Se você não escolhe a sua vida, alguém escolhe por você

Lembra daquele jogo de tabuleiro que avançávamos tantas casas, depois voltávamos ao princípio, ficávamos ricos e, logo em seguida, pobres? A vida funciona mais ou menos assim. Os problemas surgem e a existência nos cobra uma decisão. Cabe a nós escolher as saídas, optar por ter filho ou comprar uma bicicleta, decidir pela fortuna ou pela família. Tem gente que possui o dom de ganhar mais do que perder. Talvez nem seja dom, e sim algum motivo de sorte ou sabedoria, dedicação, quem sabe, destino.

Eu sei que um dia, entre a cruz e a espada, somos pegos pela dúvida de qual caminho seguir: o que nós queremos ou o que os outros nos impõem? A resposta é: se você não escolhe, alguém escolhe por você. Simples assim. É desse jeito que a dinâmica funciona. Ou você é um jogador ou é um expectador da própria vida.

É inacreditável como as pessoas pensam saber quem são e o que querem para si. A verdade é que a grande maioria delas sabe apenas de onde vieram e o que não querem. São as vivências e as memórias que criam a identificação com um passado e dão a certeza para as intenções futuras. A vida é um constante processo de construção e reformulação do ser. Alegrias, traumas, medos, sonhos e tantas outras coisas vão se impregnando na gente, desencadeando um alguém distinto a cada tanto. Por isso ninguém é de um mesmo jeito o tempo todo e para sempre. As pancadas nos endurecem, enquanto as gentilezas nos abrandam. E, nesse jogo de quente e frio, vamos nos moldando, engenhando e tomando algum tipo de forma.

Nascemos desprovidos de qualquer conhecimento e ao longo dos anos vamos compondo quem somos. Vivemos uma aprendizagem inerente e contínua, portanto, decerto é que todos nós somos criaturas imperfeitas e egocêntricas. Recheados de virtudes e fraquezas, pontos fortes e fracos, somos um tanto de bondade e outro bocado de maldade. O que eu não acredito é que haja uma superioridade definida, um ser acima do bem e do mal. Não aceito a ideia de que alguém seja sublime a ponto de sentir-se dono de uma razão absoluta, muito menos de obrigar o outro a tomar uma decisão, nem dizer-lhe se está certo ou errado. Cada um tem os seus motivos, experiências e golpes, e não é de direito forçar ninguém, mesmo de forma implícita, a decidir a sua vida com base nos próprios anseios. Nossa individualidade é a nossa identidade. Somos seres pensantes munidos de poder de decisão, sobretudo, com a nossa existência.

É muito difícil para algumas pessoas assumir que está em determinada posição porque quer, ou quis, porque foram feitas escolhas, porque os desejos foram seguidos. É mais confortável repetir o discurso do abandono, fazer-se de vítima, pôr a culpa em alguém pela situação em que se encontra. É mais cômodo se eximir da responsabilidade com a própria vida e passar o compromisso para quem estiver por perto.

Aliás, temos a tendência de botar a culpa no outro ou assumir a culpa do mundo. Se você perdeu o emprego foi por conta do seu chefe, se o relacionamento terminou foi porque não te compreendia, por ciúme, suas manias, o que for. Em contrapartida, você se punge por não fazer uso da liberdade em prol do companheiro, se frustra porque lhe acusam de descaso e abandono, se lamenta pelas escolhas passadas e o que elas trouxeram ao seu presente… Então, vai levando a vida disparando culpas e se agarrando a outras.

Quem não sente culpa? Eu sinto e sei que você aí também sente. Não adianta. É pertinente ao ser humano. Eu penso que nunca nos livraremos dela. Por alguns momentos carregaremos aos montes, até que as costas não aguentem mais o peso de suas toneladas. Em outros, despejaremos pelas ruas, nas beiras de estrada, como um algo que já não nos serve.

Talvez a culpa seja uma manifestação da voz da consciência, uma espécie de resposta às chamadas da responsabilidade. Responsabilidades estas que assumimos como nossas ou que delegamos aos outros. Mas, ora, por que fazemos isso conosco e com as pessoas? É compreensível sentir-se culpado pela própria infelicidade, mas daí receber a culpa pelo infortúnio alheio é demais. Não, definitivamente não é justo.

Seria tão mais fácil se cada indivíduo tivesse a sua bula! Imagina? Todos com as suas posologias, indicações, efeitos colaterais e uma cartilha sobre como proceder em caso de superdosagem, ou reações adversas. Seria menos descomplicado conviver dessa maneira e mais simples de lidar com as pressões sobre as nossas cabeças, com as imposições, os dedos apontados, a voz de comando ou a até mesmo a capacidade de se fingir de morto.

A vida é feita de escolhas e cada uma tem as suas perdas e os seus ganhos. É impossível acertar sempre, vencer todas as batalhas, inclusive aquelas que travamos contra nós mesmos.

Independente de qual o destino, o que importa é embarcar. Na vida nós temos duas opções: ir ou desistir. Quando desistimos deixamos que os outros decidam por nós, e aí só nos resta, lá na frente, lamentar e culpar quem fez a escolha. Se for para quebrar a cara, que seja por ter jogado, sentido, vivido.

A vida é feita de escolhas. A vida é feita para viver. Quem manda na minha vida sou eu.

Karen Curi

é jornalista.