Nunca fui um sujeito muito dado a tecnologia. Lembro-me de uma vez, há mais de trinta anos, meus pais terem me oferecido duas possibilidades de presente de aniversário: um Atari, o avô dos videogames de hoje, ou viajar para Porto Seguro, cidade do litoral sul da Bahia onde desembarcou a frota de Pedro Álvares Cabral (1467-1520), em 22 de abril de 1500. Sem titubear, fiquei com a visita àquele lugarejozinho que, para mim, me pareceu mágico, pouco mais que uma vila e muito diferente da farofa em que viria a se tornar. A resistência às invencionices do nosso admirável mundo novo permaneceu em mim depois de adulto: fui dos últimos que conheço a ter um smartphone, não tomo parte em grupos de WhatsApp, nunca instalei um aplicativo de transporte individual — os táxis, pelo menos no Rio de Janeiro, onde moro, se adaptaram muito bem à nova ameaça e baixaram os preços de maneira significativa — e minha biblioteca supre muito bem a falta de uma televisão. Só muito recentemente aderi ao serviço de uma empresa com filmes em streaming, no caso a Netflix, não sem boa dose de desconfiança, não propriamente da firma de entrega de DVDs que se tornou uma das maiores organizações do audiovisual, fundada há quase um quarto de século. Minha oposição guardava um caráter muito particular, íntimo mesmo, quanto a questões estéticas e à excelência da qualidade da imagem e do som. Confesso que tenho me surpreendido — positivamente — com as produções disponíveis na plataforma. Além de apresentar filmes e séries impecáveis no que diz respeito à técnica, existem verdadeiros tesouros no catálogo da Netflix. Posso dizer que a lista de hoje é de fato minha: meu editor deu a mim o encargo de elencar os filmes que eu considero os melhores no acervo da companhia. Devo dizer que foi trabalhoso. Topei com muita coisa boa — e muita coisa bem mais que apenas boa. “Pieces of a Woman” (2020), do diretor Kornel Mundruczó, é de fato admirável, impactante, espantoso. Impressionou-me muito a exatidão do roteiro. Na história de uma mulher que perde a filha logo depois do parto feito em casa, nenhum diálogo é casual, tudo o que é dito tem um propósito e se encontra exatamente nas circunstâncias em que deveria ser percebido pelo espectador e por isso é meu favorito dos favoritos. No caso de “Capitão Phillips” (2013), sobre um transatlântico sequestrado por piratas somális em pandarecos, o ponto era de ordem um pouco mais fria: o filme de Paul Greengrass tem mais de duas horas de duração. Todas as vezes que acontecia uma grande virada no enredo — e essa talvez seja uma das tramas com mais reviravoltas da história da sétima arte —, eu olhava para o cronômetro: ainda faltava muito para a linha do tempo restar completamente vermelha. Pensava: “o que mais pode acontecer?!”. A narrativa dava um duplo twist carpado e tudo voltava à estaca zero. Genial! Os filmes se sucedem — vejam só! — segundo a minha preferência. Será que vocês vão concordar? Que responsabilidade!
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

É muito difícil um casamento resistir à perda de um filho — e o casal que consegue tal proeza pode reivindicar essa vitória. Ao se sobrepor à vida, a morte reafirma seu inesgotável poder sobre os homens, por mais escondida que esteja. A frustração, a tristeza, o desespero de ver morrer um filho, a vida tendo desrespeitado seu sentido mais primevo, é o que se absorve da maneira mais brutal em “Pieces of a Woman”. Ao espectador, é concedido o direito de observar de perto — perto demais — o trabalho de parto de Martha Weiss, ao longo de sombrios 25 minutos — e só ao fim dessa agonia o nome do filme surge na tela. Com essa decisão artística, o diretor Kornél Mundruczó quis fazer o público tomar parte no tormento da personagem principal, fazê-lo perceber que havia uma vida se abrindo para o mundo e essa vida, por alguma razão, escapou. Martha é absorta por uma espiral de sentimentos múltiplos: a alegria fugaz de se sentir mãe logo é substituída por um luto que se prolonga na vida da protagonista indefinidamente, estado do qual ela não consegue se livrar, e que vai impactar de modo decisivo seu relacionamento com o marido, Sean, e a mãe, que reconhecem sua dor, insistem para que ela redescubra o prazer na vida, mas não sabem como persuadi-la, e metem os pés pelas mãos. Sean, em particular, passa a demonstrar uma ligeira indiferença, primeiro pelo sofrimento da companheira, depois pela própria Martha, que por sua vez perde completamente o interesse pelo parceiro. O roteiro faz com que se entenda que também ele padece com a tragédia, mas que isso não lhe serve de licença para sua covardia. Enquanto isso, Martha se desintegra ao ponto de nem ostentar mais qualquer coisa de humano. Torna-se uma criatura algo transcendental, como um espectro que ronda a matéria que lhe compunha, ansiando por voltar àquele corpo, impressões que a audiência só nota graças ao espantoso talento de Vanessa Kirby. Sua Martha Weiss é um dos retratos mais pungentes de um personagem em sua condição mental, uma mulher despedaçada que possivelmente nunca volte a estar por inteiro outra vez, ainda que o final empenhe uma promessa de felicidade.

