Segunda-feira é o dia mundial da depressão. É como se todos os problemas adiados pelo final de semana voltassem com carga máxima. Para facilitar a vida de nossos leitores, fizemos uma lista de meia dúzia de filmes que, se não resolverão os problemas da segunda-feira, certamente trará uma dose de ânimo e beleza para a semana que se inicia. Na lista, apenas filmes aclamados pela crítica e pelo público, entre eles: “A Escavação” (2021), Simon Stone; “A Sun” (2020), Chung Mong-hong; “Three Identical Strangers” (2018), Tim Wardle e Grace Hughes-Hallett e “Ethel e Ernest” (2016), Roger Mainwood. Os filmes estão listados dispostos do mais novo para o mais antigo. As sinopses são de Giancarlo Galdino.

Pelos vestígios que alguém deixa, é possível conhecer um pouco de como viveu, o que passou, que postura assumiu nos diferentes momentos de sua trajetória. “A Escavação”, do diretor Simon Stone, vai fundo nesse argumento a fim de contar a história de uma jovem viúva que passa por mais um embate pessoal depois da morte do marido. Em 1939, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, Edith Pretty e o filho Robert continuam levando a vida como podem, apesar das vicissitudes pela perda recente. Pequenos montes de terra na propriedade em que moram, em Suffolk, na Inglaterra, lhe despertam a curiosidade e ela recorre a Basil Brown, arqueólogo amador, a fim de saber o que pode haver ali. Brown de fato descobre algo importante, tanto que a notícia se espalha e até o Museu Britânico demonstra interesse pelo que existe de misterioso no terreno de Edith. Enquanto Brown conduzia as escavações, afloravam também sentimentos, igualmente plenos de relevância. Em meio a tantas reviravoltas, Edith, mãe extremada, retém o quanto pode a devastadora melancolia que a consome devido a uma grave doença, a fim de poupar o filho, mas ao mesmo tempo, teme pelo destino do garoto. A trilha, decerto mais um dos trunfos da produção, acompanha o processo de desgaste emocional a que a viúva se entrega, bem como a ambientação da história, que acertadamente opta por cenas pontuadas pelo cinza dos dias de tempestade e uma condução mais sutil. Se a intenção do filme foi transmitir alguma lição ao espectador, Stone pode se considerar realizado. Em “A Escavação” fica claro que a vida vai muito além da superfície.

A Sun” começa de maneira brusca e, assim, o espectador já fica esperto quanto ao que pode esperar do drama taiwanês do diretor Chung Mong-hong. Mas que ninguém se desestimule: o enredo é todo permeado por respiros cômicos — e eles são mesmo necessários. A pobreza, ainda que num país rico, é implacável, e ai daquele que pense que pode subverter o estabelecido. Contudo, seria tolo afirmar que o risco social é o responsável por fomentar a criminalidade; o fato é que a alma de todo homem tem sua face sombria — e cada um deve mantê-la sob controle. E controle — e, por extensão, autocontrole —, é uma ideia cara aos orientais. Um pai de família honrado não se prestaria a aturar os deslizes de caráter por parte de um filho, muito menos seus delitos. Ao tomar conhecimento da prisão de A-Ho, A-Wen exige que o caçula seja sentenciado com uma pena dura, o que revolta sua mulher, Qin, mãe do rapaz. A partir daí, o que se segue é a total desintegração do que até tão pouco tempo era um lar (e uma família). Ainda que haja uma ou outra tentativa pontual de contornar a questão, o casal, juntamente com o filho mais velho, pressentem que nada vai voltar ao ponto anterior à ruptura. A vergonha que todos sentem pelo destino de A-Ho, tornado ainda mais significativo numa sociedade que valoriza sobremaneira a austeridade da conduta social, o constrangimento, o remorso, tudo converge para que não consigam se encontrar outra vez. O sol pode ser o que há de mais justo no mundo, mas só pode iluminar e emprestar seu calor a ambientes que se abram para ele. Do contrário, fica eternamente preso em meio à nuvem de ignomínia e pequenez que flutua sobre a natureza do homem desde sempre.

