A história do homem é a história de suas guerras. A humanidade só subiu tão alto na escala evolutiva graças à capacidade de partilhar informação a respeito dos assuntos mais comezinhos, como o melhor lugar da floresta para se caçar ou que alimentos poderia ou não ingerir sem correr o risco de morrer envenenado, por exemplo. E essa hegemonia cognitiva sobre os outros animais não seria nada se não viesse acompanhada do aperfeiçoamento da força física. Para tanto, o homem teve de se impor. Primeiro, subjugou os bichos que considerou mansos, e os fez trabalhar para si. Depois, a fim de ser capaz de vencer feras mais corpulentas e ferozes do que ele múltiplas vezes, desenvolveu ferramentas como tações, lanças e fundas e, assim, ampliou seus territórios. O próximo passo foi dominar o fogo, criar a pólvora e a sorte do gênero humano estava dada: a guerra. Queira-se ou não, foi por meio de conflitos armados que conseguimos tudo o que temos. Declarar-se guerra contra quem quer que seja nunca é uma decisão fácil, mas é, muitas vezes, a única decisão a se tomar, a fim de se evitar a desonra, que, conforme ensina Winston Churchill (1874-1965), primeiro-ministro do Reino Unido quando da Segunda Guerra Mundial, se encarniça de um povo que não encampa as causas pelas quais se deve combater. Temos que admitir: a guerra fascina. E em muitas ocasiões, foi por meio da guerra que a humanidade conheceu seus grandes heróis, homens e mulheres que se tornaram personalidades graças a um desempenho de coragem memorável ao longo de uma série de enfrentamentos entre exércitos. O cinema entendeu isso desde sempre e continua a produzir filmes cuja beleza transcende os horrores de confrontos armados entre indivíduos de uma mesma espécie e mostram valores fundamentais em meio aos soldados, como bravura e solidariedade, também perpassando o sentimento do cidadão comum, que continuava a travar suas batalhas intimas. É o caso de “1917” (2019), de Sam Mendes, e “Desejo e Reparação” (2007), de Joe Wright, que brilham na nossa lista com os dez melhores filmes épicos feitos neste ainda curto século 21. Ainda restam 80 anos para que apareçam muitos outros. Os títulos estão elencados do mais recente para o mais antigo e não seguem critérios de avaliação. Apresentar armas, tropa!

A história de “1917” é simples como a de tantos outros filmes do mesmo gênero. Dois jovens soldados ingleses são incumbidos de uma árdua missão: precisam entregar uma mensagem que manda parar um ataque que custaria a vida de 1.600 homens, incluindo o irmão de um deles. Qualquer semelhança com “O Resgate do Soldado Ryan”, por exemplo, é mera coincidência. Aqui, a trama é levada de um jeito mais intimista, valorizando os conflitos que indelevelmente surgem entre os dois, as hesitações de cada um quanto ao êxito da tarefa, sempre premidos pelo tempo, assim como em “Dunkirk”. Os pontos de contato se diluem aí, no entanto. O filme apresenta uma sutileza própria das obras-primas — principalmente quando abordam temas tão ingratos —, e, se você piscar num determinado frame, perde detalhes preciosos.

Com “Dunkirk”, Christopher Nolan conseguiu duas verdadeiras proezas. A primeira foi entregar um filme absolutamente distinto do que vinha apresentando em trabalhos a exemplo de “Batman: O Cavaleiro das Trevas” e “Interestelar”. Por aí, já se vê que Nolan é um diretor plural e ambicioso, mas a cereja do bolo está mesmo aqui. Sua segunda façanha foi ter imprimido tamanho realismo e dramaticidade numa história carregada de significado. O filme conta, com o rigor intelectual necessário, como se deu o resgate de mais de 300 mil soldados britânicos na costa francesa, completamente sitiados pelas tropas de Hitler. Só o número de figurantes necessários para se emprestar credibilidade às sequências já é uma epopeia à parte, mas a força do talento de Nolan dá conta do recado direitinho. Sem nenhum exagero, “Dunkirk” comprova que Christopher Nolan se superou frente a todos os seus excelentes trabalhos anteriores e produziu a obra definitiva sobre operações militares arriscadas no decorrer de uma guerra. Os cinéfilos esperamos que ele seja vencido.