O diretor Paul Greengrass talvez seja o maior contador de causos do cinema envolvendo ou grandes tragédias ou o que poderiam ter sido isso. No caso de “Capitão Phillips”, que de tão fantasioso só poderia ter se baseado na própria vida —, ele ratifica a tendência, já comprovada em “Voo United 93” (2006) ao narrar a desventura do comandante do cargueiro americano MV Maersk Alabama, que transporta um lote de comida para doação. Ao perceber que a embarcação corre o risco de um assalto iminente por piratas somális, consegue tomar pé da situação a tempo de despistá-los. O que ele não sabia é que os ladrões não haviam desistido; numa segunda tentativa, a despeito de todos os esforços de que Richard Phillips lança mão, eles invadem o navio e o que se vê a partir daí é uma das maiores sucessões de plots twist do cinema, todos muito bem conduzidos por Greengrass. Os criminosos rendem a tripulação e começa um jogo de gato e rato entre Phillips e Muse, o líder da gangue. Ainda que subjugado, o capitão não se entrega: sempre elabora algum plano a fim de minar a resistência dos somális, que aos poucos vão perdendo a hegemonia sobre os marinheiros. Enquanto ainda se sentem inatingíveis, todavia, os delinquentes deitam e rolam, e por meio da sutileza com que esse núcleo é trabalhado por Greengrass, se percebe a tristeza por trás de sua história. Ainda que “Capitão Phillips” não se proponha a isso, o diretor compõe um painel sociológico interessante ao explorar o perfil dos assaltantes. Não são inocentes, por óbvio, mas vivem num país paupérrimo, entregue à ignorância de líderes religiosos e numa guerra fratricida há trinta anos — e o público se flagra com uma ponta de dó daqueles pobres-diabos. Ao saber acerca do conteúdo que o MV Maersk Alabama está levando e que o cofre do transatlântico tem apenas 30 mil dólares, é pungente a reação de Muse, que parece se conformar em surrupiar a quantia, muito dinheiro para ele, mas instado por Najee, não esmorece. A equipe de Phillips é liberada pelos somális, mas o comandante fica em poder dos bandidos, seguidos por uma legião de militares e policiais. Phillips mantém o sangue frio até o desfecho, quando, enfim, “desaponta” o espectador. Primeiro ao constatar que a situação poderia descambar para o irremediável e se lançar em mar aberto na tentativa de fugir, o que enfurece ainda mais a quadrilha, já tomada pelo desatino; depois, quando Muse, o único ladrão que resta vivo, é finalmente detido, e ele desaba. Ao contrário da parábola bíblica do conflito entre Davi e Golias, em “Capitão Phillips” a única vitória de Muse foi conseguir se livrar da miséria da Somália e, afinal, ter sido encaminhado a uma penitenciária de segurança máxima nos Estados Unidos. Richard Phillips saiu de licença médica e retornou ao trabalho catorze meses depois.