A vida é muito engraçada. É muito louca. E é também imprevisível — e extraordinária. De onde se poderia tirar uma narrativa como a de “Three Identical Strangers” se não da vida?! Como reagiríamos ao nos depararmos com alguém que simplesmente se apresentasse com a mesma cara que nós? E se o inusitado da situação fosse ainda mais longe e não se tratasse de apenas dois, mas três indivíduos com essa mesma característica. É claro que um evento assim não acontece todo dia — e é claro que o cinema iria se aproveitar disso. Edward Galland, David Kellman e Robert Shafran — cujos sobrenomes diferem entre si justamente por terem sido criados em lares distintos —, trigêmeos univitelinos, se conheceram aos 19 anos, um encontro proporcionado pela vida, aquela do começo desse texto, a mesma que os separara. Bem, não fora exatamente a vida, mas determinadas pessoas, que tiveram de responder pelo que fizeram. O insólito do acontecimento despertou a atenção de todo o mundo, que passou a acompanhar cada desdobramento da história. Os irmãos adquiriram fama de astros do rock da noite para o dia, talvez uma transformação radical demais, tanto pior para quem não esperava. O filme retrata à perfeição o misto de incredulidade, êxtase, felicidade de Edward, David e Robert, e ganha ao exibir depoimentos e imagens reais das inúmeras entrevistas que eles concederam ao longo de 1981, quando o caso veio à tona. A tensão vai num crescendo à medida que a narrativa avança quanto à possível junção das últimas pontas do episódio, com o público cada vez mais interessado nesse particular. As muitas reviravoltas da trama chegam a roubar o destaque da história em si, bem como teorizações sobre a forma que tomara a vida dos protagonistas a partir da grande descoberta, fonte de tantos ressignificados, para eles e para os que os cercavam. Não é necessário conhecer a aura de mistério do evento — aliás é melhor saber o mínimo possível acerca de mais essa passagem única na jornada da humanidade, capaz de encantar qualquer um. A vida é estranha. E, também por isso, é bela.

Inspirado pela vida de seus pais, o ilustrador Raymond Briggs escreveu a graphic novel “Ethel e Ernest”, lançada em 1998. O diretor e roteirista Roger Mainwood achou o enredo — que fala de amor em tempos de ódio — tão bom que transpôs a história dos quadrinhos para a telona. O filme acompanha a trajetória dos pais de Briggs desde quando eles se conheceram, em 1928, até o ano em que morreram, em 1971. Ao passo que conta a história do casal, o filme dá ao público uma noção de como a sociedade britânica foi se transformando ao atravessar eventos decisivos como a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial e presenciar momentos marcantes da cultura, da política e da ciência, como a chegada da televisão, a ascensão do Partido Trabalhista ao poder e a conquista da lua.

Crianças são, geralmente, seres adoráveis, tanto que, levados pela ingenuidade, pela visão edulcorada do mundo, da vida, não conseguem apreender o que a sociedade espera delas e dos adultos que podem vir a se tornar num futuro que chega a galope. É muito fácil para uma criança perder-se nos castelos de fantasia que somente ela acessa, principalmente se não orientadas por pais atentos e sensíveis. O protagonista de “Como Estrelas na Terra”, Ishaan, é um menino como outro qualquer, com talentos e dificuldades de um menino como qualquer outro. Passando por um momento particularmente ruim na escola, não consegue se concentrar nas lições, a ponto de sequer memorizar as letras do alfabeto. Seus professores não o toleram mais, os demais estudantes só o veem como mote para a próxima humilhação e o pai, aturdido, só encontra uma saída: despachá-lo para outro colégio, em regime de internato. O menino logo mergulha numa letargia que vai lhe tolhendo todas as vontades — e é assombrosa a interpretação de Darsheel Safary. No estranho lar que lhe arrumaram, surge para ele Nikumbh. O professor substituto de artes percebe o que está acontecendo e toma o partido do garoto, que corresponde e, de quebra, ganha uma nova vida. “Como Estrelas na Terra” é um filme repleto de nuances, de tons, que juntos compõem a história profunda que transcende o simples — e fustigado — plot do mestre que faz do amor por seus alunos, os mais problemáticos, em especial, sua razão de viver. É muito mais: é um filme denso, sem deixar de ser comovente, sobre uma questão mais comum — e mais grave — do que se pensa; é uma história que fala do quão uma pessoa que se importa verdadeiramente com alguém tão próximo faz a diferença, na vida daquele próximo e de todo o restante da humanidade. Do mesmo modo que numa constelação, aqui embaixo todo mundo também deve brilhar.
Bônus

Edward Bloom está à morte e precisa se entender a tempo com o filho. O jornalista Will se sente enganado por não saber nada sobre a verdadeira vida do pai, um compulsivo contador de histórias fantasiosas que diz protagonizar. Tim Burton tem aqui toda a liberdade para fazer o que faz como nenhum outro diretor: inventar. “Peixe Grande…” é um filme bonito e simples, graças à genialidade de Burton. A história remexe o baú de ossos do velho Bloom, muito mais abarrotado de memórias do que julga o filho. O longa tem algumas das sequências mais emocionantes da história do cinema, como quando o protagonista, já confuso devido ao último embate com a indesejada das gentes, pergunta ao filho como ele iria morrer. Ou ao apresentar, depois de Bloom já morto, as cenas em que se despede dos inúmeros — e exóticos — tipos que passaram por sua vida e se torna de fato quem sempre fora.