O espírito humano, cheio de esconderijos, de lugares que muitas vezes nem nós mesmos conseguimos acessar, vai acumulando as muitas experiências pelas quais passamos ao longo da vida, memórias que acabam por nos servir, de um jeito ou de outro, em algum momento, a fim de que possamos manter a salvo a integridade mental. Para muitos, o homem não veio de lugar algum, cumpre toda a sua jornada penando sobre a Terra e, ao morrer, não lhe resta mais nenhuma alternativa além dos vermes. E, claro, há os que dizem que somos os seres sobre todos os seres, regidos por uma lei maior, por um ente maior, que recebe as mais variadas nomenclaturas: energia, força, destino, sina, Deus. O matemático grego Pitágoras (séc. VI a.C.) era um defensor ferrenho da harmonia entre corpo e alma para a saúde de um e de outra, não sendo outra coisa, no fundo, o enunciado de seu famoso teorema. Tudo na vida vem como parte de uma série de decisões que somos obrigados a tomar, em maior ou menor grau, que ao cabo de algum tempo, implicam em equilíbrio ou instabilidade. Compreender a vida e o que ela deseja de nós nem sempre é tão fácil como insinua Guimarães Rosa (1908-1967). Em muitas ocasiões, a vida parece nos exigir bem mais que coragem, hajam vistas as diversas peças que nos reserva a sorte. Todo santo dia acontece algum evento, em maior ou menor proporção, que foge ao nosso controle, com o qual inexoravelmente precisamos lidar, e de maneira rápida. Como se se tratasse de um teste sem hora para acabar, a vida nos apresenta questões, uma mais complexa que a outra, e nem sempre somos aprovados no exame. Encontrar o tão procurado sentido da vida é tarefa inglória, até porque a vida não faz sentido, e é papel de cada um de nós dar à própria vida o rumo que julga conveniente. É o que faz Lucky, do filme homônimo, lançado em 2017 e dirigido pelo americano John Carroll Lynch, sobre um velhinho nada convencional, ou Guido, de “A Vida é Bela” (1997), do italiano Roberto Benigni, que conta a história do prisioneiro de um campo de concentração nazista que, encarcerado junto com o filho, esconde da criança as barbáries por que passam graças à sua imaginação fértil. Esses filmes, e mais oito, foram produzidos entre 1997 e 2017, e aparecem do mais novo para o mais antigo. Às vezes, a gente não consegue dar um jeito no que nos soa meio fora de propósito, mas a vida é isso também: manter o caos sob controle.
O nonagenário Lucky (Harry Dean Stanton), ateu praticante, fumante inveterado e morador de um lugarejo perdido no deserto, toma consciência de que a morte se aproxima e quer se preparar para fechar a cortina final. Para isso, ele precisa remexer seu baú de ossos e de lá tirar a tão desejada iluminação. Aqui a confusão entre personagem e ator é deliberada: Stanton foi um dos mais famosos astros do cinema dos anos 1950 e 1960, se destacou com os papéis de caubói durão nas fitas de faroeste, mas continuou na ativa até morrer, o que “Lucky” prova. E ninguém esquece esse velho cavaleiro.
Richard Linklater é um homem obstinado — e muito criativo. Quem ao menos teria a ideia de filmar, valendo-se do mesmo ator, a trajetória de um personagem por 12 anos? Não, você não leu errado. O diretor mostra a transição da infância para a adolescência de uma mesma pessoa, ou seja, “Boyhood” levou 12 anos para ficar pronto. Mason é um garoto meio solitário, meio melancólico também, tendo de lidar com a negligência afetiva do pai, a inconstância da mãe, sempre arrumando um namorado atrás do outro, e os conflitos habituais com a irmã, enquanto tenta administrar mudanças, físicas mesmo, de cidade, regularmente. A vida não se apresenta muito amigável para ele e ao longo da narrativa, testemunhamos o amadurecimento de Mason, torcemos por ele, esperando que ele compreenda que a vida não é fácil mesmo.
Em 1967, Larry Gopnik é professor de física na Universidade de Midwestern. Sua vida não tem nada de excepcional, e ele não se incomodaria se tudo seguisse rigorosamente assim. O problema é que Judith, sua mulher não pensa como ele e vai viver com outro homem. Tudo bem, pelo menos é feliz na carreira. Nem tanto: começa a circular pelo câmpus uma carta anônima que cairia como uma bomba sobre suas aspirações profissionais caso seus superiores a lessem. O restante da família, a exemplo de Judith, também o preocupa: seu irmão Arthur, não vê o menor inconveniente em passar o resto da vida morando em sua casa e dormindo no seu sofá; Danny, seu filho, é um rebelde sem causa; e a filha, Sarah, lhe surrupia dinheiro a fim de diminuir o nariz. Atônito, o professor Gopnik só vislumbra uma saída para tanta amargura: Deus — encarnado sob a forma de três rabinos.
