Jiro Takahashi, o editor que criou a Coleção Vaga-Lume e transformou a leitura no Brasil Foto / André Argolo

Jiro Takahashi, o editor que criou a Coleção Vaga-Lume e transformou a leitura no Brasil

A famosa frase de Monteiro Lobato, “um país se faz com homens e livros”, para ser justa, no caso brasileiro, deveria ser acrescida de um detalhe que faz toda a diferença: “um país se faz com homens, livros e Jiro Takahashi”. Ele mesmo, o lendário editor da “Coleção Vaga-Lume”, da série “Para Gostar de Ler”, organizador de obras completas definitivas na Nova Aguilar, fundador da importantíssima editora Estação Oriente. Nesta entrevista, Jiro Takahashi fala de sua formação, de sua entrada no mercado editorial, de alguns de seus principais projetos, de sua vivência com escritores célebres como João Cabral de Melo Neto, de suas relações com a literatura oriental e muito mais.

Um filme sobre o editor americano Max Perkins, baseado na biografia escrita por A. Scott Berg, fez sucesso nos cinemas, revelando a influência de Perkins nas obras de autores como F. Scott Fitzgerald, Hemingway e Thomas Wolfe. Por um lado, o filme mostra como nem sempre essa importância é devidamente reconhecida pelo público e mesmo pela crítica; por outro, sugere que o editor deve ser tão invisível quanto possível. Como o senhor se posiciona quanto a isso?

Jiro Takahashi — Nesse aspecto, eu sempre gosto de lembrar que a atividade de um editor é uma atividade-ponte. Os dois pontos que o editor liga é que são essenciais: o autor e o leitor. O relevante trabalho do editor é aproximar autores e leitores. É muito gratificante perceber que um autor foi reconhecido pela crítica, que seus livros foram muito bem aceitos pelos leitores. Da mesma forma, também é gratificante ouvir, em uma entrevista a uma rádio, a cantora Fernanda Takai dizer que a leitura foi muito importante na sua formação artística e que gostava de todos os volumes da “Coleção Para Gostar de Ler”. Embora um editor possa ter elaborado o projeto editorial, coordenado todas as etapas da edição, desde a prospecção dos títulos até a colocação nas livrarias, a produção editorial é trabalho de uma equipe, mesmo que seja pequena. O autor escreve quase solitariamente, o leitor lê quase solitariamente, mas o editor produz o livro trocando ideias com o autor, com os colegas e tentando imaginar como o leitor irá acolher. Então é isto: o público não precisa reconhecer a figura do editor. É bom que ele reconheça o valor do livro e, consequentemente, do autor. É bom que ele marque, se possível, a editora do livro. Por isso, procuro evitar um pouco ter muita visibilidade na grande imprensa. Acabo aceitando preferencialmente participar de debates e mesas-redondas entre estudiosos e profissionais do livro e da literatura. Não defendo a invisibilidade, mas uma visibilidade discreta em harmonia com a discrição de um trabalho editorial.

Como o senhor começou sua vida de leitor? Era um “rato de biblioteca” em Duartina, sua cidade natal?

Jiro Takahashi — Devo a Duartina e a muitas pessoas meu gosto pela leitura. Devo muito a Duartina porque era uma cidade bem menor do que é hoje e vivia em uma época ainda sem televisão, e as diversões eram os programas de rádio, futebol na rua e livros em casa. Devo muito à minha família porque o livro era um objeto muito comum em casa. Meus pais liam muitos livros japoneses, o irmão mais velho da minha mãe era um poeta de tanka (foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Tanka), um dos irmãos mais novos da minha mãe entrou na faculdade de Direito do Largo São Francisco, escolhendo uma carreira não previsível para um descendente de japoneses à época. Menos previsível ainda é que esse tio talvez tenha sido o primeiro poeta da comunidade nipo-brasileira a publicar poemas em português. Nos anos 1950, ele publicou dois livros, muito bem aceitos pelos críticos da época, como Sérgio Milliet. No começo dos anos 1960, já assinava o Clube do Livro porque em Duartina não havia livraria. Lia todos os livros que vinham pelo Clube do Livro, ainda sem saber que nem sempre as edições eram integrais. Isso só fui descobrir bem mais tarde. A leitura não era uma coisa espantosa, achava que todos liam muitos livros, enfim, um entretenimento muito natural entre meus irmãos e amigos. Além disso, por sermos descendentes de japoneses, os professores ficavam muito em cima da gente porque seria natural que tivéssemos dificuldades com o português. Assim, eles nos estimulavam muito a ler como parte de superação dessas dificuldades.

