O processo evolutivo do homo sapiens só foi possível graças a alguns mecanismos muito particulares que desenvolvemos ao longo de milhares de anos. Saber a hora certa de comer, o momento exato para se interromper uma atividade e ir descansar, as condições em que o corpo se encontra, a fim de tomar banho, todas hoje absolutamente corriqueiras, era, nos primórdios da humanidade, a diferença entre ser devorado por um predador ou livrar-se dele — e, com sorte, fazer com que ele virasse o alimento. Por óbvio, as emoções também adquiriram papel central nisso. Sentimentos como desconforto, irrequietude, aflição, impaciência e, em especial, medo são até hoje imprescindíveis quando se tem a necessidade de se preservar a própria vida numa situação extrema. O ser humano teve de prestar atenção a seus receios, a seus temores, ao pânico que lhe despertavam determinadas conjunturas no intuito de se manter na aventura de conquistar a Terra. O medo é responsável por liberar hormônios como a adrenalina que, em excesso, transmitem ao cérebro a mensagem de que alguma coisa não vai bem. Daí, se vislumbram dois caminhos: 1) toma-se uma dose extra de coragem e vai-se adiante, correndo-se o risco de que o perigo de fato seja verdadeiro; ou 2) o sistema nervoso central paralisa as funções vitais de todo o organismo, muitas vezes até mesmo a respiração, o que, claro, igualmente implica em morte. Certas narrativas, reais ou não, têm a propriedade de suscitar no espectador exatamente esse gênero de reação. Não conseguimos ir até o fim de um filme, por exemplo, justamente pela sensação de que aquela história de alguma maneira nos ameaça. Seja pela violência, pela essência controversa da trama ou mesmo pelo trabalho da equipe, há filmes que, como o medo, nos paralisam. Em “Creep” (2014), o diretor Patrick Brice apresenta enredo meticulosamente construído, com todos os lances de um excelente thriller, mas que pode acabar pelo caminho talvez por causa da gana do espectador por agilidade. “Aterrorizados” (2020), de Demián Rugna, também é bem cabeça, a ação se sucede no seu próprio ritmo e, por essa razão, exige da audiência um pouco de serenidade. Os cinco títulos, todos na Netflix, são elencados do mais novo para o lançado há mais tempo, sem outros critérios. Eu, se fosse você, seguraria a ansiedade — ou a pressa — e ficaria até que os créditos começassem a subir.
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix
Apavorada por causa das vozes que ouve a partir do ralo da cozinha, uma mulher passa a conviver com o medo dentro de casa. O marido lhe diz que não há de ser nada, que isso é comum quando se tem um vizinho cujo imóvel está em reforma. O barulho volta a incomodar, dessa vez sob a forma de pancadas fortes na parede, à noite. O homem vai tomar satisfações, mas volta sem conseguir encontrá-lo. Logo, por meio de uma narrativa que se caracteriza pelas idas e vindas no tempo, o diretor Demian Rugna esclarece o mistério: trata-se da própria moradora sendo arremessada contra a parede devido a um fenômeno paranormal. Três estudiosos do tema se deslocam para o cenário dos eventos. Histórias inexplicáveis para a razão já haviam se desdobrado na vizinhança, como a de um garoto que morreu atropelado dias atrás e é encontrado andando pelo bairro. A investigação dessas estranhas ocorrências cabe a um policial medroso, cujo passado em comum com a mãe do menino acaba por interferir na solução do caso.
A adolescência é quase sempre marcada por transformações profundas na vida de um indivíduo. Verónica, apesar de estar longe de ser adulta é até uma garota muito ingênua, já tem de lidar com responsabilidades de gente grande, o que faz o público lhe sentir pena. E essa é uma premissa fundamental no filme de Paco Plaza: a total vulnerabilidade, emocional e mesmo econômica, é o que faz o enredo tão verossímil, a despeito de baseado num caso registrado pela polícia madrilenha em 1991. Plaza desarma o espectador, ora dando-lhe material para que creia na protagonista, ora lhe dizendo que ela não passa de uma menina meio histérica, que sobrecarregada por afazeres que não deveriam lhe caber, encontra um pretexto, ainda que inconscientemente, para que prestem atenção à vida miserável que leva, com a brincadeira da tábua de Ouija — o jogo dos espíritos que falam mediante o movimento de copos — servindo de pano de fundo à história, inventiva, bem-contada e ainda relevante do ponto de vista sociológico.
Cheio de referências a ícones do terror, a exemplo de “O Bebê de Rosemary”, de Roman Polanski, “Annabelle” também se vale de um prédio com porões e elevadores e um carrinho de bebê, signos que despertam a atenção do público imediatamente, para narrar a história de um casal apaixonado, em que a mulher, grávida, ganha do marido uma inofensiva boneca antiga. A protagonista, Mia — que recebeu esse nome numa homenagem do diretor John R. Leonetti a atriz principal do filme de Polanski, Mia Farrow —, como na história de 1968, igualmente passa por situações desconfortáveis durante a gravidez depois que a boneca entra em sua vida. Annabelle, ao contrário de 99% dos outros brinquedos assassinos do cinema, nunca se mexe, dando complexidade ao enredo. Por meio de seus olhos, descomunalmente grandes e expressivos, é que o público conhece sua vilania. Ainda que arranhe questões de cunho social, caso de muitos grandes do terror, como o próprio “O Bebê de Rosemary”e “Verónica” — maternidade e a nova função da mulher no mundo —, ao se concentrar no pânico frente ao desconhecido “Annabelle” cresce.
Ao aceitar a encomenda de um cliente, às raias da morte por causa de um câncer no cérebro, um cinegrafista falido se desloca para uma cidadezinha perdida nas montanhas. A personalidade emotiva do homem, que o contrata a fim de deixar seus últimos registros para o filho que vai nascer, logo o cativa, mas ele acaba enredado numa trama de mistério, sempre pego no contrapé por alguma reviravolta que esse sujeito estranho e psicótico lhe prepara.
A necessidade de se alhear do mundo, de assumir outras identidades, outras vidas, é uma constante na vida do homem desde sempre, e o cinema registra isso muito bem. Filmes a exemplo de “Medo e Delírio” (1998), de Terry Gilliam, baseado no livro de Hunter S. Thompson (1937-2005), servem como um alerta ao explorar o tema da degradação das sociedades num mundo mais e mais entregue à necessidade de se iludir. Em “O Albergue”, primeiro filme da trilogia, Paxton e Josh, dois universitários americanos, partem pela Europa em busca de aventuras extrassensoriais. O islandês Oli, que conhecem no caminho, passa a seguir com eles e, os três, curiosos quanto ao que ouviram sobre um albergue na Eslováquia onde se dão as mais loucas experiências, resolvem conferir o que de fato acontece no lugar. Lá, conhecem Natalya e Svetlana, duas belas eslovacas que se mostram interessadas neles, mas como nem tudo é como parece, Paxton e Josh logo vão se convencer de que mesmo o prazer, muitas vezes, cobra um preço alto demais.