Caden Cotard, diretor de teatro, ensaia um novo trabalho, se equilibrando em meio a muitas questões particulares. Os problemas começam pela mulher, Adele, que joga tudo para o alto e vai morar em Berlim, levando a filha do casal, Olive, junto. Poderia recorrer ao auxílio de um profissional, mas Madeleine, sua terapeuta, considera ser mais importante fazer a propaganda do bestseller que escreveu do que em socorrê-lo. Como sua saúde também não anda lá essa maravilha, Caden reúne alguns atores num galpão. É nesse lugar soturno e misterioso que ele consegue se livrar de seus grilhões, sendo, enfim, o homem que quer ser.
Patrick Braden, mais conhecido como Pussy, por causa de seu ofício, é filho de um padre e uma empregada doméstica — que não conhece, já que ela o abandonara e o entregara a Ma Braden, que nunca o suportara. Travesti numa cidade no interior da Irlanda, Pussy é a escória da escória, indesejado por todos, à exceção de Charlie, Irwin e Laurence, seus únicos amigos. Junto com eles, Pussy decide se lançar no mundo em busca da mãe biológica, a fim de obter as respostas de que tanto necessita para continuar a viver.
Albert Markovski sempre fora intrigado com as muitas coincidências que a vida apresenta, para ele a chave de todos os segredos da existência. Para desvendar algumas circunstâncias obscuras, que o poderiam ajudar em seu propósito de explicar a jornada da humanidade, contrata os detetives Bernard e Vivian. Os trabalhos começam por Tommy, bombeiro honrado, mas instável; Brad, executivo de vendas ambicioso; e a modelo Dawn, que sucumbe frente à mais uma crise de identidade. Tudo fica ainda mais confuso com a chegada de Caterine, adversária dos investigadores, que se dedica a seduzir Albert e Tommy a fim de o seu ponto de vista sobre o casos prevaleça.
Na década de 1940, Ed Crane se dedica à sua barbearia, esperando que, por um milagre, sua vida mude e ele seja, finalmente, um homem realizado, sonho que se torna a cada dia mais distante, por saber que a mulher, Doris, é infiel. Ed, consumido pelo ódio, só pensa em se vingar, e vê na preparação de uma estratégia para chantagear e humilhar publicamente Doris e, assim, ir à forra, o grande objetivo de sua vida miserável, mas seu plano começa a fazer água e disso se desdobra uma sucessão de eventos infaustos. Mortes, inclusive.
NJ Jian chefia uma família bastante nada extraordinária: moram com ele a mulher, os dois filhos e a sogra idosa. Tem uma pequena empresa de computação em sociedade com um amigo, os negócios não vão mal, mas nunca se sabe, o ramo é delicado e é preciso se atualizar constantemente. A fim de permanecer vivo na selva do mercado, procura Ota, designer de jogos, e discute com ele uma parceria. Tudo parecia que ia engrenar, até a sogra ser vítima de um derrame e entrar em coma. NJ Jian pensa que o melhor a fazer é se conformar, fechar a loja, talvez, mas fica intrigado com a volta de Sherry, sua namorada em menino, agora casada com um americano.
Aos 15 anos, Max Fischer consegue licença para se matricular em Rushmore, escola preparatória para adolescentes ricos, graças a uma bolsa de estudos. Max é esforçado, contudo periga ser expulso do colégio por causa do péssimo rendimento. Cruza o seu caminho Herman Blume, magnata deprimido, enquanto se descobre apaixonado por Rosemary, a professora que enviuvara no ano anterior, e que, claro, não vê o menor sentido naquilo. Herman também se encanta por Rosemary e agora os ex-camaradas se declaram inimigos figadais.
O enredo altamente alegórico de “A Vida É Bela” conta a história de Guido, que com imaginação e um incansável estoicismo, não permite que o filho saiba que o mundo está em guerra — no caso, a Segunda Guerra Mundial — e terríveis vilões — ou seja, os nazistas — querem vencê-los. Este roteiro, o mais pessoal de Roberto Benigni — também protagonista da história — foi inspirado em Luigi, pai do diretor e ator, que viveu em um campo de concentração nazista por anos e, para não apavorar os filhos, inventava causos bem-humorados sobre a infausta experiência.