Rubens Figueiredo praticamente reinventou o super-romance “Anna Kariênina” — do conteúdo (mais preciso e fluente) ao título (o anterior era “Anna Karenina) —, de Liev Tolstói, para os leitores de Língua Portuguesa. Antes, no Brasil, se lia o livro a partir de uma tradução do francês (às vezes, Tolstói parece mais francês do russo). Figueiredo, também prosador de qualidade, traduziu o livro diretamente do russo, com extrema perícia (mesmo quem não sabe russo tem como perceber uma nova fluência no texto, assim como nas traduções de Dostoiévski feitas por Paulo Bezerra).
Agora, dezesseis anos depois da tradução da Cosac Naify, os leitores patropi podem ler uma nova tradução de “Anna Kariênina”. O autor da proeza é Irineu Franco Perpetuo, conhecido pela perícia na tradução de outros escritores russos, como Mikhail Bulgákov (“O Mestre e Margarida”) e Vassili Grossman (“Vida de Destino”). Sua tradução sai pela Editora 34, com 864 páginas, com prefácio de Thomas Mann.
Se há uma tradução de qualidade, como a de Rubens Figueiredo, é mesmo necessário uma nova tradução? Claro que sim. Obras-primas emblemáticas, como “Anna Kariênina”, merecem mesmo duas ou mais traduções. Não para que se possa sugerir: “A atual é melhor do que a anterior”. Não é bem assim. Na verdade, novas traduções, que ganham com as traduções anteriores e a expansão da fortuna crítica, são úteis para iluminar romances de grande valor, como o de Tolstói. Talvez seja possível dizer que a tradução de Irineu Franco Perpetuo vai “iluminar” a de Rubens Figueiredo — o que não é o mesmo que esvaziá-la ou colocá-la para escanteio. As duas certamente merecem figurar nas estantes dos amantes da literatura russa. Boas traduções estabelecem certo “diálogo”.
Rubens Figueiredo prefere “Liev” e Irineu Franco Perpetuo grava “Lev”. O que, a rigor, não tem importância.
O romance de Tolstói contém uma frase famosa, logo no início do primeiro parágrafo: “Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”.