Levantar da cama e ganhar o mundo às vezes já um desafio quase inexpugnável. Ter problemas é normal — e todos os temos. Encontrar a solução para eles é que é… o x do problema. Ter a solução fácil — e errada — para todas as questões todo mundo tem; se colocar sob a nossa pele, aí é que são elas. É, eu sei, a vida, às vezes, fica muito mais para sopa de jiló que para manjar de coco (e a gente tem de engolir de qualquer jeito). Há circunstâncias muito particulares em que a gente não aguenta, perde a linha, solta os cachorros no primeiro que aparece, chuta o balde, ateia fogo às vestes… e morre queimado. É muita tensão no ambiente de trabalho, filhos que inspiram cuidado, apuros de dinheiro, doença… Todas esses cenários, em maior ou menor proporção, deixam a gente jururu, borocoxô, macambúzio, casmurro, ou baixo astral mesmo. Tem horas em que tudo o que a gente quer é gritar. Forte, alto. Aliviar aquele aperto no coração, a fim de liberar a endorfina acumulada, a adrenalina em excesso e ver se conseguimos acordar no dia seguinte. Todo mundo se encontra em palpos de aranha de vez em quando — alguns mais do que outros. Em que pese viver numa sociedade extremamente violenta, num mundo cada vez mais individualista em que valores antes fundamentais a fim de se primar pela boa convivência restam completamente distorcidos e superados, temos toda a sorte de complicações. Mesmo as relações amorosas, que deveriam ter o condão de nos proporcionar alento em meio a uma horda de seres humanos mais e mais destituídos de humanidade, podem se tornar fonte de uma miríade de enroscos. Dois indivíduos, ainda que demonstrem sentimento firme um pelo outro, têm seus momentos de divergência, justamente por serem duas almas, duas vidas, duas pessoas cada qual com suas necessidades, suas escolhas, suas aspirações, seus sonhos. Ninguém vem ao mundo para ser sozinho, muito menos quando se tem claro que se achou a tampa da panela. Uma conversa franca, direta, olhos nos olhos, pode resolver um mal-entendido qualquer, mas quando o buraco é mais fundo e a gente chega à parte mais baixa do poço, dói. Pior ainda se tudo isso se dá tendo-se de se administrar a questão mais básica para um vivente, a própria existência, no dia a dia de uma guerra. A vida não para, claro, mas dar conta de banalidades do cotidiano, como a vida familiar, por exemplo, fica muito mais difícil com centenas de bombas caindo sobre as nossas cabeças, sem descanso. É o que mostra o documentário “Os Capacetes Brancos” (2016), do diretor anglo-saxão Orlando von Einsiedel, sobre os conflitos armados na Síria. Paulo de Tarso, um dos mais fiéis apóstolos de Jesus, foi um modelo de como se superar as adversidades com otimismo, convicto de que se está na banda certa da trilha, como se denota em “Paulo, Apóstolo de Cristo” (2018), do americano Andrew Hyatt. “Os Capacetes Brancos”, “Paulo, Apóstolo de Cristo” e mais oito filmes, todos no acervo da Netflix, produzidos entre 2014 e 2020, provam que nunca é tarde demais para se tentar mais uma vez. Enxugue as lágrimas e mãos à obra!
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

No documentário “Crip Camp: Revolução pela Inclusão” (2020), os diretores James Lebrecht e Nicole Newnham abordam a superação que rege a vida de uma comunidade de adolescentes com deficiência em Woodstock, vilarejo americano famoso pelo festival de rock em 1969, o acampamento Jened. A garotada de Jened não está interessada em comiseração nem liga para os preconceituosos: deseja apenas trabalhar, amar, viver, como qualquer um. Uma existência alternativa que, aos poucos, torna-se modelo de economia sustentável e paradigma de defesa dos direitos dos deficientes, despertando a atenção do Congresso dos Estados Unidos, que, em 1973, promulgou uma lei a fim de assegurar condições de uma vida mais honrada a esse público.

