O físico italiano Galileu Galilei (1564-1642), pai do método científico, era um verdadeiro sábio. A partir das observações dos muitos fenômenos que estudava ao mesmo tempo, Galileu foi capaz de lançar as bases que possibilitaram o desenvolvimento de diversas teorias. Quanto à metodologia científica ela mesma, Galileu defendia que a ciência nunca parava de se expandir, a fim de testar e comprovar ou refutar os fatos da vida. As pesquisas de Galileu Galilei sobre a forma como se apresentavam as evidências científicas acerca dos mais variados eventos que importam para a humanidade continuaram pelas mãos de seu sucessor direto, o inglês Isaac Newton (1643-1727), que enunciou as leis da mecânica determinista clássica. Tomando os fundamentos de seu estudo primeiro, Newton pôde elaborar novas conjecturas, depois ratificadas, no que concerne a, por exemplo, o lugar que ocupam as massas celestes, para onde se deslocariam, em que velocidade e quanto tempo levariam para concluir toda a operação. Newton, por sua vez, foi sucedido pelo alemão Albert Einstein (1879-1955) que, valendo-se das leis do movimento e da gravitação, concebidas pelo inglês, portava todo o cabedal necessário a fim de sustentar sua teoria da relatividade, essencial para se tentar entender a ordem tão particular do universo, um emaranhado de astros, estrelas, planetas e tantas outras estruturas que vagam desde o princípio dos tempos em alguma parte sobre nossas cabeças. A continuação da vida na Terra depende da investigação permanente e do aperfeiçoamento de todas essas ideias, a fim de garantir que se afaste a possibilidade de eventos inesperados, que nunca deixaram de se dar, sem maiores consequências. Entretanto, o homem não ajuda nem a ciência, muito menos a natureza. A humanidade também é movida a desordem. Nunca satisfeito com nada e sempre disposto a colocar à prova o mundo, o sistema, o outro, a si mesmo, o gênero humano parece querer botar a perder todas as conquistas que fez ao longo de milênios de um processo evolutivo lento, a começar pela própria civilização. Na esteira de uma pandemia que ainda não arrefeceu de todo, o ano de 2021 tem sido especialmente difícil, sobretudo nos países em desenvolvimento, os mais afetados pela falta de recursos que, aplicados da maneira mais adequada, poderiam ter debelado a peste. No caso do Brasil, além da má gestão do dinheiro público, políticas propositalmente equivocadas contribuíram para engrossar o desastre, que, até o momento, redunda numa pilha de quase 600 mil cadáveres. Talvez seja mesmo verdadeira a filosofia barata que alardeia que só o amor — mesmo com as suas muitas imperfeições — salva, como se assiste em “Orgulho e Preconceito” (2005), do britânico Joe Wright, ainda que exija de nós tantos sacrifícios e renúncias muitas vezes perversas, a exemplo do que se tem ao longo do enredo de “Big Fish e Begônia” (2018), dos chineses Liang Xuan e Zhang Chun. Alivie o saco cheio da pandemia, do ano ainda longe do término, da loucura mundana, da estupidez dos homens, com esses e mais oito filmes no acervo da Netflix, produzidos entre 2021 e 2005. Acredite: é o melhor que a gente pode fazer.
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

Bob Ross (1942-1995) era dono de farta cabeleira de indomáveis fios crespos, timbre de voz de quem acabara de ser visitado por uma legião de querubins, talento indizível para as artes plásticas e o indefectível carisma, que o catapultou ao estrelato na televisão americana. Pelo desdobramento do nome do documentário que faz menção a seu nome e presta uma homenagem muito devida à sua figura, se constata que a vida para Ross, apesar de sem apertos de dinheiro, não fora um mar de rosas. Depois de sua morte, em 1995, devido a um câncer linfático, o espólio de Bob Ross foi alvo de uma intensa batalha judicial entre seus parentes e Annette Kowalski, ex-empresária do artista.

Se existe alguém que aproveitou o confinamento obrigatório por causa da pandemia de covid-19, desde março de 2020, essa pessoa chama-se Bo Burnham. O comediante se valeu justo da falta de interação com o público a fim de desenvolver novas técnicas e novos propósitos para a carreira. Em cartaz desde maio na Netflix, a comédia musical com DNA de documentário tem sido aclamada por crítica e espectadores graças à originalidade. Artista multitalentoso, Burnham dirigiu “Oitava Série” (2018) e está no elenco de apoio de “Bela Vingança” (2020), vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original de 2021.

