos a participar de um jogo cujo vencedor seria aquele que obtivesse o melhor diploma, conquistasse o emprego mais qualificado, ostentasse o carro mais moderno, morasse na casa mais suntuosa. Começamos a vida nus mas, um minuto depois, também começamos uma disputa por posse: antes de mais ninguém, de nossas próprias mães, ainda atordoadas com as reviravoltas emocionais — e a tortura física do parto —, sôfregas por alguns minutos de sono, mas persuadidas pelo semblante pedinchão e esfomeado do bebê a lhe dar o peito. Essa nossa primeiríssima aquisição de algo que, inconscientemente, entendemos ser nosso por direito, o soft power na sua acepção mais crua, inspira na natureza humana a infinidade das tantas outras buscas, das mais primevas às de fato memoráveis e, quiçá, históricas, uma vez que o homem, a espécie mais desgraçada da criação, só faz desejar e desejar, e ao passo que deseja, se empenha por ter, e conforme tem, impõe aos não se investiram do mesmo arrojo — ou, simplesmente, não foram agraciados com a mesma ventura — seus desígnios e sua arbitrariedade. Dominar a Terra não foi o bastante e a humanidade – que no decorrer de sua trajetória, mais tropeçara que propriamente dera um passo seguido de outro —, se arvorara a dar saltos na lua, como mostra “O Primeiro Homem” (2018), de Damien Chazelle. O diretor David Mackenzie se vale de argumento semelhante, a necessidade de autoafirmação, a fim de contar em “Legítimo Rei” (2018), a história de Roberto I, o soberano escocês Robert The Bruce (1274-1329), destituído no século 14 a mando de Eduardo III, rei da Inglaterra, e tornado um pária em sua própria terra. “O Primeiro Homem”, “Legítimo Rei” e outros cinco títulos — em cartaz nos últimos sete anos e agora os sete disponíveis na Netflix —, expõem o gênero humano no que ele tem de mais nobre e de mais torpe, seja na lua ou no Reino Unido. Ainda que nos esforcemos, falta um tanto para que possamos dizer que o mundo, efetivamente, é um lugar melhor.
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

Em 1870, o capitão Jefferson Kyle Kidd, viúvo e ex-combatente de duas guerras, ganha a vida cruzando o Texas a fim de ler para a população despachos sobre o que se passa em outras partes dos Estados Unidos e do planeta, muito menor século e meio atrás — ofício que logo terá de abandonar, uma vez que a imprensa do país se consolida rapidamente. No caminho, Kidd se depara com Johanna, uma órfã de dez anos que perdera a família indígena que a criava num dos conflitos mais recentes e está à própria sorte — e sem saber como se comunicar, já que não fala inglês. A menina, de imediato hostil a qualquer tentativa de aproximação, concorda em seguir com o cavaleiro, que primeiro a entrega a um casal de lavradores, mas acaba por incorporá-la a sua caravana de um homem só. Juntos, os dois enfrentam os mesmos perigos e vivem uma mesma vida, um se valendo do outro para curar sua própria alma.

Explorando outros arcos dramáticos da relação entre Jesse Pinkman, traficante de drogas sintéticas, e o professor de química Walter White, que em busca de qualquer garantia a fim de ter uma velhice menos atribulada, passara a fabricar a melhor metanfetamina da praça — personagens tornados mundialmente famosos com a série “Breaking Bad” —, em “El Camino”, o diretor Vince Gilligan apresenta o coming-of-age, o amadurecimento de Pinkman, visto como um sujeito irresponsável, com todas as emoções muito à flor da pele, sempre disposto a chutar o balde, como sugere o título da obra em tradução livre. Agora sem White para acudi-lo e dividir com ele a história, o criminoso é o personagem central da trama, que a todo momento o desafia a encontrar sozinho uma alternativa para continuar vivo.

