Desde seu surgimento, no século VI a.C., a filosofia tenta dar ao homem alguma explicação para as muitas inquietações da alma humana. Ao tentar compreender o que se passa no espírito de cada indivíduo, valorizando justamente o caráter de especificidade, em que cada um é responsável por suas próprias escolhas, pelo caminho que decide trilhar — que por tortuoso que seja, pode conduzir a algum lugar de proveito —, por seus tropeços e suas glórias, o pensamento filosófico se organiza a fim de dar à vida uma ideia de que tudo converge para um mesmo fim, qual seja, extrair do mundo, da interação com os outros e, por óbvio, de como processamos essas informações à luz da nossa própria visão acerca da existência. Injustamente tida por algo hermético, de difícil aplicação, dada a sua natureza calcada no conhecimento mais refinado, a filosofia se faz também no dia, uma vez que estamos sempre nos defrontando com circunstâncias provocativas, desafiadoras, que exigem de nós decisões rápidas, eficazes e, muitas vezes, definitivas. A filosofia, portanto, está em tudo, bem como o próprio Deus, de onde emana todo o amor e toda a sabedoria — isto é, a filosofia ela mesma — uma substância hegemônica e imanente, que domina tudo quanto há na face da Terra. O filósofo holandês Baruch de Spinoza (1632-1677) defendia que a natureza de divindade de um ente capaz de reger todos os outros residia justo no seu caráter de poder se imiscuir a tudo, afinal, todos os seres e mesmo todas as coisas têm seu lado luminoso, celestial, e sua porção sombria, que nunca é dada ao acaso — existe mesmo que só obedecendo a uma determinação do próprio Altíssimo. Para muitos filósofos que se detêm sobre a obra de Spinoza, é dificílimo entender por que Deus, que tudo sabe, que vê todas as coisas que se passam desde o princípio dos tempos, inclusive as que ainda nem saíram do coração do homem, molda uma criatura à sua semelhança e imagem, mas uma criatura imperfeita, que peca, que rouba, que mata e, não satisfeito, malgrado saiba que o homem é fraco, é mau, o pune por suas faltas, quando, Nome sobre todo nome, deveria interferir e apartar do gênero humano a sanha bestial. Seria Deus também imperfeito, pecador, facínora, e, para piorar, um sádico? Uma explicação rasa para tal emaranhado de hipóteses tão cabeludas é o surrado — e preciso — livre-arbítrio: Deus dá ao homem o dom de existir; cabe ao homem viver sua própria vida, Deus não irá vivê-la por ele. É como se nossos pais nos dessem um presente valioso e o retivessem num cofre, do qual só eles têm a chave, de que só nos seria concedido desfrutar muito espaçadamente. Assim como estão na vida, a filosofia e Deus, imiscuído ao princípio da hegemonia da própria vontade sobre o que os outros esperam de nós, sempre calcado no discernimento, estão igualmente na morte e na maneira como a encaramos. Em “A Última Nota” (2019), o diretor Claude Lalonde expõe o drama de um virtuose do piano que se vê irremediavelmente preso à mulher, que morreu, mesmo que a vida lhe jogue à cara uma grande oportunidade de se refazer. A morte também é a obsessão de um publicitário bem-sucedido que escreve cartas justo para a indesejada das gentes, que acaba respondendo em pessoa, como se vê em “Beleza Oculta” (2016), de David Frankel. Além de “A Última Nota” e “Beleza Oculta”, temos mais cinco opções de filmes no acervo da Netflix, lançados entre 2020 e 2016, para tomar fôlego e seguir administrando o caos da vida, sem nem pensar em desistir. A morte é uma certeza, mas a vida (e sua inconstância) também é.

Crítica de teor social, ainda que diluído, em “A Incrível História da Ilha das Rosas” o diretor Sydney Sibilia traz a história verídica do engenheiro Giorgio Rosa, cujos tédio — e indignação — o impelem a fundar uma ilha no litoral da Itália. A ilha é declarada por ele nação independente, o que logo atrai a curiosidade mundial. O governo italiano responde à altura, a ilha e seu patriarca passam à condição de inimigos públicos do país, mas ele segue firme em seu propósito: na Ilha das Rosas a única forma de governo é a aspiração por um mundo melhor, utopia para ele absolutamente possível, embora para tantos o caos seja mesmo quem deve governar com mãos de ferro a humanidade.

