A vida é o resultado de nossas próprias escolhas. Ninguém irá nos consertar de nós mesmos

A vida é o resultado de nossas próprias escolhas. Ninguém irá nos consertar de nós mesmos

Ei, você aí. Se fosse possível deletar da sua memória o que te causa dor, você apagaria? Imagine baixar um programa que tivesse um leitor de recordações, como um scanner, e que através dele fosse possível armazenar e descartar definitivamente os momentos. Seria perfeito, pois manteríamos tudo de bom e esqueceríamos completamente o ruim.

Não, não seria perfeito. E sabe por quê? Porque precisamos das perdas para valorizar os ganhos, o bom precisa do ruim para ser compreendido e vice versa. Simples assim. Só que o acontece é que geralmente empacamos nos fracassos, nos agarramos às derrotas, e não enxergamos as conquistas e nada de positivo que nos cruze o caminho. Escondemos as recordações bonitas lá no fundo da gaveta, enquanto carregamos as mágoas agarradas pela mão, para cima e para baixo. A dor virou motivo de todas as ações. Ela é o norte, a direção, e nela nos seguramos, com ela seguimos o nosso propósito. Absolutamente vinculados. E assim, esquecemos no mais profundo de nós o amor e todas as lembranças felizes que nos compuseram um dia.

Nos deixamos estragar emocionalmente, tudo por conta da nossa entrega e permissão. Tudo porque houve uma época que levamos no bolso a ingenuidade e a esperança peculiares àqueles que amam.

A desculpa é que o passado não nos solta. E por acaso é possível seguir adiante sem o peso das mágoas, sem o medo de sofrer outra vez? Afinal de contas, nós somos o que somos, o resultado das nossas apostas, a cara quebrada, o pé atrás, o coração partido. São as derrotas que nos diferem uns dos outros, caso contrário, seríamos todos iguais em nossa enfadonha perfeição vitoriosa.

É possível, sim, seguir adiante sem tanta culpa pelo erro e sem o medo de falhar novamente, a partir do momento que entendemos que as quedas são necessárias para que nos tornemos pessoas mais completas, aptas a resolver problemas e encontrar saídas. Então, passamos a enxergar a dor como um mal necessário. Inclusive, é ela que, muitas vezes, nos tira da inércia e nos impulsiona a reagir.

Que graça teria apagar os sofrimentos e lembrar somente dos momentos de glória, cortar anos de memórias, companhias, sensações? Nos tornaríamos marionetes de nós mesmos conduzidos em histórias de finais felizes. Personagens bonzinhos demais, alegrinhos demais, perfeitinhos demais.

Sem a sofrência que nos circunda, não há dúvida de que seríamos emocionalmente estáveis, mas, consequentemente, despreparados. Sim, inaptos ao próximo tombo, à decepção seguinte, e provavelmente viciados em deletar frustrações. Porque as mazelas seriam sentidas sempre como se fosse a primeira vez. E, sem saber como reagir ao golpe, a solução mais fácil e menos dolorosa certamente seria excluí-lo.

Mas não, não é bem assim. É preciso entender os porquês dos estragos e assimilar as razões. Ninguém irá nos consertar de nós mesmos. Usemos as decepções a nosso favor para que nos tornemos grandiosos diante da vida, aptos a receber o que nos mandam e transformar tudo o que vier em aprendizado.

É impossível esquecer as tristezas, mas que elas não sejam lembradas a todo instante.

 

Ilustração: Giuseppe Mastromatteo

Karen Curi

é jornalista.