Dor de cotovelo, dor de amor, dor de corno — com o perdão do palavrão —, falta de grana, doença na família, espinhela caída, mau olhado, quebranto… Quando vem aquela vibe ruim, o olho ficando rasinho, aquela vontade incontrolável de chorar, chore, chore mesmo, sem medo de ser ou parecer infeliz ou fraco. Se se importar muito com a opinião alheia, chore na cama quentinha, debaixo das cobertas, com as luzes todas apagadas, mas chore. Só as pedras não sofrem e só a bailarina daquela música não passa perrengue. A lista da Bula de hoje vai ajudar você a desabafar. Pode escolher: tem de “À Procura da Felicidade” (2006), do italiano Gabriele Muccino, ao classicíssimo “Amarcord” (1973), do igualmente italiano Federico Fellini, que fecha a seleção com categoria. Os títulos não seguem critérios de classificação.

Os três filhos do casal O’Brien foram criados sob a mesma mão de ferro pelo pai. O primogênito Jack sempre teve atritos com o chefe da família, em grande medida por reconhecer na sua própria personalidade alguma coisa de seu velho. Ao se tornar adulto, Jack ainda terá de lidar com um forte sentimento de culpa por não ter conseguido evitar a morte do irmão. Um drama de família tão triste quanto profundo, em que nenhuma palavra ou gesto é casual ou gratuito. Mérito do preciosista Malick.

Adam é um roteirista de rádio e aos 27 anos fica sabendo que tem um tipo raro de câncer na coluna, notícia que o choca ainda mais por ele ser o típico careta: não fuma nem bebe. O aparecimento de uma doença tão grave e tão avassaladora em alguém com a vida toda pela frente, claro, afeta não só o rapaz, mas todos à sua volta. Adam conta com a ajuda do amigo Kyle, mas resolve tratar do assunto da forma mais pragmática e racional possível. Para isso, passa a se analisar com a bela Katherine, uma jovem psicóloga sem a experiência necessária para lidar com a situação, por quem acaba se apaixonando.

Gil passa as férias em Paris com a noiva Inez e a família dela. É na Cidade Luz que esse roteirista de Hollywood se reabastece das mais finas iguarias da arte e esquece um pouco o trabalho frustrante de escrever as histórias tolas dos enlatados americanos. Ao flanar pelas ruas e esquinas parisienses, depara com estranhos personagens como que desembarcados dos anos 1920, a belle époque da França. Ele percebe que algo de muito inusitado está acontecendo e acaba tendo a oportunidade de também viajar no tempo.

Cindy e Dean se conhecem por acaso, se apaixonam e casam-se; depois de cinco anos de união, a relação se esgota e o peso da convivência entre esses dois novos intrusos nas vidas um do outro se nota claramente na postura da protagonista, a sempre impecável Michelle Williams, uma das grandes atrizes de sua geração. O plot desse segundo longa de Derek Cianfrance é o fim, dos namoros, dos casamentos, da própria vida, e como lidar com a finitude.

Nemo Nobody é um ancião de impressionantes 118 anos e o último homem mortal da Terra. Ele concede uma entrevista a um repórter, que tenta escarafunchar a vida desse verdadeiro dinossauro a fim de saber como é nascer, se desenvolver, se reproduzir e morrer, o ciclo vital do homem de antanho, prestes a se extinguir. Nobody é ninguém porque vive num mundo que não é mais o seu e o seu tempo passou irremediavelmente, está morto, assim como ele mesmo vai estar não tarda muito. Ele é ninguém porque só existe na sua própria cabeça.

Tom se interessa por Summer, se determina a namorar a garota, mas ela não quer nada sério. Depois de algumas investidas, eles engatam um affair, que acaba cerca de ano e meio depois. Os papéis parecem ter sido trocados neste filme, mas só parecem, afinal não há nada de mais em homens serem também casadoiros e mulheres, além de românticas, dadas a caçar. O enredo imprime novo ponto de vista acerca do romantismo: homens e mulheres estão liberados para inverter o modo como vinham se comportando nos últimos dois milênios. A conclusão óbvia é que as coisas não mudaram tanto assim.

Neste campeão de bilheteria, Will Smith é Chris Gardner, a personificação do loser, o perdedor segundo os padrões do estilo de vida americano. A mulher não segura a barra de estarem sempre cronicamente duros — a ponto de não conseguirem honrar as prestações da casa e do carro — e cai fora. Para comprovar em caráter irrefutável que a tal lei de Murphy não perdoa, ele vai investir suas parcas economias em scanners ósseos, que logo caem em desuso. Mas lhe restaram o mais importante: o sonho e o filhinho de cinco anos.

Edward Bloom está à morte e precisa se entender a tempo com o filho. O jornalista Will se sente enganado por não saber nada sobre a verdadeira vida do pai, um compulsivo contador de histórias fantasiosas que diz protagonizar. Tim Burton tem aqui toda a liberdade para fazer o que faz como nenhum outro diretor: inventar. “Peixe Grande…” é um filme bonito e simples, graças à genialidade de Burton. E o bonito e simples dá trabalho.

Jeffrey Lebowsky é um vadio, que não tem a menor intenção de procurar trabalho e se deu a alcunha de Dude, cujos hobbies são ouvir velhas canções do Creedence, se drogar ou jogar boliche com os amigos igualmente boçais Walter Sobchak, um neurótico por armas, e Donny. Um mal-entendido envolvendo a cobrança de uma dívida bota Dude e um homônimo, o milionário Lebowski, frente a frente. A partir de então, situações esdrúxulas começam a se suceder.

Uma dona-de-casa com graves problemas emocionais só consegue sufocar suas mágoas com comida. Toda semana, ela e o marido — que lhe devota um elaborado desprezo — visitam num hospital uma tia dele — que também não tem por ela a menor consideração, não permitindo sequer que entre no quarto. Numa dessas torturantes esperas, como que por encanto, surge na vida dessa mulher amargurada e sem mais qualquer esperança de ser feliz a doce figura de Ninny Threadgoode, uma debilitada e gentil octogenária que lhe conta umas histórias e faz com que ela acorde para a vida.

A chegada do novo professor de inglês e literatura transforma a rotina dos estudantes de um tradicional colégio graças a seu método de ensino irreverente. Ele motiva seus alunos a ingressar na Sociedade dos Poetas Mortos, o grupo fundado por ele quando discente da escola. Para esse mestre do bom viver, a poesia salva e sua forma tão peculiar de ver o mundo à luz dos versos os encoraja a também ter uma vida extraordinária.

Federico Fellini volta à Rimini de sua infância, reconstituída nos estúdios da Cinecittà, na pele de Titta, um menino cheio de imaginação que vive cascavilhando a vizinhança. Eram tempos do fascismo mais desabrido, perseguições políticas, restrição de liberdade, mas mesmo assim Titta-Fellini encontra um meio de enxergar graça em viver. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, “Amarcord” ainda é o trabalho mais lírico de Fellini por combinar à perfeição a fotografia de Giuseppe Rottuno, figurinos e cenários extravagantes de Danilo Donati e a trilha sonora nostálgica de Nino Rota.