Eu assisto à cerimônia de entrega do Oscar desde 1978. Não estou sozinho: em 2020, apesar da queda de audiência um exército de espectadores assistiu comigo. E a cada ano, com meus olhos ardendo de sono, eu sempre me perguntei “por que fazemos isso?” Qual é a graça de ver essa festa com discursos esdrúxulos e roupas bizarras? Meu Deus, Bjork vestida de cisne, alguém lembra? E que tal Cuba Gooding Jr. surtando nos agradecimentos?
Até que achei uma pista para a resposta. E ela começa na revista que eu mais desprezo no mundo: a “Revista Caras”. Você já esteve entediado na recepção de um consultório médico? Então já pegou uma “Revista Caras” para folhear. Notou uma coisa curiosa? Ela não tem índice. E por uma razão óbvia: você não LÊ a “Revista Caras”. Você apenas folheia. Ela não é feita para te informar, mas para te anestesiar. Você mergulha em um mundo onde tudo é incrível e perfeito. Se uma BBB lança uma biografia de futilidades a “autora” ou “autor” são retratados como se fossem Jorge Amado. Na “Revista Caras” até o Dado Dolabella é um grande ator. E na casa de ninguém tem louça suja. Como pode?
Segundo os autores de “A Vida Como um Filme”, todos nós temos uma existência modelada pela ideia de “existir na mídia”. Nós, no fundo, esperamos ter a nossa própria vida exposta. Nosso dia a dia já é coreografado e editado para agradar nossa “plateia”. Você mostra suas fotos de viagem e, uau, tudo é sempre lindo e inesquecível. #gratidãoforever. Lógico, você deixou de fora o jet lag, a mala perdida e a briga que teve com a(o) namorada(o).
Ninguém assiste ao Oscar para se informar sobre cinema. É uma cerimônia em que você “folheia” imagens daquilo que supomos ser o mundo do cinema. Que, por sinal, está bem longe de ser apenas um carpete vermelho cheio de sorrisos brilhantes. Cinema é feito de sangue, suor e lágrimas. De atores que dão chilique (como Christian Bale) e editores que tomam “aditivos” para varar a noite trabalhando. Em Hollywood o povo também tem dor nas costas. Só que ninguém mostra.
E a cada ano, milagrosamente, todos estão ali, fazendo cover de Miss Universo, agradecendo uns aos outros e pedindo a paz mundial. Aceitamos a ilusão de que a festa é naturalmente perfeita. E não um espetáculo falso como tênis paraguaio. Já aceitamos que a vida moderna é só aparência e filtro de Instagram.
Mas quer saber qual é a minha razão para ver o Oscar? Porque espero ver algo inusitado, um tropeço. É como acompanhar uma corrida de carros. Ninguém torce para rolar um acidente. Mas quando rola… parece que tudo fica mais excitante, mais verdadeiro. Porque um acidente coloca aquele espetáculo de precisão de volta ao caos que é a vida.
É algo parecido que espero do Oscar todo ano. Um cara pelado correndo. Ou o humorista Louis C. K anunciando, de forma hilária, o Oscar de melhor documentário curta-metragem (se o seu inglês estiver ruim, ative as legendas traduzidas).
Claro, pode ser que a gente assista apenas para ter aquela sensação besta de estar torcendo por algo junto com outros milhões de espectadores. No ano passado eu torcia por “Parasita” e “1917”. Nesse ano eu decidi não torcer por ninguém. Gostei de “Meu Pai”, mas senti sono em “Os 7 de Chicago”. E achei “Mank” tão visualmente bonito quanto vazio.
Aliás, nem adianta torcer. O Oscar não é um prêmio justo. “Crash” e “Guerra ao Terror” faturaram Oscars de melhor filme, mas nenhum filme de Kubrick ganhou. A festa é assim mesmo. É como a vida: injusta, fútil, falsa e, de vez em quando, tem gente pelada correndo. E é do cara correndo pelado que a gente vai se lembrar pro resto da vida.