Vocês não estão entendendo nada sobre essa pandemia

Vocês não estão entendendo nada sobre essa pandemia

Não me tomem por arrogante. Este título não passa de força de expressão. É claro que cada pessoa tem um entendimento particular a respeito da crise sanitária que mói humanos. Quem não possui é porque não pensa. Se não pensa, não existe, subsiste. Não nos ocupemos deles.

Passo longe de ser um sujeito otimista. Meu pão, quando cai, cai sempre com o lado da manteiga virado para baixo. Uma lástima. Completou mais de um ano que o mundo foi colocado de pernas para o ar pelo inimigo invisível chamado SARS-COV-2, oriundo da China.

Acreditávamos estar livres da pandemia em 2021, embora os cientistas, tão esculhambados pelos negacionistas fanfarrões, já tivessem previsto novas ondas da doença. A sensação é mesma de quem toma uma surra do mar. Quer dizer, a gente leva um capote da onda, cai, toma um caldo, quase se afoga e, quando pensa que o pior já passou, eis que uma nova onda, ainda maior, nos faz desabar de novo. A peia do micróbio sobre a humanidade está sendo impiedosa.

De maneira geral, estamos tomados pelas incertezas e pelo medo. E pela esperança também, por que não? Poucas vezes na história, o sofrimento esteve tão presente. Chegamos a um patamar tão caótico no Brasil que, quase diariamente, somos avisados sobre uma pessoa próxima que sucumbiu à sanha voraz e implacável do vírus. Isso sem contar, quando não atinge um de nossos entes queridos. A pandemia do COVID-19 é a pior guerra que a humanidade já combateu, considerando que a peste atingiu o planeta de cabo a rabo, de mamando a caducando. Mais nos caducos do que nos lactentes. 

Rir para não chorar. Ouvir música para não enlouquecer. Fazer sexo, sem fins reprodutivos, por diversão, só pra desanuviar. O indispensável distanciamento social fez sobrar mais tempo para a maioria de nós. Para alguns, isso é um problema. A ociosidade forçada leva a inúmeros questionamentos reflexivos, de cunho existencialista, inclusive. Por que sofremos? O que estamos aprendendo com essa tragédia humanitária? Que sinais estão sendo demonstrados pela natureza e que não estamos enxergando? Mudaremos a nossa habitual visão de mundo ou retornaremos àquele velho normal de iniquidades contra o meio ambiente e contra o próximo? Não é tarefa fácil. Demanda-se esforço hercúleo. Mas, precisamos sair melhores do que quando entramos nessa enrascada.

O que faz do ser humano uma criatura superior às rochas é a cognição. Embora, muitos pensam, pensam, pensam e não mudam, não aluem, não saem do lugar. Vivem como se rocha fossem. É preciso enxergar nas entrelinhas o amargo aprendizado que a pandemia está proporcionando. Céticos, cínicos, patéticos, prepotentes, suponho que a maior parte de nós retornará às mazelas cotidianas, à correria insana e desenfreada para ganhar dinheiro, gastar dinheiro, pagar impostos, adoecer e morrer no final das contas. Parece um enredo bobo e pouco atraente.

Foi assim sempre. Não sabemos ao certo o que fazer de nossas vidas. Então, vamos tocando em frente, no modo automático, na base da ignorância. Passado tanto sofrimento pessoal e coletivo, a tendência será que voltemos ao ritmo de sempre, como se nada tivesse acontecido. Não nutro grandes expectativas pela evolução do ser humano. Ganância. Dominação. Consumismo desmesurado. Geração extraordinária de lixo. Devastação das florestas. Pobreza. Desigualdade social. Falta de empatia e de solidariedade. Fome. Raiva. Violência. Morte. Sofrimento. Desencanto. Eis o ciclo ao qual estamos viciados.

É preciso aproveitar o medo da morte e o tempo ocioso para, pelo menos, exercitar a piolhenta. E, ao pensar, decidir estratégicas para o bem viver. É chegada a hora das mudanças de atitude. Temos autonomia para sermos alegres ou tristes, bons ou ruins. Parece uma decisão simplista. E é. Só não vê quem não percebe os inequívocos sinais da natureza e quem não está entendendo nada, absolutamente nada, dessa pandemia.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.