Tirada do livro “I Heard You Paint Houses” (2003), de Charles Brandt, investigador profissional que se debruçou sobre o crime organizado nos Estados Unidos, a história de “O Irlandês” desvenda o envolvimento de Frank Sheeran, um dos maiores mafiosos americanos entre os anos 1960 e 1970, no sumiço do líder sindical Jimmy Hoffa. O filme esmiúça a vida de crimes de Sheeran desde o começo, quando ele conhece Russel Bufalino, um dos gângsteres mais poderosos da Pensilvânia à época e se torna um pintor de casas, alusão ao sangue das pessoas que extermina ao respingar nas paredes, expressão que Brandt tomou por base ao batizar o livro. Conforme a trama se desenrola, o espectador acompanha a escalada do irlandês junto à quadrilha, sempre fiel a Bufalino, seu padrinho na vasta carreira de delinquências. Foi honrando a confiança que o chefão depositara nele que Sheeran pôde chegar tão longe, e em nome desse código de honra muito particular, comete as maiores baixezas, como matar Hoffa, outro homem-forte do submundo que também o tomara por protegido. Sheeran não resiste a uma ofensiva mais severa do FBI e cai, levando os peixes grandes todos consigo. Amarga alguns anos de cadeia e termina num asilo, onde o filme principia e acaba, recurso muito bem usado por Martin Scorsese, um mestre também em se valer da estratégia de comprimir e alongar o tempo a seu gosto, a fim de imprimir mais realismo aos enredos que defende. “O Irlandês” talvez seja a obra-máxima de Scorsese — até que venha a próxima.

Darren Aronofsky talvez seja um dos diretores mais sofisticados da história do cinema, predicado que se confirma ao analisar-se trabalhos como “Pi” (1998), “Fonte da Vida” (2006), “Réquiem para um Sonho” (2000) e este “Mãe!”. Em “Mãe!”, o diretor se esmera em compilar um calhamaço de ideias sobre a criação da humanidade, tomando por base o cotidiano de um casal o seu tanto apagado, opaco, levando uma vidinha frugal e sem uma razão maior. A personagem principal, Veronica, é casada com um homem mais de vinte anos mais velho, e é ela a responsável por prover as necessidades materiais e afetivas do casal, já que ele, poeta medíocre, tenta há todo custo conseguir inspiração para escrever e a empreitada nunca toma corpo. A moça não parece enfrentar quaisquer conflitos quanto à condição em que ela e o marido vivem; sua frustração é outra. Tal como o marido persegue a obra de sua vida, ela deseja com o mesmo afinco se tornar mãe. Ainda que nem um nem outra obtenham êxito em suas respectivas demandas, a vida transcorre sem maiores sobressaltos. Até que um homem, aparentemente sem um lugar onde passar a noite, bate à porta deles. O poeta, famoso por seus versos humanistas, o acolhe. Com a chegada do intruso, todo o cenário de uma pretensa harmonia rui e a casa adquire um aspecto fantasmagórico, sendo tomada por tipos os mais esdrúxulos, como se uma legião de faunos se apossasse daquele paraíso. Tudo passa a ficar um pouco menos confuso a partir do segundo ato, desencadeado com a gravidez da protagonista, malgrado o jogo com que Aronofsky pretende enredar o espectador seja perigoso demais. Aqui, o público deve equilibrar com muito zelo razão e sentimento a fim de não se permitir sequestrar por nenhum dos dois. Tudo vai sendo posto em pratos limpos sem pressa, mas de um jeito bastante óbvio, de modo que não se possa dar azo a qualquer interpretação delirante. Do ponto de vista técnico, o roteiro também foi milimetricamente pensado para encantar. A câmera persegue Veronica, como um predador, não deixando escapar uma expressão sequer. À medida que o desespero dela se exacerba, mais viva a casa se torna e mais ameaçadora também. Chama atenção a trilha sonora, composta pela papisa do punk, Patti Smith, fundamental por conduzir a audiência em meio a um amálgama de sensações, refreando e acelerando a intensidade dos eventos em cena. O desempenho de Jennifer Lawrence, intérprete de Veronica, é um capítulo à parte. É impressionante que tão jovem ela já tenha uma vasta quilometragem, arrebatando um número crescente de admiradores e defendendo um papel melhor que o outro ao se tornar a própria personagem, conforme se atesta em “O Lado Bom da Vida” (2012), pelo qual venceu o Oscar de Melhor Atriz. Seus acessos de espanto mediante a bestialidade dos penetras que lhe tiram o sossego sem clemência são inesquecíveis. “Mãe!” é uma alegoria sobre uma das emoções mais plenas de sentido a se concretizar na vida da maioria das mulheres — por mais que o mundo tenha girado tanto e tão depressa. E sobre do que essas mulheres, santas ou não, são capazes para manter a salvo o fruto de seu ventre.

