A humanidade passa por transformações todo santo dia. Diariamente algo de muito relevante acontece na vida de muita gente, para o bem ou para o mal. Eventos de importância histórica, como a Proclamação da Independência de um país, ou fatos corriqueiros da vida íntima de cidadãos do mundo inteiro se dão hoje, agora, neste mesmo instante. Nesse momento, milhões de pessoas estão morrendo, enquanto outros milhões entram em cena, não para substituir quem se foi, mas para provar que a vida, soberana, sempre continua. Com a pandemia de covid-19, o caráter dramático das tantas baixas por óbvio adquiriu muito mais evidência do que o espetáculo do continuar da existência, mas resistimos, e também por isso, somos merecedores de todo aplauso. A humanidade segue seu curso, ainda que claudique, cambaleie, vá ao chão. Ao longo de um ano, de dois anos que seja, acontece tanta coisa, tanta desgraça e tantos outros fatos dignos do nosso justo maravilhamento que a gente até se perde. Pode até não passar de mera coincidência, mas grandes acontecimentos da história do homem se deram no oitavo mês segundo nos aponta a ordem do calendário. Em 15 de agosto, por exemplo, se celebra, como ninguém decerto sabe, a libertação da Índia da dominação britânica, declarada em 1947. No Brasil, até as pedras da rua têm conhecimento acerca do suicídio de Getúlio Vargas (1882-1954), que na ocasião exercia mandato constitucional, mas passara quase duas décadas no poder graças à sua invulgar habilidade de manipular, fomentar a admiração do povo humilde, estimular a simpatia entre seus pares e aplacar o garantido ódio que seu carisma provocava em seus inúmeros opositores. No meu personalíssimo ponto de vista, no que respeita à terra descoberta por Cabral, essa é a razão de tamanha desconfiança para com agosto, mês como outro qualquer, e que para mim tem um gostinho todo especial, de bolo de aniversário — que, em sendo muito sincero, não sinto faz tempo, ainda que siga achando a vida uma grande, uma soberba dádiva da Providência, sem nenhum receio de soar piegas. Todo mundo esquece uma pinimba qualquer com o pobre do agostinho se souber de um golpista que vai trabalhar com adolescentes rebeldes, se dá bem na nova função e passa a ser respeitado — e querido — por eles, certo? Pois é essa a história de “Sementes Podres” (2018), do comediante iraniano-francês Manouchehr Tabib, o Kheiron. Também dá para acertar as contas com esse mês incomum e, de lambuja, começar a semana de ânimo renovado com “A Travessia” (2015), de Robert Zemeckis, uma exaltação à coragem. Como se melhorar melhora ainda mais, temos mais quatro títulos exatamente assim, todos no catálogo da Netflix, do mais novo para o mais antigo. Para concluir, só digo que aceito presente, bolo, brigadeiro, um abraço, um sorriso, um parabéns, e convido todo mundo a celebrar a semana, a vida e, claro, agosto. Que venham muitos mais!
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

Ah, a vida, suas coincidências e suas incríveis reviravoltas… “Sementes Podres” é uma prova do talento do comediante iraniano-francês Kheiron, responsável pelo roteiro brilhante, pela excelente direção e, como se não bastasse, ainda mostra a força de sua verve artística em frente às câmeras como Wael, um trambiqueiro profissional que em companhia da mãe adotiva, Monique, a ex-prostituta da sempre vibrante Catherine Deneuve, aplica os mais engenhosos golpes a fim de chegar ao fim do mês de barriga cheia. É certo que dá a impressão de que vivem rodeados de ingênuos, de quem são eles os únicos dotados de alguma malícia na vizinhança, mas o filme não perde em nada por isso. Até porque Victor, um assistente social completamente habituado às pancadas da vida, atravessa o caminho deles. Monique e Victor se conhecem de outros carnavais e essa é uma das justificativas para que o cambalacho, ao menos dessa vez, se mostre um retumbante fracasso. Para que as coisas não terminem ainda pior do que Wael imagina, o malandro aceita a proposta de Victor e vai auxiliá-lo com os adolescentes problemáticos que assiste, a princípio por um único dia. Wael realiza um trabalho tão excepcional que vai ficando, enquanto Monique também recrutada, trabalha como secretária do ex-parceiro de farras. Os dois, de um jeito meio torto, conquistam a confiança de Victor. Wael muda a vida dos garotos, muda sua própria vida, ao passo que Monique não fica atrás, ainda que tenha uma ou outra recaída de quando em quando — e arraste junto o filho. Ao se valer do argumento de que a verdade nem sempre precisa ser dita, “Sementes Podres” é um filme inspirador se tomado na sua exata medida. Depende do modo como se queira interpretá-lo.

