Qual é o sentido de se ver um filme que ao fim de duas horas não terá lhe dito absolutamente nada? Muita gente vai dizer que ao menos se fez aquela espécie de higiene mental: senta-se na frente da televisão e entra-se numa espécie de transe hipnótico, de preferência com um bom balde de pipoca ao lado, para tornar a “experiência” mais eficiente. Para quem não é lá muito adepto desse cinema limpinho, a Bula reserva uma boa notícia: a gente traz hoje dez filmes não vão aliviar o seu lado e irão se infiltrar na sua cabeça, igualzinho aqueles monstros intergalácticos fazem no cinema. Eu recomendo que você comece por “Uma Mente Brilhante” (2001), do diretor Ron Howard, que é, sim, bonitinho, mas tem um turning point de deixar qualquer um surpreso. Depois, pode ir de “Réquiem para um Sonho” (2000), de Darren Aronofsky, que pega um pouquinho mais pesado, até fechar a lista toda. Os filmes aparecem do mais recente para o mais antigo, sem critérios de classificação. Assista e, se conseguir, tente ter sua cabeça de volta.
Tentando amenizar o luto, Dani viaja com o namorado Christian e um grupo de amigos à Suécia para participar de um festival de verão. Em vez do sossego de férias tranquilas, eles vão se deparar com um bizarro ritual. O começo de “Midsommar” tem atmosfera semelhante à de “Hereditário”, filme anterior do diretor Ari Aster. Mas o segundo longa de Aster não é simplesmente uma extensão do horror apresentado sob a forma de uma família cujos problemas vão aparecendo com sutileza. “Midsommar” apenas dá a impressão de mimese da obra anterior; contudo, o clima de pesadelo de “Hereditário” cede lugar a um suspense bem equilibrado entre o grotesco e o cômico, linguagem muito eficiente quando se quer tratar das perdas que a morte inexoravelmente traz, de loucura e verdades que por não ditas apodrecem em nós.
O que a história de “O Lagosta” tem de criativa tem de bizarra: num futuro próximo, é proibido ser solteiro. Caso isso ocorra, os indivíduos são encaminhados a um hotel onde podem ficar por até 45 dias. Ao longo deste período, são estimulados a encontrar um novo parceiro entre os próprios hóspedes. Se não conseguirem, são transformados num animal da sua preferência e, a partir de então, soltos na natureza. O protagonista, vivido por Colin Farrell, acabou de se separar e não parece querer uma nova relação. É a partir de sua permanência ali que o público pode conhecer o caráter muito peculiar do estabelecimento. E assim segue todo o filme, pontuado por situações absurdas que, por mais que surpreendam, obedecem a certa lógica num universo excessivamente regrado e, não raro, politicamente incorreto.
Uma mulher volta para casa com o rosto coberto por ataduras devido a uma cirurgia. O que intriga seus filhos gêmeos, entretanto, são suas atitudes, tão suspeitas a ponto de despertar a desconfiança deles sobre se esta seria mesmo a pessoa que os criou. Este thriller psicológico suscita muitas perguntas, para as quais há poucas respostas: onde está o pai? Como a mãe teria se ferido, e com tamanha gravidade, para precisar de uma operação? Quem é ela, afinal? O roteiro de “Boa Noite, Mamãe” é pródigo em espalhar pontas soltas, como a aparente conformidade dos garotos com a nova estranha. As crianças seguem brincando, protegidas de quaisquer perigos num lugar pacato, duvidando da possível intrusa, mas se sujeitando à constante presença dela.
Amy Dunne simplesmente some no dia do seu quinto aniversário de casamento, deixando o marido Nick em desespero. Ele vai se descontrolando cada vez mais, abusa das mentiras que conta para a polícia a respeito da vida com a cônjuge e acaba se tornando o principal suspeito pelo desaparecimento. Sua irmã gêmea, Margo, se compadece dele e o ajuda. Enquanto tenta provar a sua inocência, Nick procura descobrir o que de fato aconteceu com Amy. “Garota Exemplar” corresponde às expectativas de um grande trabalho de David Fincher e, de lambuja, ainda fomenta uma discussão interessante sobre a vida a dois ao apresentar ao público um homem e uma mulher que já se amaram algum dia, mas se transformaram nas pessoas que outrora criticavam: o marido frio e a mulher neurótica.