“A Sun” começa de maneira brusca e, assim, o espectador já fica esperto quanto ao que pode esperar do drama taiwanês do diretor Chung Mong-hong. Mas que ninguém se desestimule: o enredo é todo permeado por respiros cômicos — e eles são mesmo necessários. A pobreza, ainda que num país rico, é implacável, e ai daquele que pense que pode subverter o estabelecido. Contudo, seria tolo afirmar que o risco social é o responsável por fomentar a criminalidade; o fato é que a alma de todo homem tem sua face sombria — e cada um deve mantê-la sob controle. E controle — e, por extensão, autocontrole —, é uma ideia cara aos orientais. Um pai de família honrado não se prestaria a aturar os deslizes de caráter por parte de um filho, muito menos seus delitos. Ao tomar conhecimento da prisão de A-Ho, A-Wen exige que o caçula seja sentenciado com uma pena dura, o que revolta sua mulher, Qin, mãe do rapaz. A partir daí, o que se segue é a total desintegração do que até tão pouco tempo era um lar (e uma família). Ainda que haja uma ou outra tentativa pontual de contornar a questão, o casal, juntamente com o filho mais velho, pressentem que nada vai voltar ao ponto anterior à ruptura. A vergonha que todos sentem pelo destino de A-Ho, tornado ainda mais significativo numa sociedade que valoriza sobremaneira a austeridade da conduta social, o constrangimento, o remorso, tudo converge para que não consigam se encontrar outra vez. O sol pode ser o que há de mais justo no mundo, mas só pode iluminar e emprestar seu calor a ambientes que se abram para ele. Do contrário, fica eternamente preso em meio à nuvem de ignomínia e pequenez que flutua sobre a natureza do homem desde sempre.

A história só se repete como farsa. A frase, atribuída a Karl Marx (1818-1883), é genial em sua exatidão. A humanidade nunca passa duas vezes pelo mesmo evento; se dois fatos históricos são particularmente semelhantes, alguma coisa está fora da ordem. Em “Rosa e Momo”, o diretor Edoardo Ponti converte em filme a adaptação do livro de Émile Ajar, pseudônimo do escritor francês Romain Gary (1914-1980), ganhador do prêmio Goncourt, o mais importante da França, em 1975. A história já havia ganhado as telonas em 1977, com Simone Signoret no papel principal. Agora, quem brilha na pele da ex-prostituta Rosa é ninguém menos que o mito Sophia Loren, inteiraça (em todos os sentidos), e não por acaso mãe de Ponti — o que poderia contar como um fator negativo para ela, para o diretor, para o filme, o que não acontece. Rosa teve uma vida pautada pela tragédia. Depois de ter conseguido sobreviver aos horrores do nazismo num campo de concentração em Auschwitz, emigra para a Itália e se estabelece na provinciana Nápoles. Não vislumbra outra perspectiva para si além de vender a ilusão de seus afetos, se agarra a isso e se conforma em viver assim. Mais de setenta anos depois, continua em Nápoles, cuidando de crianças negligenciadas pelos pais, quase todas filhas de prostitutas, como ela mesma já fora um dia. Ao fazer compras numa feira local, a figura delgada (mas violenta) de Momo se impõe em sua vida: o garoto, filho de uma refugiada senegalesa assassinada de maneira brutal, lhe rouba os castiçais que havia acabado de adquirir. O doutor Coen, médico que atende a vizinhança e tutor de Momo, faz o garoto devolver o que subtraíra à Madame Rosa. Convencido de que a ex-prostituta é a pessoa ideal para educar Momo, Coen convence Rosa a ficar com o menino, em troca de algum dinheiro. A relação improvável e complexa entre essas duas almas fragmentadas, dois infelizes cada um a seu modo — e igualmente estigmatizados por condições históricas desfavoráveis —, é o que capta de forma decisiva a atenção do espectador. Rosa e Momo são sobreviventes, unidos graças a um motivo torto, e por isso mesmo ainda mais significativo. Constatar que Sophia Loren, aos 86 anos, consegue ser ainda mais do que a linda mulher de outrora é uma emoção à parte. Uma metáfora involuntária sobre o que é a verdadeira beleza — representada pela própria atriz — e o que é ser verdadeiramente bom, como o é sua personagem.