Produção original da Netflix dirigida e coescrita por David Michôd, “O Rei” se debruça sobre a vida de Henrique V (1386-1422), soberano da Inglaterra entre 1413 e 1422. Plena de monarcas que abdicariam do trono se pudessem, a dinastia real inglesa impõe a Henrique V assumir os destinos de sua nação, tarefa árdua em se considerando seu temperamento muito mais inclinado ao de mero plebeu que o de um dos homens mais influentes do mundo. No filme, a ascensão de Henrique V ao poder quando da morte do pai, Henrique de Bolingbroke, é esquadrinhada à luz dos sucessivos desentendimentos entre a Inglaterra e a França, que redundaram na Guerra dos Cem Anos (1337-1453).

Responsável por abrir o Festival de Toronto de 2018, “Legítimo Rei” é mais um filme a explorar o intrincado processo de sucessões ao trono no Reino Unido que, não bastasse já ser complexo o suficiente, ainda conta com episódios obscuros, como o que envolve Roberto I (1274-1329), o soberano da Escócia. Robert The Bruce, personagem fulcral na busca do povo escocês por se ver livre da dominação da Inglaterra, luta por seu império, o que lança o país num longo período de instabilidade sociopolítica que se estende no tempo mesmo depois de sua vitória. As desavenças entre escoceses e ingleses voltam a ganhar força com o aparecimento de Mary Stuart (1542-1587), outro membro da realeza escocesa que se levanta contra a Inglaterra, então governada por Elizabeth I (1533-1603), evento retratado em “Duas Rainhas” (2018), dirigido por Josie Rourke. Trezentos depois de Robert The Bruce ter batido o exército de Eduardo II, Jaime VI, descendente do monarca escocês, é coroado também rei da Inglaterra.

A jornada dos Estados Unidos à lua é centrada na figura do astronauta Neil Armstrong (1930-2012), um misantropo que se sente mais à vontade na imensidão silenciosa do espaço, mas, a contragosto, é tomado por celebridade, graças ao feito de ter o sido o primeiro tripulante da missão americana a desembarcar da Apollo 11 e caminhar sobre o terreno arenoso do satélite da Terra na noite de 20 de julho de 1969. Para tanto, Armstrong, Michael Collins (1930-2021) e Buzz Aldrin, 91 anos, os outros ocupantes da nave, tiveram de se submeter a um treinamento rigoroso, que lhes conferiu resistência física e disposição mental a fim de seguir com uma das empreitadas mais complexas da história. Antes deles, em 12 de abril de 1961, o russo Iuri Alieksieiévitch Gagarin (1934-1968) já havia viajado pela Via Láctea sem, no entanto, pousar em nenhum corpo celeste.

Uma viúva solitária e insone decide convidar o vizinho, também viúvo e que igualmente não consegue dormir, para passar a noite em sua casa. A proposta inusitada, que almeja dar aos dois a chance de uma noite de repouso, deixa o professor aposentado atônito a princípio, mas à medida que eles seguem com o plano, esses dois veteranos das dores da alma percebem que começa a florescer uma bela amizade. “Nossas Noites” certamente foi feito sob medida para Robert Redford e Jane Fonda, dois dos maiores expoentes da era de ouro do cinema. Os dois estrelaram dezenas de clássicos, foram premiados com alguns Oscars, contracenaram três vezes e arrebataram público e crítica, trabalhando ora separados, ora juntos, mas sempre apresentando um desempenho admirável.

Albert, um pastor de ovelhas covarde e fanfarrão, já se admitia um perdedor solitário e condenado à execração de todos, mas seu moral dá uma bela guinada no momento em que conhece Anna, uma forasteira misteriosa que ocupa seus pensamentos depois de ele ter sido abandonado pela namorada ao fugir de um duelo. O malandro já estava sentindo que tinha ganhado a parada e poderia, afinal, tomar a prenda para si, mas sua (pouca) coragem se vê alvo de novo teste quando o marido de Anna, foragido da justiça, volta para casa.