O Dia Mundial do Livro é comemorado em 23 de abril, em alusão ao dia em que nasceu o escritor espanhol Miguel de Cervantes, autor de Dom Quixote, uma das principais obras da literatura de todos os tempos. Além do nascimento de Cervantes, a data marca a morte de William Shakespeare em 1616. Para os leitores aficionados, a Bula reuniu em uma lista os 20 livros mais impactantes dos últimos 50 anos, publicados após 1970. As obras foram selecionadas a partir de uma enquete realizada com os leitores e colaboradores da Revista Bula. São leituras com reflexões profundas, instigantes e capazes de mudar uma vida. Entre os livros, estão o distópico “Submissão” (2015), de Michel Houellebecq; e o romance de cunho autobiográfico “Tia Julia e o Escrevinhador” (1977), de Mario Vargas Llosa. Os títulos estão organizados por ano de lançamento: dos mais recentes aos mais antigos.

Perto de uma pequena cidade turca, um escavador de poços e um aprendiz são contratados para procurar água num terreno baldio. À medida que cavam o poço, sob um calor abrasador, vai-se desenvolvendo uma forte ligação entre ambos, como se fossem pai e filho. Os dois trocam histórias que refletem diferentes visões do mundo. Contudo, o desejo e o medo do desconhecido fazem com que o protagonista tome uma atitude completamente inesperada que mudará para sempre o rumo de sua vida. Com rara habilidade narrativa, Orhan Pamuk constrói mais um romance memorável sobre as relações humanas e o poder que pequenas decisões exercem em nossa trajetória.

A história se passa em um futuro próximo: as eleições presidenciais da França, em 2022. François, um professor universitário, vê com indiferença os acontecimentos políticos e decide se isolar no campo. O país está dividido e o recém-criado partido da Fraternidade Muçulmana conquista cada vez mais eleitores, graças ao seu carismático líder, Mohammed Ben Abbes, numa disputa direta com a Frente Nacional. Vencedor no segundo turno, Mohammed muda a secular constituição, introduzindo a teocracia, o patriarcado e a poligamia. Poucos dias após o desfecho eleitoral, François retorna à Paris e encontra um país que já não reconhece. Ele, então, começa a refletir se deve submeter-se à nova ordem.

Escrito ao longo de quatro décadas “De Verdade” disseca os conflitos do amor e do casamento, além de revelar os bastidores da burguesia decadente da Europa entre as duas grandes guerras. Numa confeitaria de Budapeste, Ilonka conta a uma amiga a história de seu casamento desfeito com Péter, e relembra a inutilidade do esforço para conquistar o ex-marido, apaixonado pela criada Judit. Depois, em um café, Péter narra a um amigo a sua versão sobre a separação. Trinta anos mais tarde, na cama de um quarto de hotel em Roma, Judit fala com o novo namorado sobre a união com Péter, condenada desde o início pelas amarras impostas a seu parceiro, nobre por herança e filiação. Finalmente, em Nova York, um baterista de cabaré, o último confidente de Judit, faz uma crítica áspera da ditadura da sociedade de consumo.

Num futuro não muito distante, o planeta encontra-se totalmente devastado. As cidades foram transformadas em ruínas e pó, os céus ficaram turvos com a fuligem e os mares se tornaram estéreis. Os poucos sobreviventes vagam em bandos. Entre eles, um homem e seu filho, que não possuem praticamente nada, buscam a salvação e tentam fugir do frio, sem saber, no entanto, o que encontrarão no final da viagem. Essa jornada é a única coisa que pode mantê-los unidos e lhes dar esperança para continuar vivendo. Com “A Estrada”, Cormac McCarthy ganhou o Prêmio Pulitzer de Ficção 2007.

Jörgen Hofmeester tem uma vida perfeita: uma mulher atraente, uma casa em um bairro nobre de Amsterdã, uma ótima carreira como editor de livros, e duas filhas lindas, Ibi e Tirza. Mas sua vida sossegada acaba sendo subvertida por uma série de eventos dramáticos: Ibi, pouco mais que uma menina, é flagrada em situação constrangedora com um inquilino de Jörgen e resolve ir embora para sempre da casa do pai. A mulher de Hofmeester abandona a família em busca de “autorrealização”; a editora o aposenta antecipadamente; e Tirza, a caçula e filha predileta, parte para uma longa viagem com o namorado marroquino. A narrativa começa com Hofmeester preparando a festa de despedida de Tirza. Por trás do aparente autocontrole, há uma violência reprimida e uma tensão constante.

Entre 1989 e 1997, a jornalista Xinran foi apresentadora de um programa de rádio em Nanquin, no qual dava conselhos aos ouvintes. O seu programa era um dos poucos espaços em que as pessoas podiam desabafar e falar de seus problemas pessoais. A partir das cartas que recebeu e das entrevistas que realizou com mulheres chinesas, Xinran reuniu diversos relatos em que predomina a memória da humilhação e do abandono: estupros, casamentos forçados, desilusões amorosas, miséria e preconceito. São histórias como as de Hongxue, que descobriu o afeto ao ser acariciada pelas patas de uma mosca; de Hua’er, violentada em nome da “reeducação” promovida pela Revolução Cultural; ou ainda da catadora de lixo que impôs a si mesma um ostracismo voluntário para não envergonhar o filho, um político renomado.

