Quase três anos após sua morte, Philip Roth ganha biografia ‘definitiva’ Foto: Divulgação / Brigitte Lacombe

Quase três anos após sua morte, Philip Roth ganha biografia ‘definitiva’

O americano Blake Bailey é autor de uma excelente biografia, “Cheever — Uma Vida” (Duomo Perímetro, 885 páginas, tradução de Ramón de España). É uma bíblia sobre John Cheever, muito superior a “John Cheever — A Biography” (Delta Book, 417 páginas), de Scott Donaldson.

A impressão que se tem é que Blake Bailey foi atrás de todas as histórias e pessoas que conviveram com John Cheever, um dos mais notáveis escritores dos Estados Unidos. Melhor contista do que romancista. Seus contos são extraordinários. Blake Bailey parece saber tudo da obra e da vida de John Cheever e esclarece inclusive os aspectos espinhosos e sombrios. A bissexualidade do escritor é apresentada, mas sem sensacionalismo, assim como seu alcoolismo.

John Cheever é mais conhecido pelo belo romance “A Crônica dos Wapshot” (Companhia das Letras, 307 páginas, tradução de Alexandre Barbosa de Souza). Mas o maná verdadeiro é encontrado nos contos e há uma coletânea publicada pela companhia das Letras, com excelentes traduções de Daniel Galera e Jorio Dauster: “28 Contos de John Cheever” (357 páginas).

Philip Roth leu com atenção a biografia de John Cheever — cuja vida daria um romance (e deu, a biografia é o romance da vida) —, na qual é citado em 10 páginas (John Cheever apreciava sua literatura) — e tomou uma decisão: Blake Bailey seria o seu biógrafo.
Blake Bailey: biógrafo de John Cheever, de Richard Yates e de Philip Roth

Philip Roth, autor “O Complexo de Portnoy” e “O Teatro de Sabbath” e “Pastoral Americana”, três dos melhores romances da literatura americana, nasceu em 1933 e morreu em 2018. Cotado para o Prêmio Nobel de Literatura, nunca o ganhou — talvez tenha sido sua grande frustração. Mas o que vale mesmo é que deixou uma literatura que, certamente, ficará — tal a sua qualidade.

Quando publicou “O Complexo de Portnoy”, descortinando a história de uma família judia, Philip Roth desagradou vários judeus, que chegaram a tachá-lo de “filonazista”, o que, óbvio, não era (é judeu). Era um democrata, inclusive eleitor de políticos democratas. Mas, para o autor, a exposição da verdade, da verdade como a via, ou seja, na sua amplitude, era mais importante do que ficar “bem” com qualquer establishment.

Há quem acredite que “O Teatro de Sabbath” é um romance pornográfico. Não é. A “presença” de sexo não caracteriza, necessariamente, uma obra literária como pornográfica. E esconder a sexualidade, ou suavizá-la, é um desserviço à vida e aos leitores.

Philip Roth leu com atenção a biografia de John Cheever — cuja vida daria um romance (e deu, a biografia é o romance da vida) —, na qual é citado em 10 páginas (John Cheever apreciava sua literatura) — e tomou uma decisão: Blake Bailey seria o seu biógrafo.

O que Philip Roth percebeu é que Blake Bailey quer compreender o personagem biografado de verdade, mas sem exagerar sua vida para torná-la mais atraente ou não para o leitor. O autor de “Lição de Anatomia” (um de seus livros mais divertidos, na sequência de “O Complexo de Portnoy”) sacou que o pesquisador, professor universitário na Virginia, era adequado para esquadrinhar sua vida e sua obra.

Philip Roth: The Biography (W. W. Norton & Company, 912 páginas), de Blake Bailey

Ao convocar Blake Bailey, Philip Roth em nenhum momento exigiu que escrevesse uma biografia autorizada e tampouco pediu para ler os originais antes da publicação. Na verdade, entregou seus arquivos, sugeriu nomes a serem ouvidos — o escritor lamentava que seus melhores amigos estivessem mortos e sugeria que não tinha mais nada a fazer na Terra (pouco antes de morrer, aos 85 anos, havia deixado de publicar) — e disse que o mestre de Oklahoma tinha liberdade total para destrinchá-lo, de alto a baixo.

Há ao menos um escândalo na vida de Philip Roth, que rendeu um livro vingativo de sua ex-mulher, a atriz Claire Bloom. Os dois viveram muito bem durante anos, mas tiveram uma separação traumática. Um livro conta a história do affair entre o escritor e Jacqueline Kennedy. Blake Bailey teve a chance de verificar tais histórias, certamente para nuançá-las, e também de avaliar se as histórias autobiográficas de Philip Roth, incluídas em alguns de seus livros, são precisas ou azeitadas por sua imaginação poderosa.

Quase três anos depois da morte de Philip Roth, finalmente sai o livro escrito por Blake Bailey, com o título de “Philip Roth: The Biography” (W. W. Norton & Company, 912 páginas). Já pode ser encomendado na Amazon por 229,67 reais. O biógrafo sabe que um homem — escritor ou político — só se torna “grande” com o somatório de virtudes e defeitos. São as contradições de um indivíduo que o dimensionam para a história. Grande escritor Philip Roth já é. A biografia talvez nos mostre um grande homem.

A obra de Philip Roth é publicada no Brasil pela Companhia das Letras, que ainda não anunciou se irá publicar o cartapácio de Blake Bailey.

O namoro ou flerte com Jacqueline Kennedy

A história do namoro — ou “flerte” — entre Philip Roth e Jacqueline Kennedy é contada no livro “Roth Libertado — O Escritor e Seus Livros” (Companhia das Letras, 479 páginas, tradução de Carlos Afonso Malferrari).

“No final de 1964, Roth teve um breve flerte com Jackie Kennedy. Os dois se conheceram numa festa, na qual ficaram conversando por um longo tempo (‘ela era muito inteligente’), mas ele se sentiu intimidado demais — além de carecer de um guarda-roupa apropriado, acrescenta — para manter vivo o relacionamento. Convidado para acompanhá-la a um segundo jantar, viu-se obrigado a sair para comprar um terno novo e um par de sapatos pretos. (‘Eu estava uma pilha de nervos. Sou canhoto e nesses jantares eles servem pela direita. E se eu derrubasse alguma coisa em cima dela?”) Ao levá-la para casa depois do jantar, numa longa limusine preta — e ele que tinha pensado em chamar um táxi na rua! —, lembra-se de ter pensado: ‘Será que devo beijá-la? Sei tudo sobre Lee Harvey Oswald, será que deveria beijá-la? E a crise dos mísseis em Cuba, será que devo beijá-la?’ Lembra-se também de quando ela perguntou, ao chegarem a seu prédio na Quinta Avenida: ‘Quer subir? Ah, é óbvio que quer’ — o único indício de que ela sabia exatamente quem era, diz Roth. Dentro do apartamento, explicou que seus filhos estavam dormindo, o que deixou ainda mais perturbado: ‘Você quer dizer que aquele garotinho que bate continência desse jeito e a menininha que chama seu pônei de Macaroni?’ Quando finalmente a beijou, foi como beijar um cartaz. O relacionamento não foi muito além disso, confessa — só se viram em mais duas ou três ocasiões. ‘Mas eu adoraria que ela tivesse sido a mulher implicada no processo de divórcio movido por Maggie’”. (A história é narrada nas páginas 68 e 69).

Euler de França Belém

É jornalista e historiador.