O turbilhão de revoluções culturais acontecidas durante a década de 1960 no mundo deixou sua marca também no Brasil. Um dos pontos mais marcantes foi a diversificação da nossa música popular para além da Bossa Nova. Foi o tempo dos festivais de música no país, eventos que atraiam multidões inflamadas e eram excelentes vitrines para a divulgação dos trabalhos de compositores e intérpretes.
Instigados por esta agitação mundial, um grupo de artistas preparou uma revolução. Essa revolução não visava derrubar a ditadura militar e sim renovar a chamada música popular brasileira — MPB incorporando a ela outros elementos, muitos deles desprezados pelos puristas: o rock, Luiz Gonzaga, poesia concreta, Jovem Guarda, Carmen Miranda, bolero, Chacrinha, antropofagia modernista e tudo mais que aparecesse. Com todos estes ingredientes nasceu o Tropicalismo.
Em 1967 a TV Record organizou seu III Festival de Música Popular Brasileira, onde dois dos líderes do Tropicalismo escandalizaram os conservadores e, ao mesmo tempo, conquistaram muitos simpatizantes à causa revolucionária: Caetano Veloso com a música “Alegria, Alegria”, acompanhado pelo grupo de rock argentino Beat Boys, e Gilberto Gil com “Domingo no Parque”, acompanhado pelos Mutantes. Estavam lançadas as bases de uma revolução que mudaria para sempre os rumos da música feita no Brasil.
O ano de 1968 é talvez o mais importante do Tropicalismo. Caetano lançou seu primeiro disco solo: “Caetano Veloso” e Gil o seu terceiro: “Gilberto Gil”. Ambos os trabalhos totalmente alinhados com as propostas tropicalistas.
O ponto alto do movimento viria naquele mesmo ano na forma de um álbum coletivo chamado “Tropicalia ou Panis et Circencis”. Obra fundamental da música brasileira que reuniu os músicos Caetano Veloso, Gilberto Gil, os Mutantes, Tom Zé, Nara Leão e Gal Costa, os poetas Torquato Neto e Capinam, sob a regência do maestro vanguardista Rogério Duprat.
O cardápio servido a “as pessoas da sala de jantar” é uma verdadeira Geleia Geral: bolero, samba, música caribenha, tango, Vicente Celestino, poesia concretista e, como evidencia o refrão da música Geleia Geral, bumba-meu-boi com iê-iê-iê. Enfim todas “as relíquias do Brasil”, que fizeram os defensores dos “valores nacionais” torcerem o nariz.
A aparente anarquia e o ecletismo cultural pregado pelos tropicalistas não agradavam aos puristas e nem à esquerda tradicional. Para complicar, a direita militar, que estava no poder, passou a enxergar aquela turma como grande ameaça à segurança nacional.
Em dezembro de 1968 foi editado o AI5, que endureceu o regime, criando poderes de exceção para os dirigentes do país e suprimindo alguns direitos constitucionais dos cidadãos.
O Natal daquele ano foi sombrio para muitos brasileiros, inclusive para Caetano e Gil. Apenas algumas semanas após a publicação do AI5, os baianos foram presos e convidados a deixar o país num exílio forçado de cerca de três anos em Londres “onde o verde dos gramados campos faz lembrar o mar da Bahia”.
Com o exílio de seus principais líderes, o Tropicalismo estava praticamente encerrado como movimento cultural, porém o seu legado é muito mais amplo do que possa parecer à primeira vista, pois deixou aos músicos que vieram depois um sentimento de liberdade e experimentação sem as amarras limitantes do tradicionalismo.
A capa do álbum foi visivelmente inspirada pelo “Sgt. Pepper” do Beatles, lançado um ano antes. Já a contracapa foi estruturada em forma de roteiro cinematográfico, com anotações de sequências e cenas.