Se você tem medo das sextas-feiras 13, imagina uma segunda-feira 13? O segundo dia da semana já parece um castigo divino, criado pelos deuses, para nos castigar pelos excessos de sábado e domingo… agora, imagina tudo isso acoplado à maldição do número 13. Pensando nisso — na sobrevivência de nossos leitores —, a Bula selecionou e listou 13 filmes para ajudar a encarar o dia amaldiçoado, com resignação e coragem. Na lista, contendo apenas filmes aclamados pela crítica e pelo público, destacam-se “O Tigre Branco” (2021), de Ramin Bahrani; “A Ligação” (2020), de Lee Chung-hyun; “Sem Rastros” (2018), de Debra Granik; “A Livraria” (2017), de Isabel Coixet; e “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015), de George Miller. Os títulos estão listados em ordem de ano de lançamento. As sinopses são de Giancarlo Galdino.
Dotada de dimensões quase inestimáveis, a Índia é um país extremamente desigual, em que, não fosse o bastante a pobreza severa que assola a população, a ascensão social é quase impossibilitada graças ao sistema de castas que sempre a regeu. Ainda sem força para fazer frente a circunstâncias tão adversas, e, no entanto, cada vez mais cansado de se submeter a toda espécie de humilhação a fim de não passar fome, Balram, perspicaz e determinado a não morrer como nasceu, sai do interior da Índia e consegue emprego como motorista na casa do milionário Ashok, de quem logo ganha a confiança. Enredado num acordo que o faria se assumir culpado pelo atropelamento e morte de alguém que atravessava a rua — enquanto o patrão dirigia —, Balram é abandonado por Ashok. Era a centelha que estava faltando para Balram dar uma guinada em sua rota e, enfim, ter a vida com que sonha desde sempre.
Apesar de ser uma trama adaptada do livro homônimo e já levada à telona antes, a versão do diretor sul-coreano Lee Chung-hyeon é um primor de originalidade. O filme conta a história de Seo-yeon, que atravessa um momento difícil e vai morar na casa de campo da família. A propriedade, antiga, dispõe de um telefone sem fio e a protagonista passa a receber ligações insistentes de Young-sook, uma garota da sua idade que parece desesperada por ajuda. As duas dão início a uma estranha relação, sempre mediada pelo aparelho, em que Seo-yeon descobre que Young-sook também vive na casa, numa outra época. Em pouco tempo, o vínculo entre elas provoca mudanças drásticas na vida de cada uma, numa sucessão de acontecimentos que não respeita o fluxo natural do tempo e embola passado, presente e futuro.
Henry Cole é um virtuose do piano que devotou a vida à carreira. Cole nunca tivera problemas com sua natureza de verdadeira obsessão pelo trabalho, sempre em busca da performance irretocável, mas a morte da mulher o abala especialmente e ele decide interromper suas apresentações. Oscilando entre a vontade de retomar o que faz de melhor na vida e às implacáveis crises de ansiedade, o pianista conhece Helen Morrison, jornalista da revista “The New Yorker” cuja admiração rapidamente dá lugar a um afeto maior, a que Cole não pode corresponder, mas que é imprescindível quanto a retornar aos palcos e retomar sua história, ainda que nada volte a ser como antes.
Ethan Hunt e Solomon Lane parecem mesmo ter sido feitos um para o outro. Além de ter de encarar novamente o adversário, em “Missão: Impossível — Efeito Fallout”, o diretor Christopher McQuarrie abusa do agente ao fazê-lo pedir arrego a August Walker, espião de uma categoria superior da CIA, o órgão responsável pela inteligência dos Estados Unidos. Hunt está grudado numa teia perigosa e, quanto mais se mexe, mais se convence de que as pessoas que o cercam não são tão éticas e incorruptíveis quanto ele pensava. Como se não fosse o bastante, o investigador tem de lidar com problemas que restaram por dirimir e sentimentos que voltam a aflorar sem que ele quisesse, sem esquecer de desativar a bomba de fissão nuclear que pode levar pelos ares um tesouro incalculável: a própria civilização ocidental.