Laços de uma amizade indestrutível a despeito das desventuras da vida e das trapaças do tempo sempre renderam histórias memoráveis. E quando se trata da relação entre um garoto terno e bem-criado, mas algo incompreendido, e um bicho — no caso, um cavalo —, a comoção é certa. Albert, o lado humano da dupla, ganha Joey, a parte equina, de presente dos pais. Com problemas de dinheiro, o animal é vendido. É claro que Albert fica desolado, ainda mais por saber que Joey foi requisitado para servir de montaria a soldados que combatem na Primeira Guerra Mundial. Joey se sai melhor que a encomenda, torna-se uma espécie de herói de guerra e conquista lugar cativo nos corações endurecidos dos batalhões. Albert, por sua vez, não supera a falta do mascote, mas tem direito ao final mais feliz com que poderia sonhar: Joey volta para ele. Uma história que arranca lágrimas até do durão mais inflexível, sem medo de ser acusada de piegas.

A cena de abertura de “Apocalypto” já deixa o espectador por dentro sobre o que vai encarar. Trata-se de uma caçada na floresta. Com o rango finalmente garantido, os personagens se dão um descanso e conversam entre si — como este é um filme de Mel Gibson, adotou-se o yucatán, um dialeto maia, a fim de afiançar mais realidade à trama. Pata de Jaguar, filho do cacique da tribo, é um dos homens que participavam da caçada. As circunstâncias apontam para o acirramento das perseguições a indígenas, que tem suas casas invadidas e tomadas e são forçados a procurar outro lugar para se estabelecer. Pata de Jaguar é uma espécie de profeta do caos pré-colombiano, mas não consegue ser persuasivo o bastante em seus aconselhamentos e seu povo cai subjugado por inimigos, que violentam as mulheres e escravizam os homens. Ele também é capturado, mas consegue defender sua mulher, que está grávida, e o filho. Serão eles que lhe darão a coragem de que carece a fim de superar as adversidades, fugir e retomar sua vida. Com uma história pontuada por sequências que retratam dramas pessoais, o filme ainda enfoca aspectos sociopolíticos ao sugerir que Pata de Jaguar e sua gente foram aprisionados por descuidarem do meio ambiente e se entregarem à ganância desmedida. Gringo não perdoa; mata.

O rei espartano Leônidas lidera um exército de trezentos valorosos e fiéis homens, uma enormidade para a época, contra a tirania de Xerxes, soberano da Pérsia. Leônidas é o legítimo representante da realeza grega: estoico, não se deixa admoestar por uma qualquer bobagem. A capacidade de passar por cima de todos aqueles que ousam cruzar o seu caminho também é louvada em Leônidas, um chefe de estado nada convencional, que se sente desafiado frente ao destemor do oponente, que incorpora tudo o que ele despreza, mas que, mesmo assim, não deixa de lhe causar certo fascínio. Leônidas e Xerxes, finalmente, encaram o que o destino lhes reserva: vão entrar em guerra um contra o outro, cada qual defendendo princípios muito diferentes. Ao contrário de Xerxes, o rei feito deus, Leônidas perde noites de sono ao pensar no destino de seu reino e de seus comandados, uma possível leitura de Zack Snyder para os intermináveis embates do homem com sua própria natureza, sem nunca saber a quem deve ouvir: se aos apelos de sua alma por elevação, ou aos clamores do corpo por saciar suas necessidades mais vulgares.

Na Inglaterra dos anos 1930, ainda antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial, uma paixão tem de ser sufocada. Briony, uma garota de 13 anos, inteligente, com muito talento para escrever e um tanto descompensada, delata para os pais o romance entre Robbie, o jovem jardineiro da família, e sua irmã mais velha, Cecilia. Para piorar situação de Robbie, Briony também o acusa de um crime que o rapaz não cometeu. O jardineiro não conta mais com a confiança dos patrões, não por causa de sua suposta conduta delituosa — já que eles conhecem a personalidade delirante da caçula —, mas pelo que veem como uma postura desleal quanto a ter desonrado Cecilia, e permitem que ele vá a ferros. O enredo faz questão de sempre botar lenha nessa fogueira das vaidades e deixar que o caráter ambíguo dos personagens aflore a cada novo lance. Nessa família, ninguém sabe em quem pode confiar.

