Eu não gosto de dar palpites na vida dos outros. Mas eles insistem em pedir e confesso: o voyeurismo financeiro me atrai. E a literatura também. Daí que resolvi repartir com você algumas das histórias reais e suas analogias literárias.
Madame Bovary dos Jardins não tinha amantes, mas tinha dívidas. Quando me escreveu estava numa tristeza comovente. O coração dilacerado porque sabia que o marido a traía. Ele passava horas no banheiro agarrado ao celular. E como sabia que se tratava de uma traição?
Graças aos avanços da tecnologia, foi bisbilhotar suas mensagens no WhatsApp, o maior criador de casos dos tempos atuais. Fica aqui um alerta, se não quiser que seu relacionamento desmorone, fique longe das mensagens do seu parceiro.
Foi então que ela descobriu que o marido conversava com uma colega de trabalho. Poderiam não ter trocado fluidos, mas certamente isso era uma questão de tempo. A santa de Moema que encantava seu marido era perfeita. Sem graça, mas pagava as contas em dia, o que para seu marido era sinônimo de mulherão.
Já ela não sabia sequer onde estavam os boletos, pagar então era um verbo que ela tinha pouca intimidade. Não porque fosse caloteira, mas era muito desorganizada. E a desorganização financeira é cruel. Daí que as dívidas se acumulavam, o custo aumentava, os credores não paravam de ligar e seu marido cada vez mais perdia o interesse por ela.
Como Madame Bovary, ela gastava sem cerimônia, sem planejamento e caminhava para o abismo financeiro. Não sou uma especialista, mas sempre defendi a tese de que foi a dívida impagável e não a descoberta do adultério que levou Madame Bovary à morte. O clássico de Gustave Flaubert escandalizou a sociedade francesa no século 19 e ele chegou ao banco dos réus, acusado de ofensa à moral e à religião, para defender-se do comportamento pouco ortodoxo de sua heroína em relação ao casamento.
Mas para mim, o adultério estava bem resolvido naquele casamento. O que foi fatal foram as dívidas.
Quando Charles, arrasado pela notícia da apreensão, entrara em casa, Emma acabara de sair. Ele gritou, chorou, desmaiou, mas ela não voltou. Onde poderia estar? Mandou Félicité à casa de Homais, do Sr Tuvache, de Lheureux, ao Leão de Ouro, a toda parte; e, nos intervalos de sua angústia, ele via sua reputação aniquilada, a fortuna perdida, o futuro de Berthe destruído! Por que motivo?… Nem uma palavra!
Esperou até as seis horas da tarde. Enfim, não aguentando mais, imaginando que ela partira para Rouen, tomou a estrada principal, andou meia légua, não encontrou ninguém, esperou mais um pouco e voltou.
Ela havia regressado.
— O que houve?… Por quê?… Explique-me!…
Ela sentou-se à sua escrivaninha, escreveu uma carta que fechou lentamente, acrescentando a data e a hora. Depois disse em tom solene: — Você vai lê-la amanhã; de agora até então, eu lhe peço, não me faça nenhuma pergunta!… Não, nenhuma!
Ilustração: Young Lady in a Boat, do pintor francês que ilustrou uma das capas icônicas de Madame Bovary.
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