Em uma cidade universitária da Nova Inglaterra, Sean Farrell, um poeta alcoólatra de meia-idade, de temperamento tão difícil quanto cativante, convida os amigos mais próximos para um jantar no Dia de Ação de Graças. A iniciativa não lhe é característica, mas ele tem um motivo especial. Os eleitos a participarem dessa inusitada versão da Santa Ceia são colegas acadêmicos e escritores, ex-amantes, maridos e esposas, quase todos na meia-idade ou além, e um bebê, que inspira a todos um sopro de vida. Em meio ao branco da gelada paisagem invernal, isolados do mundo, eles comem, bebem, riem e discutem, trocam calor humano, relembram episódios de suas vidas e de suas amizades.

Em uma tarde de verão, em 1935, na Inglaterra, a adolescente Briony Tallis vê uma cena que atormenta a sua imaginação: sua irmã mais velha, sob o olhar de um amigo de infância, tira a roupa e mergulha, apenas de calcinha e sutiã, na fonte do quintal da casa de campo. A partir desse episódio, a menina, que nutre a ambição de ser escritora, constrói uma história fantasiosa. Por não entender o mundo adulto da paixão e da sexualidade, Tallis comete um erro que traz efeitos devastadores na vida de sua família e passa o resto de sua existência tentando desfazer o mal que causou.

“Morreste-me” foi a obra que revelou o escritor português José Luís Peixoto. Em 66 páginas, Peixoto relata a morte do seu pai após um sofrido tratamento de saúde, o processo de luto e a experiência de voltar à casa onde viveu durante a infância, que agora está vazia. Sem o pai, a casa mergulha em um constante inverno, independente do passar dos dias: “Regressei hoje a esta terra agora cruel. A nossa terra, pai. E tudo como se continuasse. Diante de mim, as ruas varridas, o sol enegrecido de luz a limpar as casas, a branquear a cal; e o tempo entristecido, o tempo parado”. Peixoto se sente envolto pela morte e apenas as lembranças do pai ajudam a aliviar o presente.

“Teatro de Sabbath” é uma obra cômica e erótica, cujo protagonista é Michey Sabbath, um artista de fantoches aposentado. No auge de sua carreira, durante os anos 1960, perambulava pelas ruas de Nova York apresentando teatros de fantoches e seduzindo as espectadoras. Agora, aos 64 anos, Sabbath acumula fracassos: suas duas mulheres se foram, ele mora de favor na casa de um amigo e não tem condições de trabalhar. Ainda excessivamente libidinoso, ele tem uma amante de longa data, mas ela morre após ser diagnosticada com câncer. Desolado, sozinho e cercado pelos fantasmas daqueles que mais o amaram e odiaram, Sabbath encena uma série de absurdas catástrofes que o levam ao limiar da loucura.

“O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo de sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.” Este é o início história de Jesus Cristo, que todos conhecem, segundo Saramago. O autor humaniza a figura da divindade em uma narrativa ficcionada, que alude a uma eventual relação entre Jesus e Maria Madalena. Ao adotar essa perspectiva, distante do tradicional Evangelho, Saramago denuncia a religião segundo a qual “em nome de Deus” tudo é permitido e justificado. O livro foi considerado ofensivo por diversos setores da comunidade católica e o autor teve que abandonar Portugal. Em 1998, Saramago foi premiado com o Nobel de Literatura. Ele morreu em 2010.

“O Amor nos Tempos do Cólera” narra a paixão do telegrafista, violinista e poeta Florentino Ariza por Fermina Daza. Ainda muito jovem, Florentino se apaixona por Fermina, mas o romance enfrenta a oposição do pai da moça, que tenta impedir o casamento enviando a filha ao interior numa viagem de um ano. Tudo isso ocorre enquanto a Colômbia enfrenta uma epidemia devastadora de cólera. Fermina acaba por se casar com Juvenal Urbino, médico conceituado por erradicar a doença. Inesperadamente, após 53 anos da separação, ela reencontra Fermino. A trama é inspirada na história real de amor vivida por Gabriel Elígio García e Luiza Márquez, pais do autor.

Com base nos acontecimentos históricos ocorridos na fronteira entre os EUA e o México no século 19, Cormac McCarthy reinventa a mitologia do Oeste americano. A história acompanha um garoto sem nome, conhecido apenas como “kid”, que é forçado a deixar o lar ainda na infância. Para sobreviver, ele ingressa na gangue brutal do capitão John Glanton, uma companhia de mercenários que, a mando dos governantes locais, atravessa o deserto com a missão de matar o maior número possível de índios e trazer de volta seus escalpos. Glanton é acompanhado pelo juiz Holden, um personagem macabro que nunca dorme e anota em um caderno todas as suas observações cruéis.