“A Escalada” conta a história de um jovem da periferia de Paris decidido a arranjar um patrocinador e subir o Monte Evereste apenas motivado pela paixão: sua crush dos tempos de garoto está disposta a lhe dar uma chance se ele conseguir vencer o monte mais alto — e certamente mais perigoso — do mundo. Será que o amor compensa a falta de experiência e a imaturidade dele? Ou seria a ânsia por ser amado que lhe faltava para dar à sua vida um sentido maior? Permanecer apenas existindo em detrimento da vida é que não parece uma opção razoável e ele se entrega ao desafio, visando à maior recompensa que alguém pode receber.

Howard, bem-sucedido publicitário nova-iorquino, não se conforma com a morte da filha e aos poucos se entrega à mais dilacerante forma de desespero. Apático, incapaz de reagir a qualquer estímulo, não vê mais graça em partilhar da companhia de Will, Simon e Claire, seus melhores amigos. Seu único alento é escrever cartas, destinadas ao Amor, ao Tempo e à Morte, por meio das quais consegue algum respiro conforme se libera para desabafar. À medida que se dedica ao passatempo que lhe permite continuar a viver, Howard sufoca a tristeza titânica que se abateu sobre ele e, quando menos espera, passa a ser visitado por seus interlocutores imaginários, encarnados em pessoas. Desse diálogo, lhe surge o entendimento acerca da beleza escondida por trás de cada sentimento humano — mesmo os mais avassaladores.

A vida de um homem comum, com uma história comum, vira de ponta-cabeça quando ele se descobre portador de esclerose múltipla, doença degenerativa que tolhe os movimentos e a capacidade intelectual. O protagonista, como qualquer pessoa comum, reluta em aceitar sua nova condição e, claro, como será sua vida a partir dessa mudança súbita e inesperada, ainda que conte com o apoio incondicional da mulher, ainda mais fundamental numa situação extrema. Ao longo de “100 Metros”, o diretor Marcel Barrena se esmera em desmistificar o estigma da doença e em desglamourizar sua dramaticidade. Os amigos são os primeiros a sumir, mas em compensação aparece gente disposta a ajudar de onde menos se espera. É o sogro com quem nunca se dera excepcionalmente quem lhe empresta todo o incentivo que pode, o que se torna decisivo quanto a aceitar esse grande desafio numa corrida por se conservar íntegro. De corpo e alma.

Um homem de coragem, que não se verga aos desmandos dos poderosos, muito menos quando sabe que está certo. Este é o neuropatologista forense Bennet Omalu. Completamente devotado à carreira e a seus estudos, ao atender um jogador de futebol americano em ascensão, o doutor Omalu identifica no atleta um distúrbio neurológico grave. Investiga melhor o caso e chega à conclusão de que o evento se dá em frequência muito maior do que se supunha, justamente por causa da natureza violenta do esporte. Ao apresentar sua descoberta para a imprensa e determinado a combater a expediente agressivo nos campos, Bennet Omalu passa a ser alvo da NFL, a influente associação nacional de futebol americano.

Levando a vida na corda bamba — e sentindo muito prazer em viver assim —, Philippe Petit torna-se célebre ao cruzar as Torres Gêmeas apenas com o uso de um cabo. Sem contar com a permissão das autoridades nas jornadas aventureiras que empreende, ele junta apoiadores de vários países a fim de burlar a vigilância da polícia e executar o plano que se tornara seu propósito de vida, finalmente concluído em 7 de agosto de 1974. A façanha foi noticiada nos veículos de comunicação do mundo todo e Petit adquiriu status de verdadeiro herói.