Da importância científica do Homo Politicus Brasiliensis

Da importância científica do Homo Politicus Brasiliensis

Frans De Waal, primatologista holandês radicado nos EUA atualmente, é um cientista e um divulgador da ciência respeitado. Em livros como “Primates and Philosophers. How Morality evolved” (Princeton University Press, 2006) e “The Age of Empathy. Nature’s lessons for a kinder Society” (Random House, 2009) ele se vale de sua vasta experiência com grandes primatas, particularmente chimpanzés, para arriscar uma teoria ética evolucionista, pela qual a empatia exerceria um papel fundamental. Empatia essa observada em chimpanzés, particularmente entre os seus próprios familiares. Empatia nepotista, de acordo com De Waal, seria uma forma de proto-ética.

Sua respeitabilidade no meio acadêmico não foi barreira, entretanto, para os organizadores do Prêmio Ig Nobel (um Nobel às avessas — veja o site aqui) o escolherem em 2012 para o prêmio de Ig Nobel de Anatomia, em cerimônia realizada em Harvard. De Waal fez por merecer seu prêmio por conta de uma pesquisa publicada na revista Advanced Science Letters, em 2008 intitulada ‘Faces and Behinds: Chimpanzee Sex Perception’, em que demonstra que chimpanzés têm a capacidade de associar rostos conhecidos e suas respectivas bundas (leia a íntegra aqui).

Penso que foi injusta a lembrança do nome de De Waal para o Ig Nobel (embora reconheça a bizarrice desse trabalho especificamente), mas também acredito que ele é um tanto hiperestimado. Que a empatia intra-grupo exista entre os animais não humanos é fácil de constatar. (Aqui mesmo onde moro tem bastante curicaca. Experimente chegar perto de seus filhotes pra ver o que acontece. ) Que a empatia seja a base natural da ética também é fácil de constatar. É o que chamo de “cebola moral”. Quanto mais próximo nos for o “anel da cebola”, mais eticamente somos compelidos a agir. Por exemplo, uma bomba que explode no meu bairro me comove muito mais do que uma no Oriente Médio. Mas eu não chegaria a dizer que a empatia seja uma proto-ética.

Ora, o que nos diferencia, animais humanos, dos animais não-humanos, é justamente a capacidade de sentir culpa e indignação para além dos anéis de cebola mais próximos a nós. É justamente quando somos capazes de, a despeito da completa ausência de empatia, agir moralmente, que nos tornamos verdadeiramente éticos. A empatia, e particularmente a empatia nepotista, no caso do Homo Sapiens, será muito mais uma pré-ética, portanto uma não-ética.

O que me traz, finalmente, ao assunto. Como muitos já devem saber, recentemente, o STF julgou, em menos de três minutos e com direito a gargalhadas dos ministros, a ADI 3745, do procurador geral da república contra o governo de Goiás e Assembleia Legislativa de Goiás (Lei Estadual 13.145, criada em 1997). (veja vídeo aqui). E o que o governo e assembleia queriam? Que se permitisse contratar até dois parentes no serviço público, sem concurso.

Tal despropósito, além de servir para divertir nossos cansados ministros do STF, tem um valor científico inestimável. Permite-nos, sem a necessidade de uma máquina do tempo, estudar o comportamento de uma subespécie do Homo Sapiens — o Homo Politicus Brasiliensis. Também conhecido simplesmente por ‘político brasileiro’, essa subespécie de nossa espécie é o elo entre os primatas e nós. Sua noção de ética é tão primária que, se fizessem parte do filme Planeta dos Macacos seriam os gorilas. Seu único objetivo na vida é ter mais poder e dinheiro para si e os seus. Prestam-se, portanto, também como prova experimental da teoria do gene egoísta de Richard Dawkins (que, por sinal, também prevê o nepotismo como base da ação dos animais, não dando a isso o nome de ética).

Proponho aos anatomistas, antropólogos, neurocientistas que estudem o político brasileiro mais de perto. Mais a fundo. É certo que, uma vez escrito o projeto de pesquisa, ficaria a dúvida se o deveriam enviá-lo a algum CEP (Comitê de Ética Pesquisa em Humanos) ou a algum comitê de ética em pesquisa envolvendo animais. Pelo sim, pelo não, para o segundo. Mas, nesse caso, penso que se poderia abrir uma exceção quanto aos 3Rs (Reduce, Refine, Replace), da ética da pesquisa com animais. Em vez de reduzir o número de animais, que se utilizasse todos, ou a maioria dessa subespécie. Em vez de refinar as técnicas de sacrifício e anestesia, que se as fizesse dolorosas e prolongadas. E no caso de substituir (replace) por animais inferiores ou tecnologia, que, bem, que se ignorasse essa regra.

Se esse trabalho for publicado e receber o Ig Nobel, estarei na primeira fila do Sanders Theater, em Harvard, aplaudindo de pé.

Flávio Paranhos

Filósofo e médico.