A diretora americana Debra Granik é hábil em retratar adolescentes em meio ao bombardeio dos tantos conflitos típicos da idade. Em “Leave no Trace”, Granik traz a história de Will e Tom, pai e filha. Os dois são os únicos moradores de uma grande reserva florestal nos limites de Portland, e não têm o menor problema com o isolamento, questionado pelas autoridades — que nunca se importaram com eles. O serviço social os obriga a deixar a área, e agora Will e Tom passam a ser tutelados pelo governo dos Estados Unidos. Eles não se conformam com tanta interferência num assunto íntimo e tentam retornar à vida feliz que tinham, driblando as novas necessidades que as circunstâncias os impõem.
Tentativas de mudar o estabelecido são sempre difíceis, quando não resultam infrutíferas, especialmente em se sendo mulher, de meia-idade e num lugar que não é o seu. Em plenos anos 1950, uma livreira chega a uma cidadezinha no litoral da Inglaterra disposta a deitar raízes e seguir com seu negócio. Para tanto, terá de se investir de uma boa camada de destemor, a fim de vencer o conservadorismo dos novos vizinhos, o que a fará se valer das mesmas armas que seus adversários.
Com “Dunkirk”, Christopher Nolan conseguiu duas verdadeiras proezas. A primeira foi entregar um filme absolutamente distinto do que vinha apresentando em trabalhos a exemplo de “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (2008) e “Interestelar” (2014). Por aí, já se vê que Nolan é um diretor plural e ambicioso, mas a cereja do bolo está mesmo aqui. Sua segunda façanha foi ter imprimido tamanho realismo e dramaticidade numa história carregada de significado. O filme conta, com o rigor intelectual necessário, como se deu o resgate de mais de 300 mil soldados britânicos na costa francesa, completamente sitiados pelas tropas de Hitler. Só o número de figurantes necessários para se emprestar credibilidade às sequências já é uma epopeia à parte, mas a força do talento de Nolan dá conta do recado direitinho. Sem nenhum exagero, “Dunkirk” comprova que Christopher Nolan se superou frente a todos os seus excelentes trabalhos anteriores e produziu a obra definitiva sobre operações militares arriscadas no decorrer de uma guerra. Os cinéfilos esperamos que ele seja vencido.
O diretor Jon Watts confere novas camadas a Peter Parker em “Homem-Aranha: De Volta ao Lar”. O filme de Watts dispõe de uma inteligência narrativa toda própria já na introdução ao situar o papel de Parker quando da guerra civil em que combateu, mote a partir do qual o enredo ganha corpo. O herói finalmente se deixa convencer de que é mesmo dotado da natureza de paladino da humanidade, mas para conseguir se encaixar no mundo, precisa antes lidar com seus probleminhas domésticos.
Numa engenhosa crítica à indústria de alimentos — e, por extensão, ao próprio capitalismo —, Bong Joon-ho apresenta ao público a história de Okja, uma espécie de simbiose de hipopótamo com porco que resultou num animal estranhíssimo, mas dócil e muito lucrativo. A criatura faz parte de um lote de 26 espécimes, que irão para diversas partes do mundo. Okja, uma fêmea, é destinada para a Coreia do Sul. Ao fim de algum tempo, os animais serão novamente reunidos num concurso, a fim de se saber quem dispensou o melhor tratamento ao bicho que lhe coube, eleito vencedor da competição. No entanto, vencido esse prazo, Mikha, tutora de Okja, se apegou muito a ela e não cogita interromper essa relação. “Okja” encampa um atilado libelo contra o consumismo, a degradação do meio ambiente e a ética relapsa no que concerne ao tratamento dos animais empregados como alimento, e, claro, as consequências de tamanho descaso e ganância na saúde das pessoas. O filme faz pensar sobre até que ponto é válido se permitir capturar pelas armadilhas do consumo cada vez fácil usando para tanto a figura de uma garota e seu mascote, aparentemente repulsivo, mas que só desperta compaixão e ternura.
