A segunda metade do século vinte não começou em 1951, mas 16 anos depois. Isso não chega a configurar um atraso, já que o século só teve início mesmo com o assassinato do arquiduque Franz Ferdinand, em 1914 — então a conta meio que fecha. Mas divago.
1967 é brutalmente injustiçado. Enquanto 68 continua a ser o emblema da década, por conta das manifestações de maio em Paris (entre várias outras referências, óbvio), o ano anterior foi simplesmente o terremoto: álbum de estreia do The Doors, Beatles lançando — num só ano! — “Sgt. Pepper” e “Magical Mistery Tour”, enquanto Stones atacavam de “Their Satanic Majesties Request”, lançamento de “Velvet Underground and Nico”, Pink Floyd com “The Piper at the Gates of Dawn” e fazendo seu primeiro concerto, Grateful Dead com o álbum homônimo, Jefferson Airplane com “Surrealistic Pillow”, Jobim e Sinatra gravando seu histórico disco juntos, início de carreira do Bowie e do Iggy Pop e muito, muito, muito mais. E a cereja do bolo, que é aonde eu queria chegar quando falei do começo do lado B do século: as 12 faixas de “Are You Experienced”, de um certo James Marshall Hendrix.
Tenho para mim que quando “Purple Haze” — a primeira faixa — começou a estrepitar nas pontas das agulhas das vitrolas, fazendo sacudir as caixas de som, enchendo ouvidos e corações e siderando milhões de almas, o século acordou e percebeu que o que tinha acontecido até ali já era irreversivelmente remoto, que os primeiros passos do rock, do blues e do som psicodélico tinham servido pra culminar na explosão daquele espetáculo inacreditável de melodia, harmonia, distorção e técnica. E cujos acordes, mais de 50 anos depois, manteriam a mesmíssima petulância e magia, sem envelhecer um segundo que fosse.
Aí o século, satisfeito, finalmente virou o disco. Já passava da hora.