David Bowie foi um dos músicos mais singulares e influentes da história do rock e da cultura pop. Algumas de suas mudanças de direcionamento musical foram pioneiras e abriram caminhos que foram trilhados por outros artistas. Bowie, além de sua arte, possuía uma grande habilidade em chamar a atenção com sua imagem visual e conceitual. Nascido David Robert Jones, em 1947, em Londres, desde o início da década de 1960 participou de algumas bandas de rock, que não tiveram grande importância. Em 1967 decidiu adotar o pseudônimo David Bowie, para não ser confundido com seu homônimo David Jones, membro do grupo estadunidense The Monkees.
Seu primeiro álbum, “David Bowie”, foi gravado em 1968, com influências de music hall, do psicodelismo do Pink Floyd, do rock dos Kinks e da música folk. Em 1969, encantado pelo filme “2001, Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, Bowie compôs seu primeiro sucesso: “Space Oddity”, que nos trouxe o primeiro de uma bizarra galeria de personagens: o astronauta Major Tom. Este personagem esteve presente direta ou indiretamente, tanto na carreira de Bowie, como nas de outros artistas, desde sua criação até a morte de seu criador em 2016.
Seu segundo álbum, também chamado “David Bowie” — e mais tarde rebatizado como “Space Oddity” — foi gravado também em 1969 e não alcançou o sucesso esperado. Bowie cogitou largar a música para se dedicar ao teatro e à mímica. Logo após passou uma temporada nos EUA onde conheceu Andy Warhol.
De volta à Inglaterra lançou seu terceiro álbum “The Man Who Sold the World”, um trabalho que beira o hard rock e traz na capa um Bowie andrógino, de vestido e cabelos compridos, deitado num divã. O disco obteve um sucesso mediano, principalmente nos EUA.
A primeira guinada de David Bowie rumo ao estrelato aconteceu em 1971, com seu quarto disco “Hunky Dory”. Aqui ele consegue costurar suas diversas influências: Bob Dylan, Syd Barrett, música de cabaré, hard rock, com melodias envolventes e letras estranhas e surrealistas.
O animado rock “Changes”, primeira faixa do disco, fala sobre o que viria a se tornar sua marca registrada: a procura por constantes mudanças e reinvenções. “Queen Bitch” é um manifesto à ambiguidade sexual, que Bowie adorava alimentar sobre si mesmo.
O ponto alto dessa primeira obra-prima de David Bowie é “Life On Mars?” Uma canção sobre a solidão na adolescência, pontuada por uma melodia etérea e espacial; que ainda nos remete à percussão do poema sinfônico “Assim Falava Zaratustra”, de Richard Strauss, não por acaso presente na trilha sonora do filme “2001, Uma Odisseia no Espaço”. Na capa mais androginia: Bowie, de cabelos cor de laranja, posa de Greta Garbo.
O álbum conceitual de título quilométrico: “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars” foi lançado em 1972 e trouxe um dos personagens mais marcantes criados por David Bowie: Ziggy Stardust. Ele encarnou com tanta convicção a figura de Ziggy, que durante algum tempo suas identidades se confundiram.
A história contada no álbum é sobre um alienígena que chega à Terra para avisar aos humanos que o planeta será destruído dentro de cinco anos. O ET adota o nome de Ziggy Stardust e sua missão é conscientizar a humanidade com uma mensagem de amor e de esperança, de tal forma a reverter o fim do planeta.
Para melhor executar sua missão, Ziggy se torna um ídolo do rock, um novo messias, acompanhado pelo grupo The Spiders from Mars. O problema é que Ziggy chega à Terra bem no auge do desbunde pós-hippie, não consegue escapar das tentações hedonistas da primeira metade da década de 1970, e cai na farra e nos excessos de sexo (com mulheres e homens), drogas (todas) e rock ‘n’ roll (o glam rock). Ao final, um decadente Ziggy abandona seus propósitos iniciais e suicida-se.
O público do músico abraçou com tanto afinco o personagem, que se vestia e agia como Ziggy. Estava implantada a Ziggymania que deu um grande impulso a carreira de Bowie.
O álbum abriu um novo caminho para música de Bowie: num diálogo com o glam rock, “Ziggy Stardust” influencia e mostra direções, ao mesmo tempo em que recebe influências de nomes como T. Rex, Velvet Underground e Stooges.
Com “Ziggy Stardust” Bowie se firmou como ponta de lança das tendências roqueiras, papel que ele desempenharia muito bem durante toda a década de 1970 e início da de 1980.
“Pin Ups” foi gravado em 1973, no mesmo ano de “Aladdin Sane”, que por sua vez sucedeu ao estrondoso sucesso “Ziggy Stardust”, de 1972. Apesar de ser um álbum de versões, e do mau humor da crítica com relação a ele, é um trabalho com a marca pessoal de Bowie.
David Bowie faz aqui um resgate e uma homenagem a importantes grupos da cena londrina dos anos 60, como The Who, Kinks, Yardbirds e Pretty Things. Bowie contextualizou na contracapa do disco: “Estas canções estão entre as minhas favoritas do período ‘1964–1967’ de Londres. A maioria dos grupos tocava no circuito Ricky-Tick (era um ‘y’ ou um ‘i’?) de clubes (Marquee, eel pie island la-la). Alguns ainda estão entre nós”.
Ele recria à sua maneira as canções que foram escritas por outras pessoas e as transforma, respeitando as originais, em músicas completamente novas. Basta dois exemplos para entendermos isso: “See Emily Play”, do Pink Floyd e “Shapes of Things”, dos Yardbirds.
A mulher que aparece na capa ao lado de Bowie é a supermodelo dos anos 1960, Twiggy.