Pelos vestígios que alguém deixa, é possível conhecer um pouco de como viveu, o que passou, que postura assumiu nos diferentes momentos de sua trajetória. “A Escavação”, do diretor Simon Stone, vai fundo nesse argumento a fim de contar a história de uma jovem viúva que passa por mais um embate pessoal depois da morte do marido. Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, Edith Pretty e o filho Robert continuam levando a vida como podem, apesar das vicissitudes pela perda recente. Pequenos montes de terra na propriedade em que moram, em Suffolk, na Inglaterra, lhe despertam a curiosidade e ela recorre a Basil Brown, arqueólogo amador, a fim de saber o que pode haver ali. Brown de fato descobre algo importante, tanto que a notícia se espalha e até o Museu Britânico demonstra interesse pelo que existe de misterioso no terreno de Edith. Enquanto Brown conduzia as escavações, afloravam também sentimentos, igualmente plenos de relevância. Em meio a tantas reviravoltas, Edith, mãe extremada, retém o quanto pode a devastadora melancolia que a consome devido a uma grave doença, a fim de poupar o filho, mas ao mesmo tempo, teme pelo destino do garoto. A trilha, decerto mais um dos trunfos da produção, acompanha o processo de desgaste emocional a que a viúva se entrega, bem como a ambientação da história, que acertadamente opta por cenas pontuadas pelo cinza dos dias de tempestade e uma condução mais sutil. Se a intenção do filme foi transmitir alguma lição ao espectador, Stone pode se considerar realizado. Em “A Escavação” fica claro que a vida vai muito além da superfície.

Por mais que a melancolia de “Se Algo Acontecer… Te Amo” não deixe transparecer, o casal que protagoniza esse curta de animação já foi muito feliz algum dia. Reconforta saber que tentam se reencontrar, mas a dor de ter perdido a filha da forma como tudo aconteceu os assola. Ao realizar a viagem rumo à vida que tinham até que a tragédia os colhesse, têm uma ideia de como podem voltar não aos bons tempos de antes — o antes está morto —, mas, pelo menos, resgatar o sentimento que os conduziu até ali. A técnica empregada na produção, estreia dos diretores Will McCormack e Michael Govier, é primorosa. Com desenhos feitos à mão, o filme torna-se uma verdadeira relíquia em meio a tantas invencionices da tecnologia, e a força da mensagem se intensifica. A narrativa se caracteriza por manter passado e presente juntos, suscitando a ideia da necessidade de os encarar dessa forma a fim de que a trama faça sentido. Os protagonistas são acompanhados por sombras, como que a atormentá-los, numa alusão à força das lembranças, capazes de interferências severas na vida dos indivíduos: a experiência de cada um é regida também pelas memórias que temos acerca dos mais diversos eventos pelos quais passamos. A começar do nome, “Se Algo Acontecer… Te Amo” é um conselho a nos rememorar a efemeridade da vida. E que é sempre possível — e necessário — dar às lembranças seu verdadeiro peso.

Henry Cole é um virtuose do piano que devotou a vida à carreira. Cole nunca tivera problemas com sua natureza de verdadeira obsessão pelo trabalho, sempre em busca da performance irretocável, mas a morte da mulher o abala especialmente e ele decide interromper suas apresentações. Oscilando entre a vontade de retomar o que faz de melhor na vida e às implacáveis crises de ansiedade, o pianista conhece Helen Morrison, jornalista da revista “The New Yorker” cuja admiração rapidamente dá lugar a um afeto maior, a que Cole não pode corresponder, mas que é imprescindível quanto a retornar aos palcos e retomar sua história, ainda que nada volte a ser como antes.

A fantasia épico-dramática dos diretores Liang Xuan e Chun Zhang impressiona, tanto mais por se tratar de gente nova no ramo. A qualidade técnica, a forca da mensagem, a precisão poética do roteiro, tudo conspira para que “Big Fish e Begônia” tome o espectador de assalto e fique por ali, cavando um espacinho no coração do público. O filme começou a ser pensado 12 anos antes do lançamento, e cada minuto parece ter sido crucial. O que se vê na tela é a realização de um sonho, e aqui não vai nenhuma metáfora gasta. Liang Xuan vira enquanto dormia a história de um peixe que ia crescendo até não caber mais em lugar algum se não o mar. O parceiro entendera a mensagem, que poderia dar em enredo para um bom filme sobre liberdade, escolhas, amadurecimento. Em 2004, começaram a trabalhar, primeiro sob a forma de curta-metragem. Chun é uma espécie de criatura mitológica, habitante de um mundo paralelo logo abaixo da superfície do oceano. O céu de Chun é a parte mais abissal do mar. Ao completar 16 anos, é submetida ao rito de passagem para a vida adulta de seu povo. Sob a forma de golfinho vermelho, é despachada para observar os homens — e esse é o verbo adequado. Não é permitida nenhuma aproximação, a fim de que se preservem as duas espécies. Mesmo considerando a regra temerária demais, Chun cumpre as ordens e se deslumbra com o que pode vivenciar. Já no caminho de volta para o seu mundo, fica presa numa rede de pesca. Quem a salva é o menino que havia conhecido ao chegar, que corajosamente se lança ao mar a fim de salvá-la. Chun se desprende da rede, mas o garoto morre. Num terrível drama de consciência, ela o resgata, e vai atrás do guardião de almas, um ser meio demoníaco com quem negocia a ressurreição dele, sob a condição de que lhe reserve metade de sua vida. Transformado num peixe, chamado de Kun pela nova amiga, será assistido pela menina até que possa retomar sua vida. Como o guardião lhe advertira, a presença de Kun num mundo que não é o dele traz complicações, como o desequilíbrio no ecossistema. O intruso passa por situações vexatórias e até repugnantes. A situação torna-se ainda mais delicada quando Chun e Qiu, o amigo que nutre uma paixão secreta por ela, sabem que Kun, na verdade, fora renegado por seu povo, que o queria fora da comunidade, e agora que ele começa a se recuperar, não o quer de volta. À luz da filosofia oriental, mais precisamente o taoísmo, no caso do filme, a história serviria como uma espécie de alerta sobre como o homem será encarado no além-vida, ou seja, de acordo com seu comportamento no mundo da matéria. A desdita de Kun talvez fosse mesmo o que lhe reservara o mundo divino, e Chun fora imprudente ao se envolver. Desde o princípio dos tempos, o homem sempre teve a possibilidade de fazer a escolha que lhe conviesse, desde que fosse capaz de arcar com as consequências de seus atos. A aura de fantasia aliada ao místico é um dos grandes momentos de “Big Fish e Begônia”, um filme que ensina, ainda que passe a impressão, à primeira vista, de ser só mais uma das muitas animações de algum país distante.