O senhor cursou faculdade de Direito no tradicional Largo de São Francisco. Seu interesse por literatura foi importante nessa etapa de sua formação, lidando cotidianamente com áridos códigos de leis?

Jiro Takahashi — No fundo, não escolhi propriamente a carreira jurídica. Até perder meu pai, quando eu tinha 13 anos, nunca tinha tido dúvidas de que eu queria a medicina. Porém, com a sua morte, minha mãe, meus irmãos e eu tivemos de mudar para Marília, onde tivemos de trabalhar em uma indústria. Por pressão do trabalho, fui levado a cursar contabilidade. Um sonho de classe média na época era passar no concurso do Banco do Brasil. Com 17 anos, tive uma excelente aprovação no concurso, em grande parte, por causa do meu português. Tomei posse em São Paulo e fui tentar o vestibular para Direito, para aquilo que muitos chamavam na época de um curso para vocações frustradas. Na faculdade só levei a sério o movimento estudantil e, por tabela, o operário, muito agitado na segunda metade dos anos 1960. Foi a grande lição do curso, ir contra os códigos ditatoriais da época. Trabalhava de manhã no Banco do Brasil e estudava à noite na faculdade. Às tardes comecei a trabalhar na Editora Ática em janeiro de 1966. Desde então não larguei mais nem os livros nem as aulas.

O senhor é mestre em Letras pela USP. Qual foi o tema de sua dissertação?

Jiro Takahashi — Tentei concluir o mestrado três vezes. Uma vez, nos anos 1970; outra, nos anos 1980, mas sempre o trabalho intenso na editora me tirava do foco acadêmico. Na terceira vez, fui determinado a concluir, e escolhi uma área que não havia estudado antes: a semiótica literária. Minha dissertação foi “A semiótica na sinuca”, um pequeno estudo sobre os contos de João Antônio que tratam de jogadores de sinuca. O João Antônio foi um grande amigo e tinha falecido quando resolvi estudar esses contos. Seguramente ele iria achar a minha dissertação metida a besta.

Seu pai escrevia haicais, um de seus tios foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Tanka, poema tradicional japonês. A poesia parece estar no sangue da família. E o senhor, também se aventurou na produção de versos?

Jiro Takahashi — Pessoas que gostam de ler sempre experimentam alguma produção. Mas, no meu caso, como comecei a trabalhar muito cedo em editora, logo eliminei a possibilidade de virar escritor. Muitos escritores atuaram também como editores, mas eu nunca me senti confortável editando e tentando ser escritor. Acho que editor e escritor devem ser sempre parceiros, mas eu nunca consegui me ver como um doublé de escritor e editor. Ser editor e professor nunca foram problemas para mim porque trabalhei muitos anos como editor de livros didáticos e, na Editora Ática, estimulava-se que um editor desse aulas para acompanhar o uso dos livros em salas de aula pelos alunos.

Quais foram seus primeiros contatos com o processo de editoração e como entrou profissionalmente nesse mundo?

Jiro Takahashi — Como havia feito o cursinho preparatório para os vestibulares de Direito no Curso Santa Inês (que deu origem à Editora Ática) e como datilografava bem na época, acabei trabalhando meio período na Ática como datilógrafo de estêncil (na época os livros da Ática eram mimeografados, imaginem!). Depois, passei a revisar e a fazer um pouco de tudo na editora, que foi pouco a pouco crescendo. Ainda tentei ser tributarista em departamentos jurídicos de duas multinacionais, mas isso era árido demais. Acabei me firmando na Ática, onde trabalhei uns 25 anos.

O senhor já contou a história da reação do poeta João Cabral de Melo Neto quando recebeu nas mãos um exemplar de suas obras completas pela Nova Aguilar. Ele disse que, ao lado do dia de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, foi a maior emoção de sua vida. Surpreende por ser um episódio relacionado à figura de João Cabral, sempre apresentado como sinônimo de contenção artística e pessoal. O senhor, tendo convivido com ele, como o descreveria? Cabral era cabralino?