Um futuro distópico e sombrio, no qual as pessoas são vigiadas 24h por dia pelo “Grande Irmão” é retratado no romance “1984” do escritor inglês George Orwell. Uma crítica feroz à desumanização promovida por regimes totalitários, tanto à direita quanto à esquerda, que eram bem abundantes na época em que o livro foi escrito: 1948. Hoje as formas de dominação mudaram seu perfil, mas o recado do livro continua sempre atual.
As três máximas do partido dominante são: “Ignorância é força”, “Liberdade é escravidão” e “Guerra é paz”.
O livro de Orwell inspirou David Bowie a conceber um projeto de um álbum conceitual e um filme (ou peça teatral) baseados em “1984”. Por problemas de direitos autorais a ideia completa original de Bowie foi abandonada e restou apenas o álbum batizado “Diamond Dogs”, lançado em 1974.
Misturando os elementos narrados no livro com a própria visão de Bowie de um mundo pós-apocalíptico, “Diamond Dogs” é o instigante último trabalho da fase glam-rock de Bowie. Fortemente influenciado por seus trabalhos/personas anteriores “Ziggy Stardust” e “Alladin Sane”, com ecos dos Rolling Stones.
A capa que mostra, ao ser aberta, um ser metade Bowie (de cabelos em vermelho-toranja) e metade cachorro causou polêmica em suas primeiras edições por mostrar a genitália do ser mutante. O pomo da discórdia foi pudicamente escondido nas edições posteriores.
Em 1974, na turnê de promoção do álbum “Diamond Dogs”, Bowie estava tão magro, pálido e debilitado que ele mesmo disse pouco depois não saber como escapou vivo de tal rebordosa. Foi durante essa turnê que Bowie começou a dar mais ênfase à música soul — ele também havia se mudado para os EUA fazia pouco tempo — o que viria a resultar em mais uma guinada em sua carreira, dessa vez em direção aos ritmos afro-americanos, além do soul também o funk.
O primeiro fruto dessa nova fase é o álbum “Young Americans”, de 1975. Em seguida veio o excelente “Station to Station” (1976), que desenvolve a proposta com um resultado mais eficiente do que o seu antecessor. Se sua música ia muito bem, sua vida pessoal estava periclitante com o recrudescimento de seu vício em drogas.
No final de 1976 seu interesse pelo vigoroso krautrock alemão o leva se mudar para Berlim Ocidental. E a mudar novamente de rumos musicais.
Bowie começa então a trabalhar com Brian Eno e a juntar elementos de krautrock, ambient music, eletrônica e influências do Kraftwerk que resultaram num dos maiores marcos musicais de David Bowie: o álbum “Low”, lançado em 1977. “Low” é o primeiro capítulo do que viria a ser conhecida como a Trilogia de Berlim, completada por “Heroes” (1977) e “Lodger” (1979).
Ao contrário dos trabalhos anteriores de David Bowie, em “Low” não há histórias ou personagens a fornecer o fio condutor do álbum, e sim a exposição de um íntimo desesperado e que luta para sobreviver. Existem canções com letras minimalistas e fragmentárias (concentradas no Lado A) e longas músicas instrumentais (no Lado B). Apesar do estado de espírito do músico estar “para baixo” — daí o nome do disco — a música é inspirada e inspiradora com suas texturas e ambiências.
Os sintetizadores pilotados por Eno e Bowie dão a tônica do álbum com uma inteligência e uma inventividade que fizeram “Low” se tornar uma referência, para o bem ou para o mal, para grupos com sintetizador que vieram posteriormente. Sua abordagem composicional totalmente nova, graças em grande parte a Brian Eno, ajudaram a tornar “Low” um dos melhores — para muitos o melhor — e mais influentes trabalhos de Bowie.
A capa é uma imagem retrabalhada tirada do filme “O Homem que Caiu na Terra”, dirigido por Nicolas Roeg e protagonizado por David Bowie. O filme narra a história de um alienígena (Bowie) que vem à Terra em busca de água para salvar o seu planeta de origem.
Segundo o próprio David Bowie, ele queria que o dançante e pop álbum “Let’s Dance”, lançado em 1983, fosse um projeto único que gerasse alguns hits e aumentasse seu público. O sucesso realmente veio e em escala global e acabou forçando Bowie a continuar nessa linha por mais dois álbuns: “Tonight” (1984) e “Never Let Me Down” (1987), que não tiveram o mesmo êxito de seu antecessor. Bowie chamou esse período de “meus anos de Phil Collins”.
O ano de 1983 foi o ano de David Bowie, a música que dá nome ao álbum, “Let’s Dance”, era onipresente nas rádios e TVs. E o álbum ainda contava com mais dois hits: as ótimas “China Girl”, regravação de uma música anteriormente gravada por Iggy Pop, e “Modern Love”. Três canções de pop rock cheias de apelo dançante.
A faixa “Cat People”, escrita por Bowie e Giorgio Moroder, foi originalmente gravada por Bowie em 1981 para o filme “A Marca da Pantera”, de Paul Schrader. Uma música soturna, quase gótica. Bowie não pode usar essa gravação, por este motivo regravou-a em 1983 para “Let’s Dance”, mais rápida ao estilo do restante do álbum. A música foi posteriormente usada por Quentin Tarantino em seu filme “Bastardos Inglórios”.
Destaque para a participação do guitarrista Stevie Ray Vaughn em todas as faixas. Isto o ajudou a alavancar sua carreira. Sua guitarra, ao longo das faixas é sensacional e foi um diferencial para o álbum.
O álbum é, até hoje, o maior sucesso comercial de David Bowie. Por outro lado, “Let’s Dance” marca o início de um período de altos (poucos) e baixos (muitos) na carreira de Bowie, do qual ele só reergueria no início do século 21.