A junção de diversas sensações de desconforto mental redunda em episódios de acessos de agonia severa, assinalados por medo e mesmo horror, que podem se estender por até dez minutos. A ansiedade paroxística episódica, popularmente conhecida como síndrome do pânico, acomete o paciente sob a forma de ataques em que falta o controle sobre as emoções mais básicas, a razão desaparece e se tem uma ideia nítida do que é a loucura e o próprio fim da vida. A guerra, representação máxima da derrota da civilização, é o cenário perfeito quanto a se vivenciar a fuga de toda a lógica, principalmente quando Nice, a deusa da vitória, não se alia à Têmis, a divindade que simboliza a justiça, como se constata em “Dunkirk” (2017), verdadeiro épico de Christopher Nolan, sobre o resgate de mais de 300 mil soldados que, apesar de estarem do lado certo, foram submetidos ao ultraje de se verem encurralados pelo exército de Adolf Hitler (1889-1945) em Dunquerque, litoral francês, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Por sua vez, “Ilha do Medo” (2010), do extraordinário Martin Scorsese, explora todas as possibilidades do quão sombria pode ser a alma do homem, verdadeiro clássico do thriller de terror. Além dessas, temos mais cinco opções, todas na Netflix, para sentir aquele frio na espinha sem maiores sobressaltos. Respire fundo e siga em frente.
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix
Passadas três décadas e meia, vem à luz a continuação da história sobre um policial que caçava androides em Los Angeles. O original, lançado em 1982, passava-se em 2019. O futuro já é passado, mas a saga resistiu. Dessa vez, a trama se desenrola em 2049 e a tarefa coube a K, um novo blade runner, que não caça androides, apenas os “aposenta”. Num amanhã ainda menos promissor, os replicantes se tornaram mais saidinhos e inspiram o medo na população e a fúria das autoridades. O trabalho de K fica um tanto mais difícil devido à descoberta de uma caixa na qual está o mote do novo “Blade Runner”. Uma androide gera uma filha, cujo pai é um humano. Um milagre, portanto. O diretor Denis Villeneuve aceitou o desafio de dar sequência à história, que decerto não para por aí, por temer que outra pessoa não desse ao filme o tratamento que ele merecia. Foi o homem certo para o projeto certo: “Blade Runner 2049” é fiel à ideia que lhe deu azo, sem, no entanto, ter ficado com cara de um simples pastiche do original. Em “Blade Runner 2049”, Villeneuve conseguiu, a partir de um filme-conceito amplamente conhecido e cultuado, imprimir sua assinatura e sua visão de mundo. Clássico com uma genealogia à altura.
“Um Contratempo” segue o padrão dos filmes de suspense policial espanhóis produzidos nos últimos anos: uma história com protagonistas especialmente bonitos, um anticlímax atrás do outro, locações soturnas e a dose certa de violência — neste caso, dosada até demais, o que não chega a ser algo que deponha contra o trabalho do diretor Oriol Paulo, um discípulo aplicado dos mestres Alfred Hitchcock e Brian de Palma. A premissa é simples, quase simplória: um sujeito diz ser acusado por um crime que não cometeu e procura a melhor advogada que encontra. Ela faz questão de saber toda a história, com todos os detalhes. Ao passo que ele se explica, ela o contesta — afinal, antes ela que a promotoria, ou o júri, ou, o pior, o próprio juiz. Tudo tem de sair de forma a fazê-lo parecer de fato inocente e, assim, se livrar da cadeia. O caso é que, quanto mais ele fala, mais se enrola (até porque a situação toda é mesmo um grande enrosco), mais o crime se distancia de um desfecho satisfatório para sua defesa e mais controversa se torna a advogada, sem que o espectador saiba ao certo quem desempenha que papel ali.
Com “Dunkirk”, Christopher Nolan conseguiu duas verdadeiras proezas. A primeira foi entregar um filme absolutamente distinto do que vinha apresentando em trabalhos a exemplo de “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (2008) e “Interestelar” (2014). Por aí, já se vê que Nolan é um diretor plural e ambicioso, mas a cereja do bolo está mesmo aqui. Sua segunda façanha foi ter imprimido tamanho realismo e dramaticidade numa história carregada de significado. O filme conta, com o rigor intelectual necessário, como se deu o resgate de mais de 300 mil soldados britânicos na costa francesa, completamente sitiados pelas tropas de Hitler. Só o número de figurantes necessários para se emprestar credibilidade às sequências já é uma epopeia à parte, mas a força do talento de Nolan dá conta do recado direitinho. Sem nenhum exagero, “Dunkirk” comprova que Christopher Nolan se superou frente a todos os seus excelentes trabalhos anteriores e produziu a obra definitiva sobre operações militares arriscadas no decorrer de uma guerra. Os cinéfilos esperamos que ele seja vencido.