Por mais que a melancolia de “Se Algo Acontecer… Te Amo” não deixe transparecer, o casal que protagoniza esse curta de animação já foi muito feliz algum dia. Reconforta saber que tentam se reencontrar, mas a dor de ter perdido a filha da forma como tudo aconteceu os assola. Ao realizar a viagem rumo à vida que tinham até que a tragédia os colhesse, têm uma ideia de como podem voltar não aos bons tempos de antes — o antes está morto —, mas, pelo menos, resgatar o sentimento que os conduziu até ali. A técnica empregada na produção, estreia dos diretores Will McCormack e Michael Govier, é primorosa. Com desenhos feitos à mão, o filme torna-se uma verdadeira relíquia em meio a tantas invencionices da tecnologia, e a força da mensagem se intensifica. A narrativa se caracteriza por manter passado e presente juntos, suscitando a ideia da necessidade de os encarar dessa forma a fim de que a trama faça sentido. Os protagonistas são acompanhados por sombras, como que a atormentá-los, numa alusão à força das lembranças, capazes de interferências severas na vida dos indivíduos: a experiência de cada um é regida também pelas memórias que temos acerca dos mais diversos eventos pelos quais passamos. A começar do nome, “Se Algo Acontecer… Te Amo” é um conselho a nos rememorar a efemeridade da vida. E que é sempre possível — e necessário — dar às lembranças seu verdadeiro peso.

Em seu primeiro longa, a diretora japonesa Hikari, de curtas como o incensado “Tsuyako” (2011), comprova sua delicadeza para lidar com temas como família, liberdade, sexo e inclusão social na vida de deficientes físicos. “37 Segundos”, além de singelo (sem prescindir do vigor), prima por uma condução narrativa em que há predomínio das imagens, aqui muito mais eloquentes que qualquer texto. Ainda que a personagem central, cadeirante, se expresse do jeito mais adequado para cada momento, importa mais como se movimenta em cena, sequências que têm o poder de alçar o filme numa obra-prima do gênero.

Lorena Ramírez, 25 anos, membro da comunidade indígena Tarahumara, no estado de Chihuahua, no norte do México, não tem a necessidade de tênis caros para correr. Tampouco usa os trajes mais modernos para a atividade esportiva. Lorena só conta com um par de chinelos velhos e sua preciosa vontade de ser campeã, nas pistas e fora delas. A corredora venceu algumas das disputas mais duras do México, a exemplo da “Ultramaratona Guachochi”, em 2017. Na ocasião, Lorena percorreu 100 quilômetros só de sandálias e roupas comuns. Certamente um modelo a ser copiado mundo afora, no esporte e na vida.

Henry Cole é um virtuose do piano que devotou a vida à carreira. Cole nunca tivera problemas com sua natureza de verdadeira obsessão pelo trabalho, sempre em busca da performance irretocável, mas a morte da mulher o abala especialmente e ele decide interromper suas apresentações. Oscilando entre a vontade de retomar o que faz de melhor na vida e às implacáveis crises de ansiedade, o pianista conhece Helen Morrison, jornalista da revista “The New Yorker” cuja admiração rapidamente dá lugar a um afeto maior, a que Cole não pode corresponder, mas que é imprescindível quanto a retornar aos palcos e retomar sua história, ainda que nada volte a ser como antes.

Osamu sustenta sua família nada convencional praticando pequenos furtos, no que é ajudado por seu filho. Ao fim de mais um dia de delinquências, se deparam com uma garotinha, aparentemente perdida. Eles relutam em acolher a menina, afinal, o dinheiro que conseguem quase não é suficiente, mas a mulher de Osamu resolve ficar com a pequena ao saber das condições em que ela vive. Essa família bandida parece feliz, até que um incidente vai revelar segredos que irão por à prova os laços que os mantém juntos. Ao abordar temas polêmicos como o de um clã inteiro que se entrega à marginalidade sem o menor drama de consciência, o filme já marca um golaço ao não se permitir patrulhar pelo politicamente correto e levantar questões complexas com humor e uma profundidade que nem todo mundo suporta.

