Se não for para falar de amor, não me mandes nudes

Se não for para falar de amor, não me mandes nudes

Não me mandes nudes. Manda uma foto de um livro que estejas lendo, de um cigarro que estejas largando, de um novo vício que estejas indicando. Para bom entendedor, os olhos dizem mais do que as palavras. Não me mandes nudes. Explica como é que Jesus foi parar no alto de uma goiabeira. Diz se Elvis já está voltando. Conta as canções tu cantas debaixo do chuveiro. Não me mandes nudes. Confessa em quem votaste para presidente da república. Preciso saber com que tipo de pessoa estou lidando. Não me mandes nudes. Fala se já pensaste em vender o teu carro, se tinhas a pretensão de pedalar até o trabalho, se já planejaste juntar as economias e mudar deste país. Jamais vivi tamanho desencanto. Não me mandes nudes. Declama um poema que fale de encontros, de desencontros, de pessoas, enfim; pode ser “Tabacaria”, de Fernando Pessoa. Envia-me um cheque nominal em branco com um arco-íris desenhado nele. Não me mandes nudes. Desabafa se também sentes uma incontida vontade de chorar quando a chuva cai sobre a tardezinha de um dia difícil. Não me mandes nudes. Indica uma personagem do cinema que tu serias, se tivesses a coragem suficiente para deixar de ser quem tu és. Não me mandes nudes. Chama-me de terraplanista. Joga-me contra a parede. Só o humor salvará das trevas a nação, o amor e as lagartixas. Faz-me chorar de rir, que eu já sorri muito, mas, foi de desespero. Admite se já pensaste em doar o teu sangue por uma causa perdida ou se já cogitaste te matar, só para ficar com a falsa impressão de que controlas o teu destino. Não me mandes nudes. Confirma se o teu bumbum já sorriu hoje para os operários da construção civil, se o silicone invadiu o teu corpo sob estratégias militares e se aprovas o implante imediato de felicidade no coração de toda a gente. Não me mandes nudes. Responda se já escreveste um livro para leitores cegos-de-paixão, se já plantaste filhos nas searas do amor, se já conversaste com uma árvore quando não havia viva alma por perto. Não me mandes nudes. Explica-me por A + B se a educação das novas gerações é a única saída para o Brasil velho-de-guerra. Aponta para onde estamos indo e se, na tristeza deste aparente excesso de passado, existe algum futuro para a humanidade. Esclarece que rumo devo tomar para me perder nas voltas desses teus novelos. Confessa que já leste as mãos de uma cigana, por mera desconfiança, e nas linhas estava escrito que ela só dizia verdades. Não me mande nudes. Conta com quem tu sonhas quando estás desperta, com quem tu contas quando bate o desespero e quem tu vês quando estás apenas a alucinar. Resume como se faz para se contentar com o pouco. Sugere que roupa se deve usar para o funeral de um grande amor que sucumbe por inanição. Não me mandes nudes. Veste a roupa simplória que compraste numa loja de conveniências e dize-me, de uma vez por todas, por mais que isso pareça inconveniente, quem na verdade tu és quando ninguém está olhando. Se não for para falar de amor, por favor, não me mande nudes.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.