Devido à pandemia de Covid-19, a maioria das empresas precisou entrar no mundo digital. Houve um aumento exponencial na demanda de bens duráveis, semi-duráveis e mesmo não-duráveis e, viva!, livros. A Amazon continua sendo a campeã na venda de livros online. A comodidade de se comprar livros pela internet adia um pouco a sensação de deleite do leitor mais voraz ao pegar o objeto de seu desejo com as duas mãos, sentir a gramatura do papel, passar as páginas, sentir o cheiro das folhas, mas só por uns dois ou três dias. Para os menos ansiosos, preparamos uma lista com os dez títulos mais vendidos pela Amazon em maio deste ano, de acordo com as indicações da Bula. Fazendo uma viagem no tempo e abordando os mais variados assuntos, tem os já consagrados, caso do clássico regionalista “Vidas Secas” (1938), do escritor alagoano Graciliano Ramos, e novidades como “Histórias Jamais Contadas da Literatura Brasileira” (2020), de Edson Aran, original e engraçado. Boa leitura!

Quando se fala de “1984”, está se falando de regimes totalitários, como o nazismo de Hitler na Alemanha dos anos 1930 e 1940, o fascismo de Mussolini na Itália da década de 1920 e perseguição política. O livro de George Orwell, persona literária de Eric Arthur Blair, já nasceu destinado à polêmica e também por isso atraiu tanta atenção: foi traduzido em 65 países, virou minissérie, filme, história em quadrinhos e até inspirou uma ópera. A televisão espertamente também tirou uma casquinha e incorporou a trama de George Orwell ao seu repertório batizando um reality show com o nome da personagem que observava com lupa as atividades — subversivas ou nem tanto — de qualquer indivíduo, o Grande Irmão, na fictícia Oceânia.

“Histórias Jamais Contadas da Literatura Brasileira” segue firme na lista dos mais vendidos da Amazon. Aqui, o mineiro Edson Aran reúne causos, pequenos contos e crônicas envolvendo figurões da literatura nacional e os próprios movimentos literários, sem querer explicá-los ou descrevê-los à luz do rigor histórico. No livro, o primeiro editado pela Bula, Aran lança mão do humor em todas as histórias e argumenta que enxergar o lado irreverente de pessoas tão incensadas as desmistifica e as aproxima de nós, os mortais quaisquer. A exemplo da que “revela” a paixão de Nelson Rodrigues, um direitista convicto tido por muitos como reacionário, por uma comunista do calcanhar sujo, uma das favoritas do autor.

Janina Duszejko é uma professora de inglês polonesa, já aposentada, que se dedica a conhecer melhor a obra do poeta William Blake, cuida da casa e se preocupa com o meio ambiente. A vida aparentemente pacata dessa mulher padrão vai virando um romance policial à medida que seus vizinhos começam a morrer misteriosamente, o que, se vai ver, tem relação com a destruição de fauna e flora locais. Instigada com a situação, Janina começa a investigar os casos e exigir providências das autoridades. Um bem escrito thriller de Olga Tokarczuk, dona de um texto preciso e envolvente, queridinha de dez entre dez leitoras mulheres, vencedora do Nobel de literatura de 2018 por agradar a todos. Tokarczuk merece ser (re)descoberta no Brasil.

Após mais de meio século, “Cem Anos de Solidão” continua sendo uma história que encanta por sua qualidade literária, sofisticação de estrutura e construção refinada dos personagens, saídos da cabeça sonhadora de Gabriel García Márquez. Nesta obra-prima da literatura latino-americana, bastião do realismo mágico, Gabo se debruça sobre os temas eternos da condição humana — amor, desejo, ambição e, claro, a solidão do título — na pessoa de Aureliano Buendía, filho mais velho de uma família colombiana decadente na fictícia Macondo. Antropólogo de primeira, Gabriel García Márquez tece o vasto enredo de “Cem Anos…” tomando por base a Guerra dos Mil Dias e o massacre dos trabalhadores bananeiros em Ciénaga, em 1928.

