Saudade é a sensação de que o mundo acabou e você continua vivo

Saudade é a sensação de que o mundo acabou e você continua vivo

E depois, o que fica? Depois das férias que te livrou da rotina extenuante, da insônia companheira, do cansaço incessante. Depois das madrugadas em festa e das gargalhadas que viram o dia amanhecer no chão da varanda. Depois da coragem ébria e seus planos mirabolantes e audaciosos. Depois do romantismo, do cavalheirismo, das cenas cinematográficas de beijos na chuva e brigas que terminaram em juras de amor eterno. Depois de décadas de amizade e cumplicidade que se perderam no tempo. Resta apenas a saudade.

Quem diria que a saudade fosse amiga da esperança. Pra mim, ela era apenas saudosista e melancólica, até mesmo um tanto derrotista. Mas não. Aquele que sente falta tem mesmo uma certa fé em viver novamente, por isso recorre às lembranças, porque, de alguma forma, relembrar é viver de novo, é sentir mais uma vez. No final das contas todo mundo espera que as coisas boas aconteçam exatamente como aconteceram um dia.

Eu acredito que depois da bonança vem a tempestade. Nessa ordem. Vem o corpo cansado pedindo folga, fim de semana e feriado prolongado para somar mais algumas horas de sono. Vem a solidão assombrar suas noites e te dizer que você não é tão querido assim. Vem a ressaca, a falta de coragem para mudar o rumo, dar um passo que seja. Vem uma enxurrada de lágrimas por alguém que não valeu a pena e a vontade de sumir da face da Terra. Vem a substituição automática dos grandes amigos.

A vida é mesmo assim. A saudade é cruel. Ela aplica os seus piores golpes e te joga no chão. A sensação é de que o mundo acabou e você não sabe o que ainda está fazendo aqui, de olhos abertos, perambulando sem norte pelas ruas. Tudo perde o sentido e você só quer voltar no tempo, só enxerga a possibilidade de ser feliz se viver novamente aquilo. E ela te consome, te espeta o tempo todo para não te deixar esquecer um milésimo de segundo sequer.

Então, você espera. Espera pelos outros e suas atitudes, espera que o universo conspire a seu favor, espera viver outra vez as alegrias passadas e, sem se dar conta, começa esperançar um futuro semelhante e igualmente feliz. Sustenta lá no fundo a possibilidade de que ainda há muito por viver e que, provavelmente, o melhor ainda está por vir.

O fato é que só restam duas possibilidades: viver com os pés fincados no velho ou caminhar em direção ao novo. Sabe-se que o passado é um lugar sem surpresas e sobressaltos. Está sempre ali, do mesmo jeito, inalterado, e essa é razão pela qual nos sentimos resguardados e confiantes, seguros por ter a certeza de que nada vai mudar. O futuro, não, é uma janela de novas possibilidades, vários caminhos, escolhas. E escolher requer responsabilidade e acarreta consequências.

Eu escolho o novo, eu dou o passo, eu arrisco e aposto na minha felicidade. Se virão mais tempestades que brisas, não sei. Também não sei se me pertence a sorte dos principiantes ou a sabedoria dos vividos. Se vão partir meu coração outra vez ou se eu partirei outros pelo caminho. E sabe o que mais me motiva? A certeza dos imprevistos e a constante busca pela felicidade.

Ilustração: Xie Chuyu

Karen Curi

é jornalista.