Jiro Takahashi — Até onde temos informações, José Aguilar, quando criou a Editora Aguilar, se inspirou na Bibliothèque de la Pléiade, fundada por Jacques Schiffrin. Na época, todos os grandes escritores franceses, inclusive André Gide, fizeram de tudo para ter suas obras reunidas nessa editora. Era um índice de consagração como autor clássico. Esse conceito acabou sendo vinculado à Editora Aguilar quando ela se estabeleceu no Brasil. Nos anos 1970, ela foi transferida para a Nova Fronteira, quando se alterou também o nome da editora para Nova Aguilar. Desde então, Sebastião Lacerda, editor de profunda formação cultural, foi quem manteve a editora até ser transferida para o grupo Global em 2014. Nos anos 1980, fui editor da Nova Fronteira e tive o privilégio de trabalhar com o Sebastião e pude auxiliá-lo em algumas edições da Nova Aguilar. Conheci João Cabral por ocasião da publicação de seu “Agrestes” pela Nova Fronteira. O testemunho da grande emoção sentida por João Cabral quando da publicação de seus poemas pela Nova Aguilar é de Sebastião Lacerda. Nas poucas ocasiões em que pude estar com João Cabral, ele sempre se mostrou muito afável, mas muito contido e discreto. Mas poder estar próximo de grandes autores, como João Cabral, Drummond, Clarice Lispector, Murilo Rubião, é um dos grandes privilégios do trabalho de editor.

O senhor sempre demonstrou especial atenção à parte visual do livro, seu design, sua iconografia. A coleção do Machado de Assis é um exemplo desse cuidado em juntar a tradição e o contemporâneo no tocante à visualidade. Quanto do “valor” de um livro está em seu projeto gráfico? Como o senhor organiza esse aspecto do trabalho de edição?

Jiro Takahashi — Pode ser que esta ideia já esteja sendo um pouco superada, mas, quando penso em livro, parto da ideia de que seu valor intrínseco é, de certa forma, intangível. Essa ideia me veio quando lia Wellek e Warren em sua velha “Teoria da Literatura”. Também ouvi de um dos meus maiores gurus em edição de livros, Érico Veríssimo, que o mercado editorial é feito de livros para serem vendidos e comprados. Articulando essas duas influências, percebi que, para se chegar ao valor intrínseco da obra, preciso ter o livro em mãos. O que equivale dentro de uma sociedade de mercado a dizer “preciso comprar o livro”. Para se comprar um livro, o leitor não vê em primeiro lugar o conteúdo, mas a forma material do livro, isto é, a capa, o formato, o papel, o design do miolo. Em geral, o leitor folheia o livro antes de comprá-lo. Por isso, sempre achei fundamental a empatia que o livro deveria criar com o leitor potencial pela sua materialidade. E no Brasil, um país em que ainda estamos formando leitores, acho isso mais importante ainda. Muita gente acredita estar difundindo o livro quando sacraliza o objeto livro. Penso no sentido inverso: acho que o livro deve ser algo que o leitor, principalmente o iniciante, curta em todos os sentidos, com todos os sentidos, que ele queira carregar junto para onde ele quiser. Nesse sentido, sempre trabalhei ao lado de grandes designers do livro, como Ary Normanha, Elifas Andreato, Chico Homem de Melo e muitos outros que a amizade que passei a ter com eles vai fazer com que eles me desculpem por não os mencionar aqui. Além disso, esse esforço meu fez com que muitos artistas plásticos topassem parcerias em vários livros que pude produzir, artistas como Siron Franco, Tomie Ohtake, Cássio Loredano, Lúcio Kume e muitos outros responsáveis pela beleza desses livros.

Em “O Cânone Ocidental”, o crítico Harold Bloom salientou que não trabalhou com literatura oriental por não se reconhecer capaz de estabelecer uma seleção potencialmente definitiva dessa produção. Reconhecendo que é de fato uma missão árdua, para o senhor, quais seriam alguns dos títulos fundamentais do cânone oriental?