Um grupo de astronautas é incumbido de verificar novos destinos para a humanidade, já que a Terra está à beira da extinção. Cooper é escolhido líder da equipe e aceita a missão, mesmo sabendo que pode nunca mais voltar e, assim, deixar os filhos para sempre. Junto com Brand, Jenkins e Doyle, ele leva à frente o desafio. O tempo passa e sua filha Murph, agora adulta, investirá em sua própria jornada a fim de tentar salvar a população mundial. “Interestelar” é o filme mais arrojado de Christopher Nolan, diretor da trilogia “Batman — O Cavaleiro das Trevas” e “A Origem”. Neste projeto, o diretor expõe um trabalho lírico e otimista sobre o homem, no qual aborda sua natureza predatória, mas igualmente revolucionária.
O filme de Brad Anderson, profundo ao tratar de um tema batido como a degeneração mental, merece um olhar atento. A história começa mostrando um sujeito esquálido carregando um cadáver enrolado num tapete. Em flashback, vai-se saber que se trata de Trevor Reznik, vítima de uma insônia crônica que lhe mina a saúde física e o rigor intelectual há um ano. Reznik é operador de máquinas pesadas numa fábrica e, sofrendo cada vez mais por causa da privação de sono, não tem a menor vontade de interagir com os colegas. O maquinista se envolve num acidente e é culpado de provocar um grave ferimento num funcionário, que acaba tendo o braço amputado. Para chegar de vez ao fundo do poço, ele começa a suspeitar de que seus companheiros de trabalho conspiram para que seja demitido.
Aos 20 anos, o matemático John Forbes Nash Jr., defende sua tese de doutorado na Universidade de Princeton. O estudo, revolucionário, consiste numa teoria que associa jogos e relações de rivalidade na resolução de questões econômicas. Nash rapidamente ganha os holofotes e torna-se famoso em todo o mundo. Onze anos depois, passa a sofrer de um transtorno mental, a esquizofrenia, que o faz crer que esteja no centro de uma conspiração internacional promovida pelos países comunistas da ex-União Soviética. As alucinações e os acessos de loucura cada vez mais intensos interferem em seu casamento com Alicia e eles acabam se separando. Depois de uma longa batalha, Nash vence a doença e ganha o Nobel de Economia por seu tratado, em 1994, e em 2001, consegue refazer o relacionamento com Alicia.
O jovem protagonista de “Waking Life” não consegue despertar do sono e começa a sonhar indefinidamente. Nessa sua vida paralela, encontra-se com pessoas da vida real e com elas divaga sobre os muitos estados da consciência humana, além de discutir acerca de filosofia e religião. O que se vê ali não é um filme real, mas cenas, paisagens e atores que foram coloridos, redesenhados e tiveram a imagem refeita graças a um software desenvolvido em parceria com sua equipe, exatamente como acontece ao longo da feitura de um desenho animado. O filme torna-se literalmente um sonho. É isso: Linklater conseguiu filmar um sonho e só pela genialidade da ideia este seu trabalho já merece ser apreciado.
Nessa crônica da agonia nossa de cada dia, Darren Aronofsky conta a história de Harry Goldfarb e Marion Silver, casal que se ama e que luta junto na busca por montar um pequeno negócio, aspiração que se torna a cada dia mais distante por serem os dois viciados em heroína. Já a dependência de Sara, mãe de Harry, é em “Tappy Tibbons Show”, um programa de televisão. Ao saber que terá a oportunidade de participar da atração in loco, Sara não abre mão de usar seu vestido predileto. O problema é que já faz algum tempo que ele não lhe serve mais. Ela resolve consultar um endocrinologista meio charlatão que lhe receita pílulas para emagrecer. A fim de tornar os resultados mais efetivos e rápidos, essa até então pacata dona-de-casa passa a usar o remédio sem nenhum controle, ficando viciada nele.
O matemático Max Cohen pesquisa formas de encontrar um modelo capaz de prever o resultado nos pregões das bolsas de valores. No entanto, a verdadeira obsessão de Max se concentra em descobrir um padrão matemático supremo, responsável por reger o funcionamento de todo o universo. Como nem tudo pode ser perfeito, Max é um gênio atormentado que padece com crises de enxaqueca crônica, tão fortes como bombas de mil megatons que aos poucos vão arrasando seu cérebro. A despeito do distúrbio, não é muito fã de contatos sociais e discute suas iluminações algorítmicas apenas com seu antigo professor, Sol Robeson, a única pessoa capaz de servir como parâmetro de comparação e fazê-lo se lembrar de sua natureza humana.