Julio Cortázar vale muito mais do que 270 reais

O maior inimigo do livro no Brasil não é o imperador bárbaro Messias, dito Jair Bolsonaro, também conhecido, no Palácio do Planalto, como “Zero à Esquerda”. Tampouco é Paulo “Imposto” Guedes, conhecido, em Chicago e adjacências, como Posto Tabajara. O maior inimigo do livro no Brasil é seu preço — muito elevado. O que decorre, por vezes, das pequenas tiragens.

O maior amigo do livro no Brasil é o cartão de crédito (nem digo os preços da Amazon, porque não aprecio dumping). Porque, ao contrário de outros países, no país da excelente poeta Angélica Freitas se consegue, com o cartão, parcelar a compra, o que torna possível, aos que não têm uma renda alentada, adquirir livros.

Todos os Contos, de Julio Cortázar (tradução de Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista, Companhia das Letras, 1144 páginas)

Veja só: a Companhia das Letras está colocando nas livrarias patropis “Todos os Contos”, de Julio Cortázar, por 269,90 reais! A exclamação não tem só um motivo, não. Na verdade, tem três. Primeiro, a publicação é um portento, um esforço editorial que merece todos os elogios deste vasto mundo. Segundo, a tradução é de duas craques — Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista. É garantia de que teremos um Cortázar em estado de graça em português. Terceiro, o preço! Quem vai comprar um livro — no caso, são dois volumes — que custa 270 reais? Poucos, muito poucos. Aí, claro, entra o cartão de crédito — o maior amigo dos ledores indefectíveis. Em dez prestações, sem juros, o leitor pagará, pelos 2,159 quilos dos dois volumes, 26,99 reais por mês. É melhor do que reformar o sofá que o gato arranhará no dia seguinte da entrega e o cachorro morderá quiçá pelo cheiro de couro (ou do material sintético).

Nem todos os contos de Julio Cortázar são de entusiasmar, é claro. Mas várias de suas histórias curtas — algumas nem tão curtas — são de excelente qualidade. A edição, que reúne toda a sua produção, permitirá ao leitor, mesmo ao não especialista, avaliar o conjunto. O que se perceberá, quem sabe, é que a média do escritor argentino, nascido na Bélgica, é alta, até muito alta.

Antes, a Companhia das Letras havia publicado o romance “O Jogo da Amarelinha”, espécie de duelo de Julio Cortázar com toda a literatura modernista do século 20. O romance, que permite duas leituras — indicadas pelo autor —, é, para usar uma palavra desusada, quiçá por seu caráter meio nacionalista, sublime. Tanto a história como a forma (as formas) de contá-la. A tradução, precisa, é de Eric Nepomuceno.

Julio Cortázar

Bem, se Candice Marques de Lima, minha mulher — leitora aficionada de “O Jogo da Amarelinha” —, não proibir, porque já comprei livros este mês, pelo portal Estante Virtual, daqui a pouco usarei o cartão de crédito, a maior invenção do século 20, depois da gilete e do computador, para comprar “Todos os Contos”. A edição, com capa dura, com os dois volumes numa caixa, tem a excelência da Companhia das Letras.

Euler de França Belém

É jornalista e historiador.