Como de costume, sentou-se à mesa de seu escritório e conferiu, no computador, suas planilhas. Não havia dúvida, era um homem rico. Tinha muito mais que o necessário para viver, confortavelmente, mais de uma vida. Mas não conseguia abandonar a dura rotina a que se impôs. Desde a falência da mal gerida empresa do pai, adotou uma vida espartana. Prometeu a si mesmo que nunca mais passaria por dificuldades financeiras.
Jamais revelou à mulher e ao casal de filhos a extensão do patrimônio acumulado em ações, títulos, fundos de investimento. Tinha medo de que o forçassem a ceder e gastar com supérfluo. Segurança acima de tudo, esse era seu lema. A mulher, sempre cordata, adaptou-se ao seu estilo de vida.
No escritório, uma grande estante dedicada à economia e finanças: manuais, livros, revistas, recortes de jornais econômicos. Ah, sim, havia algumas prateleiras, onde guardava revistas de automobilismo, seu xodó.
Adorava carros, no entanto, jamais comprou um. O único carro usado pela família fora adquirido pela mulher, há vinte anos, quando ainda trabalhava como professora. Convenceu-se de que carro era um péssimo investimento. Jamais conseguiu vencer a barreira autoimposta.
No entanto, era frequente se pegar imaginando pilotar um Mercedes conversível pelas estradas do Mar do Norte aos Alpes da Baviera. Sua predileção eram as marcas alemãs. Em especial, Mercedes-Benz. A mulher, sabedora de sua paixão, bem que tentou convencê-lo a ceder em suas convicções. Depois de algum tempo, sentindo-se impotente, desistiu.
Se tivesse diversificado ao menos um pouquinho sua biblioteca, talvez tivesse tido a chance de aprender mais sobre os segredos da vida, não só com Warren Buffett, mas também com Balzac, Mario Benedetti, Pessoa, Drummond, Somerset Maugham, Zola, Rubem Braga …
Vi, há tempos, um conhecido meu, que se tornou muito rico, sofrer horrorosamente na hora de comprar um quadro. Achava o quadro uma beleza, mas como o pintor pedia tantos contos, ele se perguntava, e me perguntava, e perguntava a todo mundo se o quadro ‘valia’ mesmo aquilo, se o artista não estaria pedindo aquele preço por sabê-lo rico, se não seria ‘mais negócio’ comprar um quadro de fulano. Fiquei com pena dele, embora saiba que numa noite de jantar e boate ele gaste tranquilamente aquela importância, sem que isso lhe dê nenhum prazer especial. Fiquei com pena porque realmente ele gostava do quadro, queria tê-lo, mas o prazer que poderia ter obtendo uma coisa ambicionada era estragado pela preocupação do negócio.
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