Henry Cole é um virtuose do piano que devotou a vida à carreira. Cole nunca tivera problemas com sua natureza de verdadeira obsessão pelo trabalho, sempre em busca da performance irretocável, mas a morte da mulher o abala especialmente e ele decide interromper suas apresentações. Oscilando entre a vontade de retomar o que faz de melhor na vida e às implacáveis crises de ansiedade, o pianista conhece Helen Morrison, jornalista da revista “The New Yorker” cuja admiração rapidamente dá lugar a um afeto maior, a que Cole não pode corresponder, mas que é imprescindível quanto a retornar aos palcos e retomar sua história, ainda que nada volte a ser como antes.

Bertrand, um quarentão depressivo e desempregado há dois anos, se dedica a passar seus dias jogando online, largado no sofá, até que descobre a equipe de nado sincronizado masculino da piscina pública da cidade. Os integrantes desse estranho grupo, claro, são todos perdedores como ele, o que o motiva a ingressar no time e, quem sabe, tomar novo fôlego e tentar, outra vez, fazer alguma coisa por si mesmo.

A partir de 1973, é instaurada uma ditatura civil-militar no Uruguai que se estende até 1985. José “Pepe” Mujica, Mauricio Rosencof e Eleuterio Fernández Huidobro, militantes dos Tupamaros, guerrilha de orientação marxista-leninista, passam a se destacar em ações como roubos a banco e logo são vistos como uma espécie de santos rebeldes, por distribuírem o espólio entre os mais humildes. As forças de repressão fecham o cerco e os três são capturados e levados a uma das unidades para confinamento de revoltosos, onde estão outros nove colegas, sem que seja possível a comunicação entre eles. Os anos se sucedem enquanto o grupo tenta não se entregar à sensação de alheamento. A espera leva 12 anos para acabar e um quarto de século depois, Mujica, aos 75 anos, é eleito presidente do Uruguai.

A diretora americana Debra Granik é hábil em retratar adolescentes em meio ao bombardeio dos tantos conflitos típicos da idade. Em “Leave no Trace”, Granik traz a história de Will e Tom, pai e filha. Os dois são os únicos moradores de uma grande reserva florestal nos limites de Portland, e não têm o menor problema com o isolamento, questionado pelas autoridades — que nunca se importaram com eles. O serviço social os obriga a deixar a área, e agora Will e Tom passam a ser tutelados pelo governo dos Estados Unidos. Eles não se conformam com tanta interferência num assunto íntimo e tentam retornar à vida feliz que tinham, driblando as novas necessidades que as circunstâncias os impõem.

Fustigada por um câncer que aos poucos consome sua vida, Deborah Hall tem fé de que vai se curar. Casada com Ron, famoso negociante de obras de arte, ela deseja que o marido se torne amigo de Denver, um mendigo violento, cujo passado remonta a episódios de abuso e exploração. Como nunca deixou de amar a mulher e quer conservar seu casamento, Ron tenta se aproximar de Denver. Contudo, as ilusões românticas de Deborah podem transtornar sua vida.

Howard, bem-sucedido publicitário nova-iorquino, não se conforma com a morte da filha e aos poucos se entrega à mais dilacerante forma de desespero. Apático, incapaz de reagir a qualquer estímulo, não vê mais graça em partilhar da companhia de Will, Simon e Claire, seus melhores amigos. Seu único alento é escrever cartas, destinadas ao Amor, ao Tempo e à Morte, por meio das quais consegue algum respiro conforme se libera para desabafar. À medida que se dedica ao passatempo que lhe permite continuar a viver, Howard sufoca a tristeza titânica que se abateu sobre ele e, quando menos espera, passa a ser visitado por seus interlocutores imaginários, encarnados em pessoas. Desse diálogo, lhe surge o entendimento acerca da beleza escondida por trás de cada sentimento humano — mesmo os mais avassaladores.