Tem horas que tudo o que a gente quer é gritar. Forte, alto. Aliviar aquele aperto no coração, para ver se conseguimos acordar no dia seguinte. Todo mundo se vê em palpos de aranha de vez em quando — alguns mais do que outros. Em que pese viver numa sociedade extremamente violenta, num mundo cada vez mais individualista em que valores antes fundamentais a fim de se primar pela boa convivência restam completamente distorcidos e superados, temos toda a sorte de problemas. Levantar da cama e ganhar o mundo às vezes já um desafio quase inexpugnável. Ter problemas é normal — e todos os temos. Encontrar a solução para eles é que é… o x do problema. Aqui na Bula, você já sabe, temos a solução fácil para todas as questões, inclusive as difíceis. Sem querer simplificar o que simplesmente não pode ser simplificado, o cinema talvez não tenha a chave para escancarar todos os mistérios do homem, mas ao menos nos oferece boas pistas. Se você já está por aqui com a vida, cheio de pepino e de abacaxi para descascar e não vê a hora do ano chegar ao fim, eu tenho duas notícias, uma boa e outra melhor. A boa é que já se foi a metade de 2021; a melhor é que falta só a outra metade. Aliás, o que 2021 tem com isso? Bem, a gente não tem nada com a sua antipatia quanto ao pobre do ano, mas a nossa lista dos dez filmes de hoje foi pensada para aqueles que já não suportam mais 2021. “Amor e Monstros” (2020), de Michael Matthews, por exemplo, leva uma história que, como diz o título, tem amor, tem monstros e é bem bonitinha. Falando em amor e monstro, se você não dispensa aquela pelada com os amigos no domingo, não pode perder o novo documentário sobre o rei do futebol, recém-lançado e dirigido pela dupla David Tryhorn e Ben Nicholas. Tudo à mão na Netflix. Os títulos seguem apenas uma ordem cronológica, do lançado há menos tempo para o mais antigo, e a gente sempre deixa você nos contar quais são os melhores. Agora, chega de conversa e chega de problema. Bom filme!
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

“A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas”, dirigido e escrito por Michael Rianda e Jeff Rowe, conhecidos pela série “Gravity Falls”, usa elementos de narrativa distópica a fim de contar como seria a dominação da Terra por dispositivos de inteligência artificial. Aqui, a humanidade depende de Katie Mitchell, uma nerd aspirante a cineasta, cheia dos conflitos típicos da idade, para se safar. Além de Katie, os Mitchell contam com Rick, o pai; Linda, a mãe; o irmão Aaron; e o pug Monchi, o mascote do clã. O filme é uma história divertida centrada na garota, meio perdida como todo adolescente, mas que acredita que quando se iniciarem as aulas na faculdade, na qual acaba de ingressar, vai finalmente se encontrar — e se enquadrar — no mundo. Rick é o típico paizão, provedor, que tem por hobby consertar coisas, mas não sabe por onde começar sua tentativa de arrumar a relação com Katie, ainda que seja visível o amor que têm um pelo outro. Rick vê na viagem para levar a filha à universidade uma chance de se acertarem de vez e decide cancelar o voo que havia reservado para irem todos de carro, num vibrante road movie.

Em “O Discípulo”, o jovem diretor hindu Chaitanya Tamhane discorre sobre a longa tradição cultural da Índia à luz da vida de um artista em formação. O jovem Sharad Nerulkar quer se aperfeiçoar no raga, a música erudita do país, uma manifestação artística, mas também uma prática que visa a alcançar a elevação do espírito. Sharad busca ser o melhor em seu ofício, estudando as lições de uma grande cantora lírica indiana, que deixou apenas uma gravação de seu trabalho. Aqui, Tamhane, num enredo todo pontuado por passagens repletas de lirismo, especula sobre quão pode ser excruciante a vida de um artista, um incompreendido por natureza, um ser delicado que pena para garantir sua parte no mundo, um lugar cada vez menos inclinado a delicadezas.

O pai de Kenji, membro da Yakuza, é morto por uma facção rival. Ávido por vingança, ele também se incorpora à máfia japonesa, mas à medida que o tempo passa e ele amadurece, Kenji percebe que ter ingressado no submundo do crime organizado não constituiu nada do que pensara para sua vida: o que era para ser um mero ato de revanche, a fim de lavar a honra do nome que carrega, passa a fazer com que ele e, pior, sua família vivam em constante tensão, ameaçados por toda a sorte de bandidos. “Família Yakuza” desenvolve um enredo sobre gângsters bastante sui generis. São poucas as cenas de ação, o que deixa o diretor Michihito Fujii à vontade para explorar a sucessão de anticlímax da trama e se estender sobre a natureza de seus complexos personagens. O pulo do gato aqui é introduzir o espectador no coração da quadrilha e dissecar sobre como gira sua engrenagem delituosa.

Um país composto pelos mais variados universos. Esta parece ser a Índia que o diretor Umesh Bist quer representar com seu “Garota Estranha”: uma terra plena de contrastes, assolada por questões sociais delicadas, em que a religião pesa sobremaneira no cotidiano e nos costumes de seu povo. Sandhya Gri atinge a idade que os pais — os pais, frise-se, não ela — consideram ideal para se casar e arranjam sua união com Astik. Poucos meses depois, Astik morre, o que dá início a uma série de rituais ao longo de intermináveis 13 dias, a fim de pedir que a alma do morto encontre a salvação. Enquanto é tomada pelo desconforto de não sentir a morte do marido que mal conhecia, a jovem viúva tem de se entender com a família dele quanto a uma herança cuja existência sequer imaginava, o que gera uma inesgotável fonte de desgastes e constrangimentos.