Em “Sicario: Terra de Ninguém”, continuação do aclamado “Sicario: Dia de Soldado”, o diretor Denis Villeneuve, como sempre, deixa sua marca: um filme de acordes vibrantes, seja pendendo para o suspense clássico, seja o misturando ao terror e dando matizes mais pronunciados a este. O soberbo roteiro de Taylor Sheridan conta a história de Kate Macer, agente do FBI escalada para uma força-tarefa a fim de deter o manda-chuva do tráfico no México, que administra um poderoso cartel. A operação está envolta em uma densa névoa de mistério, conduzida por policiais de conduta duvidosa, e é em meio a este cenário que Kate terá que combater o sangrento tráfico internacional de drogas, sem se deixar esmorecer nem se seduzir por ele.
A intenção de se voltar à trilogia “Mad Max” já vinha desde o fim das filmagens da história original, nos anos 1980. O diretor George Miller e o astro Mel Gibson já acertavam os ponteiros quanto à produção da quarta parte da sequência, mas dificuldades de ordem burocrática atrasaram o projeto e Gibson foi cuidar da vida. Tom Hardy assumiu o papel do protagonista, a despeito de toda a desconfiança — e da torcida contra — e o resto é história: o desempenho memorável de Mel Gibson chegou a se constituir numa sombra sobre o novo líder do elenco, mas o novato se saiu melhor que a encomenda. O público aprovou e “Mad Max: Estrada da Fúria” é considerado um dos melhores da franquia. Aqui, Max, capturado, vira uma espécie de hospedeiro, fornecendo sangue para soldados batidos na guerra. Immortan Joe, chefe da comunidade local, subjuga a população por reservar em seu poder a maior parte da água de que dispõem. Max acaba servindo de bucha de canhão na sanha de Immortan Joe por manter seu domínio de escravos com mãos de ferro. Furiosa, uma das cativas que servia de ama-de-leite aos filhos da revolução, escapa e é aí que a história pega fogo. De uma fragilidade apenas aparente, Furiosa dá um colorido todo especial à trama ao se aliar a Max — e a química entre Charlize Theron e Tom Hardy é, decerto, uma das grandes responsáveis pela grandeza do filme, que, embora tenha levado 30 anos para sair do papel, veio à luz no momento preciso, pelas mãos do homem exato. George Miller parece ter guardado toda a sua verve para “Mad Max: Estrada da Fúria”, uma prova de que um filme, para ser bom, muitas vezes só precisa de um diretor talentoso. E talento George Miller tem de sobra.
Uma trama muito acima da média, um bom elenco, a fotografia perfeita e… voilà!, se dá a mágica. O detetive aparentemente clichê de Leonardo DiCaprio se vê no meio de uma investigação nada convencional em que ele próprio adquire papel de destaque. O personagem de DiCaprio precisará esquecer qualquer estereótipo do detetive de filme ambientado nos anos 1950 se quiser desvendar o caso do paciente assassinado num sombrio manicômio presidiário no meio do mar: deverá também ele se imiscuir na história e se tornar um dos lunáticos ali encerrados – ou pelo menos se aproximar o quanto puder disso. A ilha não tem nada de paradisíaca; sua possível natureza de idílio fora totalmente deformada, à guisa de derradeiro refúgio para a loucura criminosa que habita o coração de determinados homens. Nesse Éden demoníaco tudo fica ainda pior quando a cólera de um furacão deixa o lugar incomunicável, vários internos fogem e o caos se instala de vez.
Vítimas de um ataque brutal, uma mulher morre e seu marido, Leonard, fica com ferimentos graves. Ele consegue sobreviver, mas a violência dos golpes lhe provoca um distúrbio neurológico. Seu cérebro não registra mais fatos recentes e ele esquece por completo de coisas que acabaram de acontecer. Mesmo assim, ele desafia suas limitações e se prontifica a encontrar o assassino de sua mulher e, finalmente, vingá-la. O filme se bifurca em duas narrativas: uma em cores, que expõe os fatos de modo reverso, e outra em preto e branco, sob a forma cronológica comum, explorando a amnésia do protagonista para, no desfecho, ligar as duas e, esclarecer se Leonard matou o homem certo.