Permanecer com alguém por obrigação é morrer um pouco a cada dia

Sinto uma pontada no peito toda vez que escuto essa palavra: obrigação. Chego até a suspirar. Ela tem uma densidade, uma carga opressora que pesa mais que um elefante. Só o fato de cumprir com uma imposição, seja ela qual for, acaba com o tesão de qualquer um. Mas até aí tudo bem, porque é impossível seguir somente as nossas vontades, fazer só aquilo que nos dá prazer. Então a gente vai levando, exercendo a parte chata da vida. Nos acostumamos a responder mecanicamente às demandas da rotina, dos afazeres, dos compromissos. Normal. Todos nós somos cumpridores dos nossos deveres. Mas quando o assunto é amor, Deus que me livre do dever de amar.

Aí você pensa: Como é possível ser obrigado a amar? Não, não deveria ser possível. O amor é o sentimento mais bonito, mais forte e puro que existe. Quando se mistura ele perde a essência e se converte em outras coisas que nada têm a ver com amor. Posse, aprisionamento, carência, dependência, insegurança. Deixa de ser genuíno e grandioso. Se despede da vontade do outro, do prazer da companhia, da paz da saciedade, da segurança emocional.

Quando o amor vai embora parece que ele deixa um clone no lugar. A sua cópia fidedigna, tão semelhante e ao mesmo tempo tão diferente. As pessoas se transformam na sombra do que foram um dia, vão chutando para frente um sentimento lindo de outras épocas pela razão de ter sido especial, mesmo que o presente nada se pareça com o passado. No fundo, elas têm a esperança de que um dia acordem felizes e unidas como em outras épocas. Acreditam que é só uma fase, que a nuvem negra vai passar. Depois se convencem de que o amor já não está mais ali, mas em memória do que ele já foi, permanecem na penumbra da obrigação de amar um ao outro.

É tão injusto que dois corações se aturem em um compromisso de estarem juntos. Ficam ali, lado a lado, amargurados, avulsos mas amarrados, porque se prometeram e agora cumprem com a obrigação de uma felicidade forçada. Sem a menor vontade de amar, dizem “eu te amo” inanimados e automáticos, entre abraços frouxos e beijos secos. Vivem na lonjura de um mesmo teto, entre sorrisos contidos e olhares baixos.

Então o exercício de amar se consome no dever chato, cansativo, tedioso. Pessoas unidas pelo compromisso e não pela vontade, alegrias superficiais e frustrações profundas, o sonho de ser feliz como antigamente e a realidade triste da solidão acompanhada. Ao mesmo tempo, a sensação de segurança que o compromisso traz e o medo de sair da zona de conforto para assumir a individualidade.

Já temos tantas obrigações. Que o amor não seja mais uma. Que ele perdure o tempo que for verdadeiro, que seja inteiro. Que estejamos unidos por querer e separados também.

Deus que me livre da incumbência de amar, de ser feliz de mentirinha, da rejeição da minha companhia.

Karen Curi

é jornalista.