Jiro Takahashi — Conheço muito pouco a respeito da literatura oriental. O pouco que sei da literatura japonesa veio dos livros que minha mãe lia e de buscar o que era acessível pelas traduções em português, francês ou inglês. Mais recentemente, a partir dos anos 1980, fui tentando ler mais os contemporâneos por minha conta e gostei muito do que li. Dos clássicos japoneses de todos os tempos, já tive em mãos “O Livro do Travesseiro”, de Sei Shônagon; “Genji Monogatari”, de Murasaki Shikibu. Dos autores e livros publicados a partir do século 20, conheço e admiro: “Rashômon”, de Ryunosuke Akutagawa; “Eu Sou Um Gato, Botchan”, de Natsume Sôseki; “Confissões de Uma Máscara”, “O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar”, “O Templo do Pavilhão Dourado”, de Yukio Mishima; “Musashi”, de Eiji Yoshikawa; “A Chave”, “Diário de um Velho Louco”, de Junichiro Tanizaki; “O País das Neves”, de Yasunari Kawabata (Prêmio Nobel); “Uma Questão Pessoal”, “Jovens de um Novo Tempo, Despertai!”, de Kenzaburo Oe (Prêmio Nobel); “Caçando Carneiros”, “Norwegian Wood”, “Kafka On The Shore”, “1q84”, de Haruki Murakami; “Uma Pálida Visão dos Montes”, “Um Artista do Mundo Flutuante”, “Vestígios do Dia”, “Quando Éramos Órfãos”, “Never Let Me Go”, de Kazuo Ishiguro, que, apesar de nascido no Japão, é um autor da literatura inglesa; “Kitchen”, “N.P.”, de Banana Yoshimoto; “69”, de Ryu Murakami; “Snakes and Earrings”, de Hitomi Kanehara.

As coleções “Vaga-Lume”, “Para Gostar de Ler” e “Bom Livro” marcaram várias gerações de leitores brasileiros. Não só como iniciação à leitura, mas, em muitos casos, principal ou única leitura, considerando as estatísticas sobre consumo de livros no Brasil. Como se deu a concepção desses projetos?

Jiro Takahashi — A série “Bom Livro”, a primeira série literária paradidática da Ática, foi criada, se não me engano, em 1968, em grande parte porque a editora era quase um departamento que atendia à demanda do Curso de Madureza Santa Inês, dos mesmos proprietários. Na época, os alunos de Madureza prestavam exames em colégios públicos para obter seus certificados. Como havia exigência do conhecimento dos clássicos da literatura portuguesa e brasileira, a editora viu uma boa oportunidade de criar uma série com os clássicos em domínio público. A novidade foi inserir uma “ficha de leitura” porque os professores na época exigiam um fichamento dos livros que os alunos liam. Para facilitar, um tio meu, Yoji Fujyama, professor do curso de madureza, criou essa ficha, que servia para todos os livros. Mais tarde, como todas as editoras também tinham uma ficha semelhante, pensamos em criar uma ficha específica para cada livro e mudar o nome para “Suplemento de trabalho”. Coincidiu com a criação desse suplemento a ideia de se criar uma série específica para a leitura extraclasse dos alunos do primeiro e segundo graus. De certa forma, a interpretação do contexto educacional do início dos anos 1970 nos levou a pensar na série “Vaga-Lume”. Como entendemos esse contexto? Na época, houve uma grande reforma de ensino que tornou obrigatório o ensino do primeiro grau, da 1ª à 8ª série. Até aquele momento, o ensino era obrigatório apenas até a 4ª série do primário. De repente, havia praticamente dobrado o número de alunos da 5ª em diante. Além disso, não havia nem professores em quantidade suficiente nem materiais adequados para a nova realidade. Sentimos que, para esse novo público, a leitura de clássicos, como Machado, Alencar, Raul Pompeia, seria um salto exagerado. Havia necessidade de leituras mais adequadas ao interesse, ao repertório, ao gosto desse novo público. Nada melhor, então, que fôssemos buscar autores contemporâneos. Na verdade, em alguns casos, tivemos de incluir livros que não haviam sido inicialmente dirigidos a esse público. Eram os casos de “Éramos Seis”, de Maria José Dupré, “O Cabra das Rocas”, de Homero Homem, “O Escaravelho do Diabo”, de Lúcia Machado de Almeida. Testamos a leitura desses livros com alunos e percebemos que o enredo, as personagens e a linguagem eram compatíveis com o gosto dos alunos.Para criar um comprometimento interno e externo, tomamos algumas medidas. Internamente, fizemos um concurso para a escolha do título da coleção e do layout da capa. O nome “Vaga-Lume” foi escolhido por colegas nossos em concurso interno. Nenhum mérito do departamento editorial, portanto. Externamente, utilizávamos leituras experimentais com inúmeras classes em escolas públicas, às vezes, com mais de três mil crianças. Além disso, professores faziam indicações de títulos que achavam interessantes para as crianças e participavam da elaboração das atividades dos “suplementos de trabalho”, que tinham caráter essencialmente lúdico, não avaliativo.