Ruído branco, oitavo romance de Don DeLillo, é a história de Jack Gladney, um professor universitário que vive com a família no meio-oeste americano, numa cidadezinha fictícia. Ele dá aula de Hitlerologia (sobre Hitler), mas esconde de todos que na verdade não sabe falar alemão. É casado com Babette, sua quinta ou sexta esposa, que dá aulas de etiqueta para idosos. Ambos têm filhos de outros casamentos, que moram com eles. Enquanto procura secretamente um professor de alemão que lhe dê aulas particulares, Gladney é pego de surpresa pela notícia de que sua cidade foi atingida por um gás tóxico e precisará ser evacuada. O desespero expõe os sentimentos e paranoias que os personagens escondem, principalmente o medo exacerbado de morrer.

O livro acompanha a vida de quatro protagonistas que vivem em Praga, no centro da Europa, durante a Guerra Fria. Tomas é um médico que foge de compromissos. Após um divórcio conturbado, ele prefere relações casuais, mas em certo momento decide se casar com Tereza, uma mulher dependente e com desejos reprimidos. Sabina é uma mulher livre e dona de si, totalmente o oposto de Tereza, que mantém uma relação erótica com Tomas. Quando a distância separa os amantes, Sabina se envolve com o professor universitário Franz. Infidelidade, amor, compaixão, eterno retorno, acaso e arbítrio são alguns dos temas que Kundera articula neste romance em que o leitor percorre conceitos filosóficos de braços dados com cada um dos personagens.

Na Itália, durante o século 14, o frei William de Baskerville recebe a missão de investigar a ocorrência de heresias em um mosteiro beneditino. Porém a morte de sete monges em sete dias, em circunstâncias insólitas, muda o rumo da investigação. Assessorado pelo noviço Adso de Melk, um jovem da elite que está sob sua tutela, Baskerville se dedica devotamente às investigações, apesar da resistência de alguns dos religiosos do local, que veem as mortes como obra do demônio. Aos poucos, o investigador descobre que as mortes estão ligadas à existência de uma biblioteca que mantém em segredo obras apócrifas que não seriam aceitas pela igreja. Isso porque os livros possuem ensinamentos e reflexões que colocam em dúvida a fé cristã.

Neste romance de cunho autobiográfico, o autor conta a história de Varguitas, um jovem peruano de 18 anos, que vive com os avós na Lima dos anos 1950. Varguitas, que trabalha para uma rádio popular na capital e nas horas vagas escreve alguns contos, tem sua vida afetada por dois acontecimentos que, ironicamente, envolvem a Bolívia, país historicamente rival do Peru. Primeiramente, surge em seu local de trabalho o contato com Pedro Camacho, um veterano e excêntrico escritor de radionovelas boliviano, mestre do melodrama e autor de obras de sucesso no país. Enquanto isso, dentro de sua casa Varguitas sofre os efeitos de sua paixão por Tia Julia, que decide passar uns tempos em Lima depois de se divorciar na Bolívia.

Em um texto que entrelaça o novelesco, o lírico e elementos bíblicos, “Lavoura Arcaica” narra a vida de André, um jovem do meio rural que decide abandonar a numerosa família do interior para morar sozinho em outra cidade. Fugindo do ambiente sufocante da lavoura, ele procura se afastar da rigidez moral de seu pai e da paixão incestuosa pela própria irmã, Ana. Os parentes estranham o desaparecimento de André, e o irmão mais velho, Pedro, é encarregado de trazê-lo de volta. É a partir das indagações de Pedro que surgem as lembranças de André. Logo após a publicação, o livro mostrou-se revolucionário, conquistando o status de clássico da literatura brasileira.

A paixão pela literatura faz Charlie Citrine, um vendedor de escovas do meio-oeste americano, tomar trinta dólares emprestados e partir rumo a Nova York. Mais especificamente, a admiração pelo poeta Von Humboldt Fleisher, com quem Citrine almeja um encontro, ambicionando um futuro de letras em meio à intelectualidade nova-iorquina. Inicia-se assim uma amizade de décadas que, de certa forma, conduz Charlie ao seu próprio estrelato literário. Com o sucesso e riqueza, Citrine se afasta gradativamente de Humboldt. Até que anos mais tarde Humboldt morre, isolado e na amargura. A morte do velho amigo faz Charlie repensar a própria vida e relembrar os momentos bons que viveu ao lado do mentor, sentindo-se culpado por tê-lo abandonado.

O livro narra, em primeira pessoa, os 17 dias de uma viagem de motocicleta pelos Estados Unidos. O narrador (não identificado) viaja com o filho Chris e, ao longo do trajeto, eles falam sobre filosofia e tratam de questões fundamentais do nosso modo de viver. “Nesse livro encontramos alegorias e tensões psicológicas, uma lição sobre as escolas de pensamento do Oriente e do Ocidente, uma charada sobre o sentido da existência, um comentário sobre a paisagem física e social dos Estados Unidos e algumas dicas bastante úteis sobre a manutenção de uma motocicleta”, foi assim que Robert M. Pirsig definiu sua obra. O livro de Pirsig tem por tema a própria vida e mudou a mentalidade de toda uma geração.