“Vamos passear na floresta, enquanto ‘seu’ lobo não vem”… Era assim a letra da canção que todos entoávamos na infância. Ardia de vontade de ficar na rua um pouco mais até que ‘seu’ lobo viesse e eu pudesse, finalmente, conhecê-lo. Mas havia o cuidado dos pais que nos botavam pra dentro, nos protegiam do encontro. Claro que o menino raramente o vê na infância, mas quantos lobos encaramos depois de adultos! Primeiro descobrimos que ele vem sempre; segundo, sobra cada vez menos floresta onde passear. Ferozes, nos ameaçam com o pior que pode acontecer a um homem — passar a vida em branco, não ser ninguém, não revelar nunca sua verdadeira alma, ser sempre uma mera peça da sofisticada engrenagem social — a floresta.
Hoje, adultos, somos uns desamparados, permanentemente confrontados com lobos diversos, ganhando de uns, espantando com outros, mordidos sem apelação. Sofremos para crescer e a infância perdida é o reconhecimento de que ‘seu’ lobo tem muitas caras, muitas vidas e, com os modernos recursos, se disfarça de cordeiro melhor que nunca.
Quais e quantas caras tem o lobo? Depende da floresta por onde se anda.
Mas, algumas são conhecidas de todos nós, caras manjadas de lobos antigos que se eternizam nos meandros da sociedade.
Por exemplo: ‘seu’ lobo canalha, ladrão, esperto, dissimulado e bem informado que engana cordeiros, galga postos e cujo lema é “eu quero é rosetar” seja lá o que isto signifique. Que melhor exemplo que o dos políticos medíocres e bufões que há anos elegemos, permitindo que nos roubem e ainda por cima incensando suas pessoas? Por algum secreto conteúdo infantil, temos medo do lobo, o apoiamos nas suas canalhices e o mantemos por meio de eleições, os mesmos de sempre passeando na floresta.
Sim, há versões psicanalíticas que provam que, muitas vezes, o cordeiro se identifica com o lobo, o agredido com o agressor, a vítima com ‘seu’ algoz. De fato o bicho tem muitas facetas, sem falar do lobo secreto que cada um mantém bem alimentado dentro de si, como a burrice proposital, a futilidade, superficialidade e a alienação.
Lobos são metáforas perfeitamente decifráveis, sem psicologismos. Quando na infância nos contam a história do Chapeuzinho Vermelho engolida pelo lobo que a seduz na floresta, os adultos estão nos informando que confiar em todas as pessoas nos faz, ingenuamente, cair em suas armadilhas.
É perigoso permanecer ingênuo toda a vida. Descobrimos logo. Mas mesmo aprendendo a identificá-los, nunca imaginaríamos que nível de sofrimentos viveríamos nessa luta contra lobos. A cada dia conhecemos uma nova modalidade de medo e novas espécies deles.
A violência terrorista que assistimos diariamente revela uma máscara sem rosto, vaga e onipresente que Nostradamus chamou de “o grande lobo que virá do Oriente”. Esses se multiplicam numa velocidade insana.
A floresta não nos pertence mais, não podemos passear nela enquanto ‘seu’ lobo não vem e a ingênua pele de cordeiro nem assenta mais nos verdadeiros lobos que encaramos diariamente em nosso trabalho, nas relações interpessoais, nas muitas negativas que se interpõem entre nós e nossos objetivos.
Todo limite, toda mediocridade, toda dificuldade são ângulos novos, máscaras contemporâneas bem elaboradas e dissimuladas.
Para os que não abrem mão de passear na floresta a luta é permanente, saem de casa sem saber se voltam e, quando saem têm que estar dispostos a usar cotoveladas para abrir caminhos e fazer frente ao lobo do NÃO. Qualquer não.
Claro que cada um desenvolve sua tática de luta: alguns com a palavra e a verdade; outros com a denúncia, o apontamento e a execração, a inteligência, a ironia, a ridicularização dos lobos — todas armas poderosas.
Até quando teremos que lutar? Sempre.
Eles também se defendem e desenvolvem há séculos disfarces clássicos como a traição, a deslealdade, os sorrisos hipócritas, a inveja, as acusações gratuitas, ódios viscerais e instintivos, violência, burrice, futilidade, ladroagem, corrupção, enganação, cinismo, falsidades, etc…
A obra de Shakespeare está cheia de lobos assim.
Não acredite em mim, leitor, leia os jornais com olhos de águia, eles estão lá.
Existem lobos simpáticos e doces, gentis e prestativos, humanos e inteligentes, alegres e incentivadores, amigos e afetivos. Você é que terá que reconhecer se são máscaras ou não — e reconhecê-las é tarefa difícil que pode levar uma vida inteira.
É preciso amadurecer para compreender a letra tão simples de uma canção infantil. Agora sabemos, finalmente, porque “íamos brincar na floresta enquanto ‘seu’ lobo não vinha”.
Contrapondo-se a eles existem as crianças que são os honestos, os trabalhadores, os criadores, os positivos, os inteligentes, os úteis, os entusiasmados, os autênticos, os grandes artistas, os verdadeiros homens públicos empenhados em melhorar o mundo.
Hoje, mesmo com os lobos ganhando quase sempre — homens-crianças nunca desistem da luta — inexoravelmente eterna.
Como esse artigo pode ser lido pelos dois lados, crianças adultas e os lobos — desejo bom combate a ambos.