O que uma paixão mal resolvida pode fazer? Levar dois povos a se digladiar ao longo de dez anos, por exemplo. Pelo menos foi essa a versão que ficou para a história e que o diretor alemão Wolfgang Petersen perpetua. Os confrontos entre gregos e troianos pelo controle da cidade-estado de Troia há mais de 3 mil anos podem ser interpretados no espírito de uma ode ao amor, ao amor impossível — ou desaconselhável. O que suscita a discussão lógica de que nem todo amor é bom, tampouco sublime. E que seria muito melhor se os indivíduos (governantes, sobretudo), observassem uma moral bastante rígida, também na vida particular. O tema do estoicismo, tão caro a gregos e troianos, inexoravelmente vem à baila. Quanto à narrativa em si, Petersen é audacioso, para dizer o mínimo, ao tentar em pouco mais de três horas, dar conta dos 15.600 versos da “Ilíada”, de Homero, obra que reporta a guerra, já que nem o próprio poeta ousou tanto, se contentando em reproduzir os 50 dias mais importantes durante as batalhas: a vingança de Aquiles e a consequente tomada de Troia.

Houve um tempo em que os ingleses dominavam a Terra, e o faziam a bordo de grandes embarcações, cujo requinte de tecnologia se limitava a bússola, astrolábio e mapa. A saga da conquista do mundo pela Armada britânica é apresentada em “Mestre dos Mares — O Lado mais Distante do Mundo”, um portento de Peter Weir. Baseado em uma série de livros do irlandês Patrick O’Brian, o filme é protagonizado pelo fictício capitão Jack Aubrey, que discorre acerca de sua experiência junto ao célebre comandante Nelson, que existiu mesmo e, além de exímio marujo, era um líder respeitado e dono de uma reputação invejável, mesmo antes de chefiar os ingleses na batalha que derrotou Napoleão, em Trafalgar. O combate que acontece logo no início da história é um dos mais vibrantes já levados à telona. É daí que emerge o ímpeto de Aubrey em encurralar o navio francês, claramente superior ao seu, numa coordenada qualquer do Oceano Pacífico. Sobra até uma menção ao Brasil, como quando ao fazer uma parada para abastecer, o comandante se encanta por uma bonita mulata, a única mulher ao longo de mais de duas horas de filme. Para o bem ou para o mal, mais atrizes mulheres não fazem falta: a trama é digna de figurar em qualquer antologia sobre histórias de guerra, de combates sobre o mar ou de aventura, simplesmente. Clássicão dos bons.

“2001 — Uma Epopeia na Terra-Média”. Fazendo-se um trocadilhozinho o seu tanto infame com a obra-prima de Stanley Kubrick, esse poderia ser o nome do primeiro volume de uma das trilogias mais memoráveis da história do cinema. Como a de Kubrick, a trama de “O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel” também é uma distopia que fala de outro mundo, outra realidade, outros povos, outra postura frente à vida. E faz mais ainda: resgata o gosto da audiência por aventuras grandiosas ao fomentar novas perspectivas acerca da fusão entre a literatura fantástica e um enredo fílmico. No longa, Peter Jackson traz a saga de Frodo Bolseiro, que conta com um anel que lhe daria o domínio de todas as criaturas que habitam a Terra-Média, cenário em que transcorre a narrativa. A história anda, e conforme esse novelo se desenrola, se assiste a sequências de guerra pretensiosas, em que seres humanos e elfos lutam contra orcs e outras entidades malignas. Tudo rigorosamente calculado, a fim de não desapontar o espectador mais preciosista. Para tanto, foi desenvolvido um software exclusivo para o filme, em que era possível se criar uma infinidade de guerreiros, cada um apresentando seus próprios movimentos, sem sincronia, de maneira a tornar irrefutável o argumento de que uma carnificina estava mesmo em curso. Com essa primeira, e bem-sucedida, empreitada no universo encantado de J.R.R. Tolkien, Peter Jackson dirimiu qualquer dúvida de que o cinema não seguiria igual depois dele. Foi presunçosamente profético – e garantiu seu lugar na história da sétima arte.

No ano 2000, Ridley Scott se propôs um desafio: convencer o público a abandonar um pouco a comodidade da tecnologia que se aboletava de vez na sociedade e viajasse para a Roma Antiga, perdida para sempre num tempo tão bárbaro que arenas no centro da cidade eram palco para espetáculos em que escravos e feras lutavam entre si, até que apenas um restasse com vida. O veículo no qual se deveria embarcar rumo a essa jornada era o épico “Gladiador”. A história se funda no meticuloso plano de vingança de Maximus Decimus Meridius, um general destituído de sua alta patente e de sua própria dignidade depois da traição de Commodus, o filho ardiloso do imperador Marcus Aurelius. Commodus mata o pai e usurpa a coroa; aliado do soberano morto, Maximus acaba sendo escravizado e, posteriormente, se transforma num gladiador, a fim de vingar Marcus Aurelius e a própria família, também assassinada a mando do tirano, que agora concentra todo o poder com mãos de ferro.