Demorou para que um dos primeiros intelectuais do cristianismo, grande teórico da religião difundida por Jesus, tivesse um filme à altura de sua importância, não para a teologia, mas para todo o gênero humano, a qualquer época. Paulo, como era conhecido na Roma Antiga — principalmente depois de abandonar a trajetória de judeu intolerante, perseguidor de cristãos a fim de propagar a mensagem do evangelho —, é o responsável por ter lançado as primeiras diretrizes acerca dos dogmas do catolicismo como os conhecemos ainda hoje. Ao se deslocar rumo a cidade de Damasco, na Síria, o apóstolo teve uma iluminação e, literalmente, cai do cavalo ao se deparar com a imagem do próprio Cristo. Chega à conclusão de que sua vida não fazia sentido da forma como vinha se lhe apresentando. Paulo muda seu caminho e sai pelo mundo em nome da causa em que passa a acreditar, bem como seu melhor amigo, o médico Lucas, que o assiste até o fim. São Paulo Apóstolo percorreu 16.000 km levando a Boa Nova. Seus textos constam em diversos momentos do Novo Testamento, especialmente nos Atos dos Apóstolos, em que discorre sobre os sentimentos mais íntimos do homem. Sua “Carta aos Coríntios” tornou-se popular na voz de Renato Russo (1960-1996), de onde se destaca o trecho que diz que ainda que se fale a língua dos homens e dos anjos, não se chega a lugar algum sem amor. Depois de ter combatido o bom combate, concluído a carreira e guardado a fé, Paulo de Tarso foi decapitado a mando de Nero, imperador de Roma, no ano 67 d.C., aos 62 anos.

Tentativas de mudar o estabelecido são sempre difíceis, quando não resultam infrutíferas, especialmente em se sendo mulher, de meia-idade e num lugar que não é o seu. Em plenos anos 1950, uma livreira chega a uma cidadezinha no litoral da Inglaterra disposta a deitar raízes e seguir com seu negócio. Para tanto, terá de se investir de uma boa camada de destemor, a fim de vencer o conservadorismo dos novos vizinhos, o que a fará se valer das mesmas armas que seus adversários.

A paralisia cerebral não impede a estudante indiana Laila de sonhar. Ao lado da mãe, Laila se muda para os Estados Unidos e se matricula na Universidade de Nova York, e a partir de então uma nova vida, plenas das suas muitas situações inesperadas e fundamentais, se descortina para a garota. Apaixonada por um colega, se declara – e leva um fora. Desiludida, pensando em jogar tudo para o alto, surge em sua vida uma jovem ativista, de personalidade forte como a dela, e juntas elas começam a (re)aprender a descobrir os tantos encantos ainda misteriosos da vida.

Em 1797, a Inglaterra era o país mais avançado do mundo, graças à Revolução Industrial (1760-1840). Contudo, Elizabeth, Jane, Lydia, Mary e Kitty são criadas com mãos de ferro pela mãe, que não aceita outro destino para as filhas que não passe pelo binômio casa-igreja, exatamente como se dá com ela. Elizabeth, contudo, almeja um futuro muito diferente, aspiração que o pai endossa. Bingley, o novo vizinho — rico, bonito e solteiro —, logo se torna alvo da cobiça das irmãs, e o melhor partido das cercanias cai de amores por Jane. Elizabeth, por sua vez, trava um breve contato com Darcy, que não lhe diz muita coisa, muito por causa da arrogância. Mesmo assim, os dois se aproximam cada vez mais, como se se testassem, a fim de saber quem cede primeiro.