A vida é só um grande livro de colorir. Pinte a sua como quiser!

A vida é só um grande livro de colorir. Pinte a sua como quiser!

E agora essa moda de esculhambar outra moda, a dos livros para colorir, me dá uma vontade louca de perguntar: será que nós não temos nada melhor para fazer mesmo?

Não, eu não estou me dirigindo a quem deu de passar o tempo colorindo as ilustrações em branco dos novos best sellers. Cada um há de fazer o que bem quiser com seu tempo. Eu me refiro, sim, a quem aceita passar o tempo chovendo no molhado com um milhão de teses superficiais e bobocas sobre o sucesso dos chamados “cadernos de atividades”.

“ÓÓÓ… isso é sinal de que as pessoas não sabem ler!”

“Xii… esse povo é uma boiada e para onde vai o primeiro boi vão também todos os outros.”

“Ahh… os adultos estão infantilizados!”

“Esses livros são meros brinquedos de gente grande!”

“Isso é coisa da indústria!”

“Ihh… é tudo culpa do Ed Mota, da novela das nove, da pegadinha do Silvio Santos!”

Mas onde é que está a novidade disso tudo? Aliás, quem disse que antes da febre dos livros de colorir nós estávamos lendo mais? E que mal existe em um sujeito pintar um livro, fotografar suas páginas e publicar nas redes sociais? O que fazer se um cidadão livre, leve e solto da Silva escolhe investir o seu dinheiro em um livro de colorir e não em um romance aclamado pela crítica? Nada. Nada senão desejar que ele seja feliz e pronto!

E antes que um ser perfeito me acuse de defender a “bestialização da sociedade” e essas coisas catastrofistas e sensacionais, pergunto de novo: será que o sujeito que agora frequenta as livrarias em busca dos “cadernos de atividade” não corre o risco de, um dia desses, tropeçar em Mário Quintana, esbarrar no Drummond, dar de cara com João Ubaldo, encontrar Rubem Braga, cair nos braços do Jorge Amado e descobrir tantos outros autores assim, por acaso, por sorte ou por gosto puro e simples?

Algum de nós se deu conta de que as mesmas editoras que agora enchem a sacola de dinheiro com os livros de colorir amanhã terão recursos para investir em “livros de ler”, publicar bons autores de ontem e de hoje, novos ou velhos, mortos ou vivos? É muito simples: gente nas livrarias, consumindo seja lá o que for, não faz mal nenhum. É oportunidade que precisa ser aproveitada.

Incentivar a leitura, a interpretação de texto, a inteligência e o desenvolvimento intelectual é tarefa que leva tempo, dá trabalho, pede paciência. Um passinho de cada vez, minha gente. Deixemos o povo colorir! Ou jogaremos fora a água da banheira com o bebê junto.

Concordo. Somos um povo que lê pouco. Mas não é expulsando as pessoas das livrarias que as tornaremos leitoras. É, sim, aproveitando a sua visita, trazendo-as para cada vez mais perto, apresentando novos livros, autores, formatos. Trabalhando mais e reclamando menos.

Quer saber? Que pintem mesmo! Pintem, sim! Pintem muito! Pintem gostoso! Pintem os livros e as paredes, o chão e as cortinas! Pintem a vida e expulsem os demônios internos, lavem as mágoas, liberem as angústias. Pintem muito! E quanto estiverem a fim, leiam o que lhes falar ao coração. Antes um país inteiro colorindo vales encantados, florestas, mandalas, astros do rock e até surubas do que arrumando briga no trânsito, mexendo com quem está quieto, remoendo mágoas ou tão somente fazendo nada.

Viva as editoras que faturam alto com a moda! Viva os fabricantes de lápis de cor que religaram suas máquinas e estão gerando divisas e empregos! Viva os consumidores que combatem o estresse colorindo seus livros! Viva!

Sim, muita gente agora deu de passar o tempo colorindo desenhos em branco. E daí? A vida é isso mesmo, ué! Um grande e impreciso livro de colorir. Apontem os lápis e sejam felizes do jeito que der. É só o que vale nessa vida cheia de gente cinza, sem amor e tão dona da verdade.

André J. Gomes

É professor e publicitário.