O shenmo, subgênero chinês de histórias envolvendo criaturas mitológicas malignas e deuses, tem ganhado cada vez espaço fora da Ásia. É o que se comprova com “New Gods: Nezha Reborn”, sobre Li Yunxiang, um rapaz meio invocado e os embates com sua natureza de semideus, descendente de Nezha, um ser lendário. Yunxiang é impelido a lutar pelo restabelecimento da ordem em Donghai, ocasião em que irá ter de provar que é digno de sua linhagem. O filme é o mais novo na engrenagem de animes chineses que se propõem a reviver as clássicas histórias sobre entidades divinas, fazendo um contraponto com o tempo presente. Estratégia que redunda num enredo criativo e repleto de novas perspectivas, atingindo o publico jovem em cheio.

A trajetória de Édson Arantes do Nascimento (1940) é retratada a partir de sua infância em Três Corações, interior mineiro, até o jogo que coroou a campanha de vitórias da seleção brasileira na Copa de 1970, no México, e deu ao Brasil o terceiro caneco. O longa tem a pretensão de demonstrar a força do esporte na nossa sociedade, destacando o período em que o país era tragado pela ditadura militar (1964-1985), justamente quando da conquista do tricampeonato, e no momento em que a violência do regime começava a recrudescer. Dispondo de um vasto arsenal de vídeos e fotos, David Tryhorn e Ben Nicholas incluíram entrevistas com parentes de Pelé, jornalistas, jogadores do Santos, como Pepe e Dorval, e do escrete canarinho, a exemplo de Jairzinho e Zagallo. A narrativa aproveita para suscitar no público o questionamento sobre se o rei do futebol agiu certo ao evitar o quanto pôde assumir posições políticas — ainda que tenha se encontrado com o presidente Emilio Garrastazu Medici (1969-1974) por diversas vezes — ou se deveria ter se mostrado mais crítico à arbitrariedade dos poderosos de então.

Em “Samurai X: O Final” resta clara a melancolia do protagonista Kenshin Himura, um espadachim andarilho atormentado pelo remorso. Ao longo da Restauração Meiji, que botou um ponto final no xogunato — cuja origem foi apresentada na série de documentários “A Guerra dos Samurais” —, Himura cometeu vários assassinatos e agora se vê confrontado com a própria consciência. Ele passa a morar no dojô de Kaoru Kamiya, onde também se abrigam o pequeno Yahiko Myojin e Sanosuke Sagara, um lutador de artes marciais, além da médica Megumi Takani. Cenas da continuação da franquia são mostradas em forma de flashback em “Samurai X: O Final”, o que evidencia toda a carga dramática da batalha contra Enishi — mas também se converte num spoiler. Ao se valer de argumentos fundados nas produções anteriores, esse é o live action mais bem acabado da série, entregando uma história mais sucinta e com inserção mais minuciosa de personagens secundários.

O cinema asiático vem conseguindo quebrar paradigmas e preconceitos e adquire cada vez mais proeminência, em todos os gêneros, dando corpo às tramas mais complexas e trazendo novos olhares sobre questões que se imaginava emboloradas — e faz tudo isso com competência e originalidade, muitas vezes misturando uma série de linguagens fílmicas numa trama só. Em “The Soul”, o assassinato de um grande empresário dá azo a uma investigação minuciosa por parte do promotor Liang Wen-chao e sua esposa, a agente A Bao. Aos poucos, eles vão decifrando os muitos mistérios do caso, como o de que todos os que eram próximos ao morto apresentavam razões muito sólidas para acabar com ele. A partir de então, percebem que estão em grande perigo se não descobrirem logo a identidade do criminoso.

No enredo de “Amor e Monstros” se confirma a quase sempre presente tendência de extinção do gênero humano no cinema de ficção científica. Aqui, 95% da população mundial foi eliminada por centopeias gigantes, caracóis titânicos e lesmas quilométricas, originados devido a uma mutação genética depois que um asteroide explode na superfície terrestre. O que sobrou da humanidade tem de se conformar em viver enclausurada em bunkers, a salvo, mas completamente oprimida também. O jovem Joel, morador de um desses espaços, é o responsável pela manutenção da área. Ao conseguir estabelecer contato via rádio com uma antiga namorada, Aimee, que habita uma colônia a 135 km de distância, Joel decide se aventurar atrás dela, mesmo sabendo que pode não sobreviver fora do isolamento.

No longa, Park Tae-Gu é um gângster que, ao perceber que sua irmã e seu sobrinho correm risco de vida por sua causa, decide abandonar o crime. Entretanto, a decisão vem tarde demais: os dois são mortos por acidente num atentado que fora tramado contra o próprio Tae-Gu. Consternado, o protagonista se vinga matando o chefe da facção, a quem culpa pelo assassinato da irmã. O que ele não imaginava era que a sua própria gangue o largara à deriva, fazendo com que ele se tornasse não só extremamente vulnerável a seus inimigos, como o principal alvo deles. Agora, a única alternativa que resta a Tae-Gu é pensar o quanto antes num destino onde possa estar em segurança. Ele acaba indo parar na casa de Jae-yeon, uma outra sobrinha, de quem irá se aproximar depois de alguma resistência por parte dela.