Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe

Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe

Como é possível viver sem estar vivo? Manter-se de rancor sem um pingo de ternura e alegria? Tem pessoas que sobrevivem em um mar de lamúria, que transformam a vida em uma perda de tempo e faz de cada segundo uma obrigação de existir. Gente que parece ter ingerido um veneno em dose insuficiente para matar de uma só vez, então se arrasta, se contorce. E não adianta lhes falar de amor ou do dia lindo que está lá fora… Nada, absolutamente nada é capaz de arrancar a nuvem de tempestade sobre as suas cabeças.

Às vezes eles até espiam o colorido através das suas frestas, mas o cansaço de respirar e o desânimo por existir são maiores do que qualquer sopro de vida que alguém possa lhes oferecer gratuitamente.

Parece que estão à espera de um milagre, de um navio de resgate que irá lhes salvar da própria presença, que serão pescados para uma ilha dos milagres e, assim, poderão voltar a ser como foram um dia ou, quem sabe, se transformarão no que gostariam de ser. O curioso é que essas pessoas não fazem nada para sair do naufrágio no qual se encontram. O que eles não percebem é que a inércia não traz mudança.

Ora, infelizes somos todos nós, eu aqui e você aí. Sentimos raiva, nos indignamos com as reviravoltas da vida, por tantas vezes somos injustiçados, usados, descartados, inutilizados. Acreditamos em quem não deveríamos, desconfiamos de quem não merece a nossa cisma. Fomos traídos, nos decepcionamos, aproveitaram da nossa boa fé, nos acusaram impropriamente. OK, a vida não é um mar de rosas. E não é mesmo. Mas que as infelicidades e infortúnios não se sobreponham às alegrias e conquistas.

Viver é uma sucessão de erros e acertos, por vezes um tanto sem sentido, embora sempre oportunos para o nosso próprio conhecimento. Não precisamos entender o porquê da vida, nos basta viver inteiramente, querer plenamente, ser completamente. É inadmissível deixar que o espinho de uma flor destrua a beleza de todas as outras. Tristezas existem, sim, para serem curadas e adormecidas com doses de amor, abraço apertado de amigo e uma porção de sorrisos. Outros verões surgirão para aquecer a casa e o coração da gente.

Como pode estar vivo sem querer viver? Tantas pessoas lutando, se agarrando a um fio de esperança, um raio de luz que lhes dê a possibilidade de ver o sol nascer mais um dia, enquanto outros se fazem sobreviver numa existência miserável de pesares, mazelas e revoltas. Estão de mal com o mundo, de costas para quaisquer possibilidades de receber amor, afastados de toda oportunidade de ser um bocado feliz, nem que seja por um momento. Se atam à cama como se ela fosse lhes trazer o tempo perdido ou, por obra de uma graça, transportar-lhes ao futuro dos sonhos. Enquanto isso a vida está sendo desperdiçada a cada minuto de prostração.

Não existe mudança sem movimento. Portanto, se algo incomodar o melhor é tomar uma atitude, virar a mesa, quebrar a banca. Problemas existem para serem resolvidos e superados, não para que se tornem companheiros inseparáveis, atrelados numa dependência existencial.

Sejamos firmes para aguentar as pancadas que nos derrubam ao chão e confiantes de que sairemos mais fortalecidos depois de cada batalha. Mostremos a nossa cara e nossas cicatrizes sem medo ou vergonha do que já fomos, mas com muito orgulho do que nos tornamos. Sejamos inteiros de amor, completos e repletos de fé e esperança, acreditados no bem, na verdade, na igualdade e na gentileza. Não percamos a nossa coragem de seguir adiante nem a determinação de ser feliz, sempre, apesar de tudo e acima de qualquer razão.

*Título tomado de empréstimo de Oscar Wilde. Ilustração: Sandy Haight

Karen Curi

é jornalista.