Eu queria gostar de autoajuda. Sou do tipo que precisa de manual para tudo. Eu preciso de autoajuda porque eu me “auto atrapalho” facilmente. Mas não consigo ler livro de autoajuda porque são escritos por quem já passou por todos os perrengues e agora está no auge. Aí é fácil dar lição de vida. Ninguém escreve autoajuda enquanto está tropeçando, errando e atolado em dúvidas sobre o futuro. É muito fácil falar de alpinismo quando você está no topo da montanha. Queria ver alguém falar do assunto quando está escorregando montanha abaixo. Seria mais útil.
E não sou eu que tô dizendo isso. Muitos especialistas dizem que o sucesso inspira, mas é o fracasso que ensina. Ótimo, de fracasso eu sou bom. Acho que posso ensinar alguma coisa. Por isso estou pensando em entrar para o ramo dos livros de “auto dane-se”, que eu resumiria dessa forma: livros escritos por pessoas tão perdidas quanto você, mas com doses extras de sinceridade e desesperança para você não se sentir sozinho. Eu tô aqui, pendurado no meio da montanha da vida moderna como você, tentando não despencar. Um pouco do que aprendi até agora está aí embaixo. É só um teaser. O resto vou deixar para um livro que, com sorte, vai vender pacas.
Não é só você. Ninguém está bem
Você não está confuso e angustiado com a vida moderna? Então ou você é muito burro ou você é o Bill Gates, que é mega bilionário e não tem muito com o que se preocupar. O mundo moderno está criando gerações de pessoas ansiosas e angustiadas. Não tô dizendo que é um problema exclusivo da vida moderna. Os romanos provavelmente também sofriam com isso, mas estavam ocupados demais invadindo o país dos outros ou fazendo orgias.
Mas na vida moderna, com todos esses confortos e facilidades, o nosso cérebro teima em buscar motivos para você se preocupar. E ele sempre acha. Basta abrir o Twitter ou prestar atenção na conversa do cafezinho no trampo. Pinta sempre um assunto preocupante. Aliás, se você está angustiado é um bom sinal. Mostra que você é humano. Só psicopatas não ficam tristes quando 500 mil pessoas morrem no país. E tem muitos por aí. Um deles está em Brasília, por sinal.
Tem sempre alguém mais ferrado do que você
Se alguém disser que você não tem direito a reclamar da vida porque tem gente passando fome e você não, dê um pescotapa nessa pessoa. Eu deixo. A vida não é uma competição de miséria que dá medalhas para os piores atletas. Não adianta dizer que tem aborígenes miseráveis em algum deserto australiano enquanto você reclama do seu celular. Tem gente ainda mais lascada na vida do que os aborígenes. Você vai dizer para eles pararem de reclamar? Melhor não. Alguns deles têm lanças. E, se isso serve de consolo, eu conheci um sujeito que era anão e não tinha pernas nem braços. Ele ganhava trocados tocando pandeiro na rua. Ele apoiava o instrumento no chão e o segurava com o queixo, enquanto tirava um som com os cotocos que tinha no lugar dos braços. Não me lembro de ter conhecido alguém em situação mais difícil. Aposto que os aborígenes não querem ter a vida dura desse cara.
Arranje vícios e paixões inofensivas
Uma das iguarias da cidade de São Paulo é o famoso sanduiche de mortadela do Mercado Municipal. Muita gente reclama da fama dele, já que é apenas pão com pilhas de mortadela dentro. Mas esse é o segredo: mortadela é bom e o sanduiche tem isso de monte. Simples. Trate de arranjar algo que seja bom, que te deixe feliz e que você possa ter de montão. Mortadela eu não aconselho. Faz mal para as artérias.
Não adianta eu dizer para você a ser apaixonado e viciado pela sua família, trabalho e estudo. Você provavelmente já curte tudo isso. Se ainda não curte, trate de curtir, senão a vida fica difícil mesmo. Paixão por estudo, família e trabalho trazem benefícios óbvios. O que eu estou dizendo é para você eleger algo que não vá trazer benefício prático nenhum e que não tenha valor ético ou moral relevante. Você tem que gostar só pelo prazer que isso pode te dar.
Quer exemplos? Eu realmente adoro minha família e meu trabalho. Mas tenho duas obsessões: a história da Segunda Guerra Mundial e James Bond (pode rir, nem ligo). Não sou professor de história e nem de longe eu tenho perfil para espião (eu fico vermelho se começo a mentir, seria um desastre). Mas, por alguma razão, desenvolvi uma fissura pelos dois temas. Tenho livros gigantes sobre a Segunda Guerra, além de uma penca de documentários. Já vi alguns filmes de 007 umas 200 vezes. O que eu ganho com isso? Prazer de cultivar algo por puro gosto. Quando nem sinto desanimado, meio pra baixo, eu revejo um filme de 007 ou um documentário sobre a guerra. Por algumas poucas horas o mundo se acalma, porque eu deixo de prestar atenção nele. São vícios meus e não fazem mal. Aliviam o peso de viver.
Como alguém já disse por aí: para viver você tem que estar embriagado de alguma coisa. Amor, trabalho, dinheiro, ou até whiskey. Amor e trabalho eu tenho bastante para me deixar embriagado, felizmente. Dinheiro nem tanto. E de whiskey eu gosto, mas meu fígado reclama muito. Escolhi James Bond e Segunda Guerra Mundial. E tô bem.
Dica final: Reclame. É seu direito
Você tem todo o direito de reclamar sobre qualquer coisa em sua vida, mesmo que ela seja boa. A minha é e eu às vezes pareço o Walter Matthau. Se você não faz ideia de quem ele é, tudo bem. Ele é o reclamão dessa cena clássica de O Estranho Casal, comédia que faz até um aborígene faminto rir muito. Viver é uma maravilha, mas tem boletos, também. Você não está sofrendo mais do que os outros. Tá todo mundo chiando. Reclame à vontade, você tem direito de ficar puto e de se estressar com a vida. Mas não exagere. Ficar reclamando o tempo todo é meio chato. Atrapalha as pessoas no cinema (roubei essa frase do filme citado aí nesse parágrafo).
Não espero mudar a vida de ninguém com essas dicas. Se você até agora não deu jeito na sua vida não é um jornalista careca e com dores na coluna que vai conseguir te ajudar. Mas, se você está surtando, achando tudo muito estranho e difícil, relaxe um pouco. Você não está sozinho. Faça como eu: assista uma comédia como “O Estranho Casal”. A vida é dura, mas se tem comédias, whiskey, amor e sanduba de mortadela, então vale a pena viver. Pra mim tá valendo.