Nunca antes na história da humanidade, os solteiros passaram tamanho perrengue como nos últimos meses. Há uma pandemia correndo frouxa lá fora e beijar na boca tornou-se uma atitude com tremendo risco de morte. De certa forma, a troca de perdigotos virou roleta russa e nunca se bateu tanta punheta em casa desde a Guerra do Peloponeso. Dizem que a válvula de escape para solteiros e solteiras é o chamado “sexo virtual”, modalidade “home service”, tomando-se as devidas precauções, evidentemente, para não deixar entornar gametas sobre o teclado do computador, o que levaria a um prejuízo financeiro deveras broxante.
O Dia dos Namorados chegou. É um dos piores dias do calendário para se navegar nas redes sociais, que ficam coalhadas de declarações amorosas bisonhas e fotos fofinhas de casais com uma felicidade irritante. Depois de passar meses confinado no seu pequeno apartamento burguês, a dormir de calça jeans por semanas a fio, o meu editor, que é um solteiro convicto e ateu por conveniência — até o primeiro pico febril — cismou de me encomendar mais uma daquelas missões que a gente só faz porque precisa do emprego e porque mente bem. Quase sempre, ama-se muito mais a grana e o plástico-bolha do que seres humanos. Aliás, em tempos de bolsonarismo bestializante inveterado, tá facílimo a gente tomar ojeriza de determinadas pessoas.
O sujeito ficou me pagando uns sapos, argumentando que já fazia um tempão que eu não lhe entregava uma lista sequer, com recomendações de livros, músicas, filmes ou técnicas eficazes para tocar as visitas de casa. Fiz lembrar ao pimpolho que, ultimamente, por causa da alta mortadela, ou melhor, da alta mortandade ocasionada pelo coronavírus, ninguém estava visitando ninguém, muito menos, pegando alguém. Sorte a minha que estava casado e podia transar à vontade sem ter quer pagar por isso, a não ser, é claro, na seara da fantasia.
O desgraçado levou a piada a sério e ameaçou enviar uma cópia daquela conversa pelo maldito Whatsapp para a minha esposa, caso se eu não lhe entregasse uma lista de recomendações aos leitores da revista, tendo o Dia dos Namorados como tema, nas próximas 24 horas. Tive que ceder à pressão. O cara tinha armas em casa. Não dava para medir forças com um sujeito solteiro, armado com espoletas, e que não trepava há séculos. Ele tinha razão. Era preciso chutar o traseiro dos neurônios, colocá-los para malhar e produzir algo que fosse minimamente palatável à sanha insaciável dos leitores. Era mais do que justificável que eu me sacrificasse por aqueles que liam para além das bulas de hidroxicloroquina.
Não me restava muito tempo, nem paciência. Pensei nalguma coisa que gostasse à beça. Pudim de leite condensado. Massagens na cabeça. Ouvir os Beatles. Voilà! Dentro da minha mente doentia, o evento dos namorados remetia à paixão, esmegma e romance. Botei a cachuleta para pensar. Concluí que os Fab Four não tinham canções com temática sexual. Se fossem os Stones, seria moleza. Só me restava o bom e velho amor. E amor era um assunto muito presente nas composições de Lennon, McCartney e George Harrison.
Portanto, depois de pouco pensar, concluí que poderia compilar as melhores canções românticas dos Beatles, sob a minha ótica, obviamente. Seria uma tarefa fácil, ainda mais, considerando os primeiros anos da banda, quando compuseram inúmeras bobagenzinhas de amor que fizeram sucesso colossal, hipnotizaram multidões de adolescentes e venderam mais do que camisinha em Valentine’s Day. Beatlemania foi um fenômeno meio viral, meio pandêmico, meio contagiante. Selecionei uma dúzia das mais melosas, românticas e apaixonadas canções dos Garotos de Liverpool. Pode soar démodé cultuar e propagar a obra dos Beatles, mas, não me resta muito tempo, quiçá, saco para outras coisas. Não sei explicar ao certo esse sentimento de admiração e idolatria pela maior banda de todos os tempos. É aquele tipo de coisa que alenta, que pacifica e não tem prazo de validade. Como canta Milton Nascimento, “quem sabe isso quer dizer amor”.
Espero que vocês curtam a lista que eu compilei para deixar o Dia dos Namorados mais romântico e classudo. Recomendável harmonizar o som com vinho tinto e queijos. Quem não gostar, que se dane: já me casei mesmo. Se forem beijar na boca, por favor, retirem a máscara, só por uns instantes. Ao contrário do que vocifera O Crápula de Brasília, na sua peculiar arrogância e falta de empatia, usem máscara, evitem aglomerações. Aglomerar a dois, pode, sim, claro, mas, com todos os cuidados. Vacina? Sim, óbvio, of course, to everybody, sejam eles solteiros, casados ou largados no mundo.