Temia prestações, crediários. Tudo que comprava pagava à vista. A bem da verdade, não comprou muita coisa na vida. Não era movido a impulsos; pensava mil vezes e, quase sempre, desistia do negócio. Estavam casados há mais de três anos e não tinham, nem mesmo, uma mesa de jantar. O apartamento, que era grande, teria que ser mobiliado aos poucos, sem prestações pelo caminho.
Tinham o básico: um fogão e uma geladeira doados pela cunhada quando renovaram a cozinha; uma boa cama; algumas cadeiras e mesinhas, espólio do antigo escritório da empresa da mulher, que havia sido fechada. A mulher, adaptada, não reclamava. Naquela altura da vida, tinha problemas maiores com que se preocupar.
No entanto, conforme a família crescia, a demanda por mais conforto aumentava. Foi então que ela resolveu desafiá-lo e dar um basta naquela situação miserável. Comprou mesa, cadeiras, sofás, armários, uma TV enorme.
Ao chegar em casa, ele olhou as novidades desconfiado. Ela, toda orgulhosa, queria compartilhar sua alegria. Ele só queria saber de onde teria saído tanto dinheiro. Ficou deprimido ao saber das prestações a serem pagas por longos 24 meses. “Fique tranquilo, meu amor. Eu pago tudo”, disse-lhe ela com todo o carinho. Foi então que, das profundezas de sua mente, surgiu o conto de Lima Barreto que havia lido não fazia muito tempo. Naquela noite, não pregou os olhos.
“A moléstia da mais velha refletiu-se em toda a economia da família, pois houve aumento de despesas com medicamentos, dieta, etc. D. Conceição não pôde fazer economias nas compras, pois tinha que atender ao acréscimo de despesa com o aleitamento de Vivi; à segunda, Loló, tendo que cuidar da irmã, não foi permitido bordar; ao pai, devido aos dispêndios com o tratamento da mais velha, não foi dado oferecer qualquer dinheiro à sua filha de estimação, Ceci; e, finalmente, não tendo Vivi trabalhado, Lili não ganhava a gorjeta que a primogênita lhe dava.
No começo do mês seguinte, um atrás do outro, lá batiam à porta, Benjamim, Sárak, Nicolau, Ivã, José Síki, a cobrar as prestações de D. Conceição, de Vivi, de Loló, de Ceci e de Lili. Desculparam-se do melhor modo e os homens se foram resignadamente. No mês que se seguiu, as coisas não correram tão bem como elas esperavam. Fizeram alguma coisa, mas insuficiente para pagar aos russos das prestações.
Não ficaram estes contentes e procuraram indagar quem era o dono da casa. José de Andrade não sabia da história de prestações e ficou espantado quando eles o procuraram, para a cobrança. No começo pensou que era só um; mas quando viu que eram cinco, e que as prestações alcançavam a respeitável soma de cinquenta e nove mil-réis — o pobre homem quase ficou louco. Ainda quis restituir os objetos; mas as peças de vestuário estavam usadas, o relógio desarranjado e, até, as “africanas” precisavam de consertos no fecho.
Não houve remédio senão pagar, e, ainda hoje, quando o modesto operário encontra um homem de prestações, diz com os seus botões: — Não sei como a polícia deixa essa gente andar solta… Só se lembra de perseguir o ‘bicho’ que é coisa inocente.”
Leia mais textos como esse na Coluna da Mara ou acessando o site do MyNews.