“A Coleção Para Gostar de Ler” nasceu de um telefonema de um amigo, grande poeta e professor Affonso Romano de Sant’Anna. Ele morava muito perto de Rubem Braga e os dois conversavam muito. O Affonso me repassou um comentário meio melancólico do grande cronista sobre o fato de suas crônicas serem muito lidas por crianças (pois suas crônicas estavam presentes nos livros didáticos) e de seus livros terem vendas muito limitadas. A partir desse comentário, começamos a pensar em reunir as crônicas mais lidas pelos estudantes em livros concebidos para que eles gostassem de ler. Além da qualidade dos autores, um ponto que foi fundamental, a meu ver, para a grande aceitação da coleção foram as leituras experimentais que fizemos com três mil estudantes. Para cada volume, editávamos uma edição experimental com o dobro de crônicas que fariam parte do volume e os estudantes escolhiam as que davam mais prazer em ler. Foi uma coleção feita em colaboração com o público a que se destinava. Isso pode explicar a sua grande aceitação.

Como se dava o processo de escolha das obras da “Coleção Vaga-Lume”? Os autores eram convidados? Enviavam os livros para ser avaliados? Havia critérios a ser obedecidos na concepção das narrativas?

Jiro Takahashi — Na época, havia os dois movimentos de prospecção dos títulos. Havia uma grande quantidade de originais que nos chegavam dos autores, dos professores que indicavam livros e dos divulgadores da editora que viam certos livros sendo utilizados nas escolas que visitavam. Havia também casos de nós convidarmos autores que demonstravam muito interesse em escrever para o público juvenil. Foi o caso, por exemplo, de Marcos Rey, que escrevia romances adultos, roteiros para cinema e televisão. Depois que ele passou a escrever para o “Sítio do Picapau Amarelo”, revelou uma grande vontade de participar da “Vaga-Lume”. Com a experiência que ele tinha de escrever sinopses antes das novelas, passou a fazer isso com seus livros na Ática. Submetíamos a sinopse para testes de interesse com os estudantes, que chegaram a dar várias sugestões para os livros. Chegaram a sugerir, por exemplo, mais personagens femininas nos livros. Outra sugestão que foi acatada pelo Marcos foi a de criar uma personagem cadeirante, fundamental para elucidação de alguns crimes.

Alguns títulos da “Coleção Vaga-Lume” chamavam atenção pela qualidade literária, tais como “O Feijão e o Sonho” e “Éramos Seis”, extrapolando muito o que se espera de uma obra infantojuvenil. Foi uma preocupação sua incluir títulos de excelência na coleção?

Jiro Takahashi — Como disse antes, alguns livros não tinham sido publicados especificamente para o público juvenil. Achávamos que algumas obras de literatura para o público geral poderiam ser muito bem apreciadas pelos estudantes. Esses livros que você mencionou exemplificam essa postura.

O personagem Luminoso era o mestre de cerimônias da “Coleção Vaga-Lume”, apresentando os livros em breves histórias em quadrinhos. O senhor, em algum momento, foi leitor de quadrinhos? Qual sua opinião sobre a polêmica questão sobre quadrinhos ser ou não ser literatura?

Jiro Takahashi — Sempre gostei muito de quadrinhos. Acho que “lia” os gibis antes de aprender a ler. Na época, a gente entrava na primeira série apenas com 7 anos. Ainda no início dos anos 1970, muitos educadores eram contrários ao uso dos quadrinhos na escola. Mas sabíamos que era a leitura espontânea das crianças. Por isso, a apresentação de cada volume da “Vaga-Lume” era feita em quadrinhos e na orelha do livro, para tirarmos proveito da impressão em cores. O “Luminoso” é criação de Edu (Eduardo Carlos Pereira), grande artista plástico e ilustrador de quadrinhos. Sobre quadrinhos serem ou não serem literatura, sem grandes pesquisas sobre o conceito acadêmico de literatura, acho que, na prática, não deixam de ser um gênero literário. Há muito tempo que temos obras literárias que trabalham com o semi-simbolismo. Basta mencionar “O Pequeno Príncipe”, com desenhos do próprio autor articulados com o texto. Está certo que não constituem quadrinhos no sentido moderno, mas a articulação do texto e imagem no livro de Saint-Exupéry constitui a obra literária.