Escrito em primeira pessoa, “O Estrangeiro” narra a trajetória de Meursault, um sujeito banal e indiferente a tudo, que viaja à Argélia natal a fim de sepultar a mãe, com quem já não partilha mais nenhuma afinidade. O cadáver é velado por ele, numa sala do asilo onde a mulher morava, e um funcionário do lugar, mais ninguém. Meursault não derrama uma lágrima pela defunta e isso vai trazer muitos dissabores a esse homem amargurado, incapaz de relacionamentos estáveis e o seu tanto misterioso alguns dias depois. A impassibilidade de Meursault é o ponto de partida para a discussão sobre a complexidade dos afetos neste brilhante trabalho de Albert Camus, um dos melhores escritores franceses de todos os tempos.

Publicado no Brasil como “Mulherzinhas”, o livro conta a saga das quatro jovens irmãs March em meio à Guerra Civil dos Estados Unidos. Josephine, a Jo, Meg, Beth e Amy são muito unidas, mas também bastante diferentes entre si. Nesta espécie de autobiografia, tem-se um romance histórico cheio de sutilezas, no qual a autora, inspirada em sua vida e na de suas três irmãs, mostra a dificuldade de se manter a saúde mental e a boa convivência em família em tempos extremos. A personalidade delicada e doce, mas também irrequieta e realizadora de Alcott se funde à de sua protagonista, Jo, mulheres fortes e determinadas. Mulherzinhas, sim, mas grandes mulheres.

As anotações de uma menina judia se escondendo da barbárie das tropas nazistas foram compiladas numa publicação bem cuidada e repleta de passagens de um realismo cortante. “O Diário de Anne Frank”, originalmente lançado em 1947, tornou-se um dos livros mais célebres, lidos e discutidos da história. Otto Frank, o pai de Anne e o único sobrevivente de um campo de concentração de Hitler nessa desafortunada família, realizou o sonho da garota ao editar suas memórias. O livro foi a prelo e ganhou o mundo em 25 de junho de 1947, dois anos depois da guerra, com o nome de “O Anexo Secreto”, como Anne queria. Anne Frank morreu em fevereiro de 1945 no campo de concentração de Bergen-Belsen, de complicações provocadas por tifo e desnutrição severa.

Madame Rosa, uma ex-prostituta parisiense, passa a cuidar de crianças em um bairro pobre da cidade. Rosa ainda sofre com o trauma de ter sido prisioneira de Hitler no campo de concentração de Auschwitz. Momo, um garoto de origem muçulmana, só tem Rosa que olhe por ele. Ninguém sabe nada a respeito de seus pais, sobre por que foi abandonado e nem mesmo sua verdadeira idade. Apesar de uma narrativa simples que gira em torno de ambos os personagens — ou, talvez, por isso mesmo —, Émile Ajar, pseudônimo de Romain Gary, faz com que qualquer um se interesse pela relação improvável e complexa desses dois infelizes, cada um a seu modo, sem qualquer visibilidade social. “A Vida pela Frente” foi vencedor do Goncourt, o prêmio literário mais importante da França.

O ganhador do Nobel e representante da (boa) literatura alemã “O Lobo da Estepe” não recebeu esse nome debalde: o livro assusta mesmo. A história se passa pouco depois da Primeira Guerra Mundial, provavelmente na década de 1920. O leitor é apresentado ao protagonista Harry Haller por meio das anotações de seu diário, encontradas no quarto que alugava pelo sobrinho da senhoria. Pelo manuscrito, resta claro que se trata de um homem perturbado. O rapaz adverte os leitores de que o romance se funda nessas passagens, ou seja, o texto é desarticulado e seu fluxo narrativo não obedece ordem lógica. Apenas registra sonhos e devaneios da mente perturbada de seu autor, apelidado por ele de o Lobo da Estepe.

Fabiano e Sinhá Vitória abandonam a casa esfrangalhada em que vivem — metáfora da própria existência paupérrima que os assola — e começam a atravessar o sertão, certos de que a sorte não pode ser pior do que naquele lugar. Levam consigo os filhos, o mais novo e o mais velho, além da cachorra Baleia. Malgrado a pobreza implacável, as crianças sonham, o mais velho, sobretudo. Essa odisseia, narrada na terceira pessoa pelo mestre Graça, uma joia rara da literatura regional — movimento que se espraiou pelo Brasil inteiro —, continua provocando lágrimas depois de mais de 80 anos ao denunciar a fome e o descaso com o povo sertanejo e celebrar as pequenas felicidades de uma família de retirantes nordestinos. “Vidas Secas” é mais um livro que comprova a máxima de Lampedusa em “O Leopardo”, tão adequada ao Brasil: certas coisas mudam para que tudo siga sempre igual.