Introdução: “Não tive filhos; não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. Assim o grande escritor Machado de Assis (1839-1908) encerra uma de suas melhores obras, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. O homem desenvolve invenções revolucionárias — a exemplo do próprio cinema —, empreende negócios mirabolantes e lucrativos, dedicou-se a pesquisar e descobrir medicamentos para males cujo desaguadouro era a morte certa e outros que vieram com a evolução mesma do gênero humano, mas continua a se sabotar e se autodestruir. Nessa pegada niilista, a Bula relacionou alguns filmes que nos fazem questionar a humanidade e a própria condição humana, como “O Medo do 13” (2015), de David Sington, e “XXY” (2007), de Lucia Puenzo. Divirta-se — se puder.
Imagens: Divulgação / Reprodução Netflix

Numa prisão, detentos são alimentados por uma plataforma descendente. Esse mecanismo faz com que os que estão nos níveis mais altos comam em demasia, enquanto os dos andares mais baixos passem fome. Até que um dos confinados se rebela. “O Poço” é uma alegoria inteligente e criativa tanto sobre a sociedade num país qualquer da América Latina, desigual e injusto, como do próprio gênero humano, onde quer que se estabeleça: é da natureza mesma do homem subjugar seu próximo e tirar dele todas as vantagens possíveis. Até um naco a mais de carne.

Liz cria sozinha a filha. Quando o sedutor Theodore Robert Bundy aparece em sua vida, ela se apaixona logo, custando a acreditar que ele seja culpado por diversos crimes contra outras mulheres, tão cega esse amor, avassalador e implacável, a deixou. Bundy enxerga nas mulheres, sejam elas como forem, predicados que elas sabem que não possuem. “Ted Bundy…” é cirúrgico ao esquadrinhar as misérias da alma humana que, quando muito esfrangalhada, é capaz de se render ao primeiro facínora gentil que aparece.

Uma mulher tenta a todo custo superar a dor de ter sido estuprada pelo cunhado do seu chefe e seguir vivendo. Mas esse trauma lhe marca tão profundamente que ela não sabe até que ponto vai seu instinto de sobrevivência e quão sólida está para voltar a enfrentar a vida como ela é, com todas as suas tragédias e glórias, eventos presentes no destino de todo indivíduo sobre a face da Terra, em maior ou menor proporção.

O documentário entrevista estrategistas políticos e garotas em Gâmbia e no Quênia a fim de tentar compreender os motivos por que mulheres ainda são submetidas à infibulação — a mutilação genital feminina — e o que está sendo feito para erradicar essa prática execrável. Qualquer pessoa com o mínimo de senso de humanidade — por mais gasta que a palavra soe — discorda peremptoriamente de costume tão bárbaro e não aceita o argumento pedestre da “ancestralidade”. A infibulação é uma maneira sanguinária de subjugar algumas mulheres. E um crime.

Arlette herda um pedaço de terra de seu falecido pai e quer vendê-lo, bem como a propriedade de seu marido. Wilfred não concorda com a esposa e acaba resolvendo matá-la, ajudado pelo filho Henry. A trama, mais uma boa adaptação de um thriller de Stephen King, toca em pontos delicados, a exemplo de casamentos que se prolongam além da conta, por puro comodismo de parte a parte, e acabam redundando em finais como o deste longa.

Uma tragédia abala o casal Will e Eden. Eles perdem o filho acidentalmente e, desolada, Eden vai embora sem dar explicações. Dois anos mais tarde, ela reaparece casada com David, o homem que ela conheceu em uma seita religiosa. Ela convida o ex-marido para um jantar que ela oferecerá para reencontrar os amigos. Durante a reunião, Will começa a suspeitar que os anfitriões estão tramando contra ele.

O holandês Andries Riphagen faz fortuna roubando judeus escondidos dos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial mediante chantagem. Muitas vezes, mesmo depois de pilhá-los, Riphagen os entrega à SS, a polícia política de Hitler. O longa, talvez o mais original na abordagem de um tema espinhoso — e batido — como o domínio nazista na Alemanha dos anos 1930 e 1940, se destaca por querer lançar luz sobre uma questão aparentemente menor. Quanto a aspectos técnicos, a fotografia é digna de nota.

Separado da família durante a guerra civil nigeriana, um garoto é obrigado a lutar ao lado de mercenários e a se tornar um guerrilheiro. Nessa jornada rumo ao desconhecido, ele se depara com o lado mais sombrio da vida — e de si mesmo — e vai tentando se equilibrar entre um e outro cadáver que é obrigado a deixar pelo caminho. O garoto amadurece à força, moldado pela atmosfera belicosa que aspira, sem entender direito qual o seu papel no mundo e naquele mundo.

Nick passou 21 anos no corredor da morte na Pensilvânia, mas nunca se conformou em ter sido injustamente condenado. Ele acaba ficando doente e, farto de tanto sofrimento, envia uma carta ao governador exigindo sua execução. “O Medo do 13” trata, entre outros assuntos, do débil ordenamento jurídico dos Estados Unidos e da infausta pena de morte, que abreviou a vida de muitos inocentes, injustiça para a qual jurista nenhum pode criar uma reparação.

Alex nasceu hermafrodita, com ambas as características sexuais. Tentando fugir dos médicos que desejam corrigir a ambiguidade genital da criança, seus pais se mudam para um vilarejo afastado no Uruguai. Um dia, a família recebe a visita de um casal de amigos e seu filho adolescente, Álvaro. Logo, o jovem se sente atraído por Alex, que ainda não sabe como se relacionar.