O homem, animal feroz que é, dá vazão a seu lado bestial de maneiras as mais diversas. A natureza humana é incapaz de deixar uma falta sequer passar despercebida e se acontece de nos esquecermos de quem foi para conosco mesquinho, agressivo, desleal, violento, não é por generosidade, benevolência, tentativa de conferir ao episódio a natureza de insignificante ou muito menos porque somos superiores em relação à outra parte, mas um exercício de tolerância, conhecido sob o vocabulário da psicologia como sublimação, atitude que pode ser vista como que para preservar o espírito do veneno maior do mal — ou por mero cálculo mesmo. Há quem defenda a ideia de que é impossível para a vítima de um ultraje profundo conseguir de fato e de coração apagar da memória a lembrança de um evento funesto, ou apenas constrangedor, tanto faz. Por mais que o ofendido diga com toda a sinceridade que perdoa quem o atacou — o que, felizmente, acontece com frequência até espantosa —, tudo o que se passou fica registrado em alguma parte de sua psique, e se não volta à tona e provoca sentimentos de revide, é graças a propósitos religiosos, filosóficos, morais, amadurecidos ao longo de décadas de estudo, reflexão e prática. Obviamente, há os que navegam na direção oposta, devotando a vida em nome da reparação que julgam necessária e merecida a um insulto, tenha a proporção que tiver, se apresente difícil o quanto for. O tema é tão vultoso que o próprio pai da psicanálise, o neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) se debruçou sobre o assunto e chegou a conclusões tão evidentes como reveladoras. Segundo Freud, a vingança traz em seu bojo o prazer em assistir ao sofrimento do outro, isto é, o alvo da vingança seria um ingrediente fundamental quanto a dar azo ao processo de retaliar um desafeto qualquer e, nesse particular, quanto mais próximos sejamos ou tenhamos sido daqueles a quem endereçamos nossa vingança, mais eficiente e mais plena de regozijo ela se torna. Na história da cultura ocidental, decerto a narrativa que contempla a maior desforra de um personagem contra outro é “Medeia”, peça do dramaturgo grego Eurípedes (480 a.C – 406 a.C.), que ao insinuar até onde pode chegar o gosto por ver o inimigo completamente arrasado, ainda que isso tenha um custo alto demais, faz um retrato fidedigno da baixeza do gênero humano quando vilipendiado. A história de uma mulher, como a personagem central da tragédia grega também ávida por vingança depois de viver uma situação extrema é o que se vê em “Kate” (2021), do francês Cedric Nicolas-Troyan. Pagar em igual medida o dano recebido é o que também deseja Robert McCall em “O Protetor 2” (2018), do americano Antoine Fuqua, veterano que se sai muito bem à frente de produções do gênero, sempre pontuadas por muita ação. “Kate”, “O Protetor 2” e mais três filmes, lançados entre 2021 e 2018 e recentemente incluídos no acervo da Netflix, se encarregam de tirar o chão de sob os pés do espectador, que nem vai dar pela falta dele.
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

O documentarista Michael Harte, badalado desde a estreia como diretor em “Don’t Fuck With Cats” (2019), volta a chacoalhar as estruturas do cinema-verdade em “Arquivos de um Serial Killer”, que disseca a mente perturbada do escocês Dennis Andrew Nilsen (1945-2018), assassino em série de quinze pessoas. Para tanto, Harte se valeu de um expediente tão insólito como genial: sugeriu a Nilsen gravar tudo o que lhe vinha à cabeça em fitas cassete, material que soma mais de 250 horas de gravação. Como já se fizera três décadas antes com o americano Theodore Robert Bundy (1946-1989), ouvindo-se as declarações de Nilsen — que fazia sexo com o cadáver dos homens que trucidava —, chegou-se um pouco mais perto de se conhecer o que pode orientar um homem quanto à sua trajetória de barbáries. Dennis Andrew Nilsen morreu na cadeia, não executado, mas por não resistir a uma cirurgia no abdômen, em 12 de maio de 2018, aos 72 anos.

Kate se mostra uma assassina hábil e trilha uma carreira de sucesso no submundo do crime, mas acaba sendo a responsável por arruinar uma missão ao executar um gângster da Yakuza, a máfia japonesa. Como pena, recebe a inoculação de uma substância tóxica, que mina seus reflexos e terminará por matá-la ao cabo de 24 horas, tempo que ela usa para descobrir o paradeiro de seus carrascos e se vingar deles. À medida que o veneno se espalha por seu organismo e ela se entrega à decrepitude, Kate se aproxima de Ani, filha de uma de suas vítimas, e as duas, juntas, enfrentam dificuldades quase inexequíveis a fim de por as mãos no chefe da quadrilha.

Episódio especial da série sul-coreana “Kingdom” (2020), que tem o diretor Kim Seong-jun como um dos criadores, “Ashin of the North” conta a história da personagem central, Ashin, desde menina, quando se torna a única sobrevivente da chacina à aldeia em que nasceu depois que acusam seu pai de traidor. Boa parte da força da protagonista por se manter viva tem origem em sua fome de vingança e, à medida que a narrativa cresce, Ashin, de uma garotinha ingênua e aterrorizada, se torna uma verdadeira máquina de matar, envolta numa situação nebulosa que demanda toda a atenção do espectador e deixa um gostinho de quero mais — e de uma próxima temporada.

Não deveria haver nada de errado em uma família, ao fim de uma semana exaustiva, ir para um lugar bucólico e desfrutar do sossego de uma casa junto ao mar. É o que fazem Adelaide e Gabe, que rumam a uma cidadezinha quente do litoral com os filhos. Tudo corre à perfeição, todos descansam e partilham bons momentos, até que uma caravana repleta de pessoas nada convencionais se aproxima deles. Coincidentemente ou não, são todos muito parecidos entre si, o que desencadeia uma sucessão de acontecimentos inexplicáveis e macabros.

Robert McCall é perito em se reinventar. Antes dono de uma loja de ferragens, depois de largar o trabalho na polícia, em “O Protetor 2”, continuação do filme de 2014 e baseado na série dos anos 1980, McCall ganha a vida como motorista e ajuda pessoas em conflito com a lei. Ao saber que Susan Plummer, uma amiga, é executada no decorrer da investigação de um assassinato na Bélgica, McCall volta às origens e vai atrás de Dave, o velho parceiro de diligências, a fim de desvendar indícios sobre a autoria do delito.