A viagem havia sido paga com muita antecedência. Quando entrasse no avião, tudo já estaria devidamente quitado ao feitio dos guias de finanças pessoais: passagens, estadias, passeios e refeições. Ela, sua parceira no gosto por planejar e economizar, ganhara dele a viagem, o hotel e todas as despesas pagas. Finalmente conheceriam a Chapada Diamantina e, para maior deleite, sem nenhuma dívida a lhes perturbar enquanto estivessem caminhando pelas trilhas, subindo e descendo montanhas. Só esforço físico, nenhum sofrimento financeiro que lhes tirasse o sono. O encanto da viagem estava em muito caminhar e depois repousar o corpo como recompensa.
No entanto, trilhas e matas não eram o seu forte. Gostava mesmo da vida urbana: museus, shows, exposições, jantares e de uma boa conversa com amigos e vinho. Já a mulher que conseguiu conquistar não era afeita a programas culturais; amava a natureza.
Na verdade, o sonho dele era viver na Europa, onde tinha amigos e uma antiga paixão. Pouco antes de se embrenhar nas trilhas, recebera um telefonema de um amigo que o convidava a passar uma semana em Londres. Seria a oportunidade para reencontrar os velhos companheiros e assistir um magnífico show no Royal Albert Hall. Chance de curtir a refinada guitarra de Eric Clapton, que tanto o inspirava.
Mas como deixar de embarcar para as trilhas da Chapada se tudo já estava pago? Não conseguiu se desapegar do dinheiro. Seria um prejuízo e tanto. Subiu e desceu cada palmo de montanha pensando em como seria melhor caminhar pelo Hyde Park. E todo dia, sempre que conseguia um momento sozinho, enviava uma mensagem para antiga paixão dizendo que no próximo ano ele não iria faltar.
Mas, no embate entre encarar um prejuízo financeiro e mudar de planos, venceu a racionalidade. Não rasgaria dinheiro.
O preço do dinheiro é uma troca intertemporal que os financistas chamam de juros e que o poeta Baudelaire tão bem encarnou. O poeta Baudelaire sempre desprezou tanto o dinheiro quanto os juros. Achava os juros um preço demasiado caro por esta troca. Tanto que consumiu a fortuna herdada do pai em presentes, festas, caprichos e com amantes, ainda na juventude. Quando o dinheiro acabou, continuou se endividando até perder totalmente o crédito e se tornar um interditado financeiro.
Ele adorava os poemas de Baudelaire e conhecia bem sua história, mas não queria terminar a vida da mesma forma. Preservava muito a estabilidade financeira, nem que, para mantê-la, tivesse que renunciar à vida com a qual sempre sonhou.
A juventude não foi mais que um temporal,
Aqui e ali por sóis ardentes trespassado;
As chuvas e os trovões causaram dano tal
Que em meu pomar não resta um fruto sazonado.
Eis que alcancei o outono de meu pensamento,
E agora o ancinho e a pá se fazem necessários
Para outra vez compor o solo lamacento,
Onde profundas covas se abrem como ossários
E quem sabe se as flores que meu sonho ensaia
Não achem nessa gleba aguada como praia
O místico alimento que as farás radiosas
Ó dor! O tempo faz da vida uma carniça,
E o sombrio Inimigo que nos rói as rosas
No sangue que perdemos se enraíza e viça!
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