Demorou para que um dos primeiros intelectuais do cristianismo, grande teórico da religião difundida por Jesus, tivesse um filme à altura de sua importância, não para a teologia, mas para todo o gênero humano, a qualquer época. Paulo, como era conhecido na Roma Antiga — principalmente depois de abandonar a trajetória de judeu intolerante, perseguidor de cristãos a fim de propagar a mensagem do evangelho —, é o responsável por ter lançado as primeiras diretrizes acerca dos dogmas do catolicismo como os conhecemos ainda hoje. Ao se deslocar rumo a cidade de Damasco, na Síria, o apóstolo teve uma iluminação e, literalmente, cai do cavalo ao se deparar com a imagem do próprio Cristo. Chega à conclusão de que sua vida não fazia sentido da forma como vinha se lhe apresentando. Paulo muda seu caminho e sai pelo mundo em nome da causa em que passa a acreditar, bem como seu melhor amigo, o médico Lucas, que o assiste até o fim. São Paulo Apóstolo percorreu 16.000 km levando a Boa Nova. Seus textos constam em diversos momentos do Novo Testamento, especialmente nos Atos dos Apóstolos, em que discorre sobre os sentimentos mais íntimos do homem. Sua “Carta aos Coríntios” tornou-se popular na voz de Renato Russo (1960-1996), de onde se destaca o trecho que diz que ainda que se fale a língua dos homens e dos anjos, não se chega a lugar algum sem amor. Depois de ter combatido o bom combate, concluído a carreira e guardado a fé, Paulo de Tarso foi decapitado a mando de Nero, imperador de Roma, no ano 67 d.C., aos 62 anos.

Fustigada por um câncer que aos poucos consome sua vida, Deborah Hall tem fé de que vai se curar. Casada com Ron, famoso negociante de obras de arte, ela deseja que o marido se torne amigo de Denver, um mendigo violento, cujo passado remonta a episódios de abuso e exploração. Como nunca deixou de amar a mulher e quer conservar seu casamento, Ron tenta se aproximar de Denver. Contudo, as ilusões românticas de Deborah podem transtornar sua vida.

Os capacetes brancos, uma brigada de voluntários que presta o atendimento básico a vítimas de ofensivas aéreas na Síria, luta contra a precariedade da falta de estrutura num país arrasado pela guerra, com enfermeiros e outros profissionais se arriscando entre os escombros na procura por sobreviventes. À disposição de quem mais precisa, a despeito da hora avançada ou do lugar que não oferece nenhuma garantia de que saiam vivos, eles são sempre os primeiros a chegar e os últimos a sair. O filme do diretor Orlando von Einsiedel foi o vencedor do Oscar de Melhor Curta-metragem Documental de 2017, por mostrar sem nenhum glacê ideológico, a catástrofe de centenas de bombas caindo sobre a cabeça de cidadãos sírios diuturnamente, desde que o governo autocrático de Bashar al-Assad perdeu o controle sobre os rebeldes do Estado Islâmico. Um registro para a eternidade a que pode conduzir o radicalismo, a incompetência e o pouco caso das autoridades.

A paralisia cerebral não impede a estudante indiana Laila de sonhar. Ao lado da mãe, Laila se muda para os Estados Unidos e se matricula na Universidade de Nova York, e a partir de então uma nova vida, plenas das suas muitas situações inesperadas e fundamentais, se descortina para a garota. Apaixonada por um colega, se declara — e leva um fora. Desiludida, pensando em jogar tudo para o alto, surge em sua vida uma jovem ativista, de personalidade forte como a dela, e juntas elas começam a (re)aprender a descobrir os tantos encantos ainda misteriosos da vida.