Osamu sustenta sua família nada convencional praticando pequenos furtos, no que é ajudado por seu filho. Ao fim de mais um dia de delinquências, se deparam com uma garotinha, aparentemente perdida. Eles relutam em acolher a menina, afinal, o dinheiro que conseguem quase não é suficiente, mas a mulher de Osamu resolve ficar com a pequena ao saber das condições em que ela vive. Essa família bandida parece feliz, até que um incidente vai revelar segredos que irão por à prova os laços que os mantém juntos. Ao abordar temas polêmicos como o de um clã inteiro que se entrega à marginalidade sem o menor drama de consciência, o filme já marca um golaço ao não se permitir patrulhar pelo politicamente correto e levantar questões complexas com humor e uma profundidade que nem todo mundo suporta.

Liz batalha para conseguir criar sozinha a filha. O sedutor Theodore Robert Bundy aparece em sua vida e ela logo se apaixona por ele. Ted Bundy, sempre amoroso para com a companheira e a filha dela, dá vazão a sua personalidade doentia ao assassinar friamente as mulheres que seduz. O criminoso é finalmente apanhado, mas Liz custa a acreditar que ele seja culpado pelas mortes, tão cega esse amor, avassalador e implacável, a deixou. Bundy enxerga nas mulheres, sejam elas como forem, predicados que elas sabem que não possuem. “Ted Bundy: A Face Irresistível do Mal” é cirúrgico ao esquadrinhar as misérias da alma humana que, quando muito esfarrapada, é capaz de se render ao primeiro facínora gentil que aparece.

Sozinhos, sem quaisquer vínculos familiares e com alguns problemas sociais, os vizinhos Andy e Mike foram feitos um para o outro. Eles não sabem ao certo o que é a felicidade, mas felicidade para eles é comer pizza congelada todos os dias, assistir a filmes antigos de kung-fu, tentar decifrar enigmas bestas e, claro, praticar paddleton, um jogo inventado pelos dois. A vida nada empolgante desses amigos segue seu curso monótono, mas perene, até que Mike é diagnosticado com câncer no estômago e sente que não vai viver muito mais. A fim de preservar sua qualidade de vida e o pouco que lhe resta de sanidade mental, Mike toma uma decisão: prefere morrer o mais breve possível, enquanto ainda tem saúde, por meio do suicídio assistido, legalizado em alguns estados americanos.

Passadas três décadas e meia, vem à luz a continuação da história sobre um policial que caçava androides em Los Angeles. O original, lançado em 1982, passava-se em 2019. O futuro já é passado, mas a saga resistiu. Dessa vez, a trama se desenrola em 2049 e a tarefa coube a K, um novo blade runner, que não caça androides, apenas os “aposenta”. Num amanhã ainda menos promissor, os replicantes se tornaram mais saidinhos e inspiram o medo na população e a fúria das autoridades. O trabalho de K fica um tanto mais difícil devido à descoberta de uma caixa na qual está o mote do novo “Blade Runner”. Uma androide gera uma filha, cujo pai é um humano. Um milagre, portanto. O diretor Denis Villeneuve aceitou o desafio de dar sequência à história, que decerto não para por aí, por temer que outra pessoa não desse ao filme o tratamento que ele merecia. Foi o homem certo para o projeto certo: “Blade Runner 2049” é fiel à ideia que lhe deu azo, sem, no entanto, ter ficado com cara de um simples pastiche do original. Em “Blade Runner 2049”, Villeneuve conseguiu, a partir de um filme-conceito amplamente conhecido e cultuado, imprimir sua assinatura e sua visão de mundo. Clássico com uma genealogia à sua altura.