Em “Sicario: Terra de Ninguém”, continuação do aclamado “Sicario: Dia de Soldado”, o diretor Denis Villeneuve, como sempre, deixa sua marca: um filme de acordes vibrantes, seja pendendo para o suspense clássico, seja o misturando ao terror e dando matizes mais pronunciados a este. O soberbo roteiro de Taylor Sheridan conta a história de Kate Macer, agente do FBI escalada para uma força-tarefa a fim de deter o manda-chuva do tráfico no México, que administra um poderoso cartel. A operação está envolta em uma densa névoa de mistério, conduzida por policiais de conduta duvidosa, e é em meio a este cenário que Kate terá que combater o sangrento tráfico internacional de drogas, sem se deixar esmorecer nem se seduzir por ele.
A intenção de se voltar à trilogia “Mad Max” já vinha desde o fim das filmagens da história original, nos anos 1980. O diretor George Miller e o astro Mel Gibson já acertavam os ponteiros quanto à produção da quarta parte da sequência, mas dificuldades de ordem burocrática atrasaram o projeto e Gibson foi cuidar da vida. Tom Hardy assumiu o papel do protagonista, a despeito de toda a desconfiança — e da torcida contra — e o resto é história: o desempenho memorável de Mel Gibson chegou a se constituir numa sombra sobre o novo líder do elenco, mas o novato se saiu melhor que a encomenda. O público aprovou e “Mad Max: Estrada da Fúria” é considerado um dos melhores da franquia. Aqui, Max, capturado, vira uma espécie de hospedeiro, fornecendo sangue para soldados batidos na guerra. Immortan Joe, chefe da comunidade local, subjuga a população por reservar em seu poder a maior parte da água de que dispõem. Max acaba servindo de bucha de canhão na sanha de Immortan Joe por manter seu domínio de escravos com mãos de ferro. Furiosa, uma das cativas que servia de ama-de-leite aos filhos da revolução, escapa e é aí que a história pega fogo. De uma fragilidade apenas aparente, Furiosa dá um colorido todo especial à trama ao se aliar a Max — e a química entre Charlize Theron e Tom Hardy é, decerto, uma das grandes responsáveis pela grandeza do filme, que, embora tenha levado 30 anos para sair do papel, veio à luz no momento preciso, pelas mãos do homem exato. George Miller parece ter guardado toda a sua verve para “Mad Max: Estrada da Fúria”, uma prova de que um filme, para ser bom, muitas vezes só precisa de um diretor talentoso. E talento George Miller tem de sobra.
Crítica social às religiões, em “PK” Rajkumar Hirani mostra a Índia como ela é: imensa, revoltantemente estratificada, caótica. O país é tão pantagruélico que abriga hindus, muçulmanos, budistas, cristãos, todos fiéis, todos crentes num Deus e nas esperanças que Ele suscita no homem por meio da observação de Suas regras. Na Índia, a despeito de uma população de cerca de 1,4 bilhão de habitantes, a porcentagem de quem ou não acredita em Deus — os ateus — ou não consegue acreditar — os agnósticos — é irrisória. Hirani aborda a dúvida teológica a partir da chegada de um alienígena que, atônito frente ao que considera uma pletora de contradições, não entende a razoabilidade de se valorizar o que não se vê em detrimento daqueles em quem se tropeça pelas ruas. Deus está nos detalhes e, destarte, na sutileza. Quem não entende isso é mesmo incapaz de acreditar, em Deus ou em qualquer outra coisa.
Vítimas de um ataque brutal, uma mulher morre e seu marido, Leonard, fica com ferimentos graves. Ele consegue sobreviver, mas a violência dos golpes lhe provoca um distúrbio neurológico. Seu cérebro não registra mais fatos recentes e ele esquece por completo de coisas que acabaram de acontecer. Mesmo assim, ele desafia suas limitações e se prontifica a encontrar o assassino de sua mulher e, finalmente, vingá-la. O filme se bifurca em duas narrativas: uma em cores, que expõe os fatos de modo reverso, e outra em preto e branco, sob a forma cronológica comum, explorando a amnésia do protagonista para, no desfecho, ligar as duas e, esclarecer se Leonard matou o homem certo.