A Bula reuniu em uma lista dez livros hipnotizantes que todos deveriam adicionar à lista de leituras. São obras nada entediantes, que prendem do início ao fim e conseguem levar o leitor para uma realidade paralela. Ler pausadamente estes romances é um desafio, pois a vontade é de devorá-los de uma vez. Foram selecionados títulos de diferentes épocas, como “Em Teu Ventre” (2015), de José Luís Peixoto; “A Vida Modo De Usar” (1978), de Georges Perec; e “Abel Sánchez: Uma História de Paixão” (1917), de Miguel de Unamuno. Os títulos estão organizados de acordo com o ano de lançamento: do mais recente para o mais antigo.
“Em Teu Ventre” tem como ponto de partida as aparições de Nossa Senhora a três crianças em Fátima, no interior de Portugal, entre maio e outubro de 1917, um dos episódios mais emblemáticos do século 20 no país. Tomando como protagonista a mãe de Lúcia, a mais velha dos três pastorinhos que teriam presenciado o milagre, o autor investiga questões profundas de fé e de ruralidade, mas sobretudo a relação entre mães e filhos. A maternidade, como indica o título, é o ponto fundamental deste livro. José Luís Peixoto, nascido em 1974, é um dos escritores de maior destaque da literatura portuguesa atual. Já recebeu importantes honrarias, como o “Prêmio Literário José Saramago” e seus romances estão traduzidos em mais de 30 idiomas.
“O Homem Sem Doença” narra as desventuras tragicômicas de Samarendra Ambani, jovem e idealista arquiteto suíço. Sam, como é conhecido pelos amigos, mora em Zurique e trabalha num pequeno estúdio de arquitetura. Ao ser selecionado em um concurso para a construção de um teatro de ópera em Bagdá, Sam é convidado para ir ao Iraque. A viagem, iniciada em clima de otimismo, rapidamente se transforma em uma experiência traumatizante: no país devastado pela violência, Sam é absurdamente acusado de ser espião. Ele é preso, interrogado e torturado, conseguindo retornar para Zurique apenas pela intervenção da Cruz Vermelha. Uma vez em Zurique, Sam tenta retomar a normalidade, mas está profundamente ferido e não consegue.
Jörgen Hofmeester tem uma vida perfeita: uma mulher atraente, uma casa em um bairro nobre de Amsterdã, uma ótima carreira como editor de livros, e duas filhas lindas, Ibi e Tirza. Mas sua vida sossegada acaba sendo subvertida por uma série de eventos dramáticos: Ibi, pouco mais que uma menina, é flagrada em situação constrangedora com um inquilino de Jörgen e resolve ir embora para sempre da casa do pai. A mulher de Hofmeester abandona a família em busca de “autorrealização”; a editora o aposenta antecipadamente; e Tirza, a caçula e filha predileta, parte para uma longa viagem com o namorado marroquino. A narrativa começa com Hofmeester preparando a festa de despedida de Tirza. Por trás do aparente autocontrole, há uma violência reprimida e uma tensão constante.
O livro conta a história de David Lurie, um professor de literatura que não sente prazer em dar aulas, mas é um pesquisador renomado e acaba se acostumando com seu emprego na Universidade da Cidade do Cabo. Lurie não sabe como conciliar sua formação humanista, seu desejo amoroso e as normas politicamente corretas da universidade onde dá aula. Mesmo ciente do perigo, ele se envolve sexualmente com uma aluna. Acusado de abuso, é expulso da universidade e viaja para passar uns dias na propriedade rural de Lucy, sua única filha. No campo, esse homem atormentado toma contato com a brutalidade e o ressentimento da África do Sul pós-apartheid.
Publicado em Paris em 1978 — quatro anos antes da morte prematura do Georges Perec, um dos fundadores do grupo de experimentação literária OuLiPo — “A Vida Modo de Usar” é recorrentemente considerado um dos grandes romances da segunda metade do século 20. O livro é, na verdade, uma teia de pequenos romances, composto por uma miríade de histórias, a um primeiro olhar banais, envolvendo os habitantes de um edifício em Paris. Foi uma obra escrita segundo os preceitos do grupo OuLiPo, que propunha criar literatura a partir de regras matemáticas. Com essa inovação, Perec se tornou um dos principais nomes de sua geração. Ele morreu em 1982.
O livro narra, em primeira pessoa, os 17 dias de uma viagem de motocicleta pelos Estados Unidos. O narrador (não identificado) viaja com o filho Chris e, ao longo do trajeto, eles falam sobre filosofia e tratam de questões fundamentais do nosso modo de viver. “Nesse livro encontramos alegorias e tensões psicológicas, uma lição sobre as escolas de pensamento do Oriente e do Ocidente, uma charada sobre o sentido da existência, um comentário sobre a paisagem física e social dos Estados Unidos e algumas dicas bastante úteis sobre a manutenção de uma motocicleta”, foi assim que Robert M. Pirsig definiu sua obra. O livro de Pirsig tem por tema a própria vida e mudou a mentalidade de toda uma geração.
Uma cirurgia revolucionária promete aumentar o QI do paciente. A técnica foi testada em vários animais e o grande sucesso foi com Algernon, um rato de laboratório. Charlie Gordon, um homem com deficiência intelectual severa, é selecionado para ser o primeiro humano a passar pelo procedimento. O experimento é um avanço científico sem precedentes, e a inteligência de Charlie aumenta tanto que ultrapassa a dos médicos que o planejaram. Charlie passa a ter novas percepções da realidade e começa a refletir sobre suas relações sociais e até o papel de sua existência. À medida que sua inteligência atinge o pico, a de Algernon declina repentinamente e ele morre. Então, Charlie percebe que seu aumento de QI também é temporário e começa a pesquisar para encontrar a falha no experimento.
“A Irmandade da Uva” acompanha mês na vida do escritor Henry Molise, que recebe a notícia de que depois de 51 anos de casados, seus pais vão se divorciar. A Henry cabe a missão de contornar a crise e dialogar com seu pai, Nick Molise, de 75 anos, um alcoólatra, jogador compulsivo, péssimo marido e um sujeito de mal com a vida. Henry acaba se vendo diante do desafio de atender à convocação de Nick para realizar seu último desejo: provar que ainda é o melhor pedreiro da região e a ajudá-lo numa construção, juntamente com uma turma de veteranos unida pelo hábito de jogar e beber um vinho famoso na cidade, o Ângelo Musso. A experiência do retorno aproxima o narrador dos fantasmas do passado e, nessa convivência intensa com o pai, os dois finalmente começam a se entender.
Considerada pela crítica a mais perturbadora das obras de Unamuno, “Abel Sánchez: Uma História de Paixão” cria uma versão moderna da história bíblica de Caim e Abel, a partir da relação entre dois amigos que são quase irmãos: Abel e Joaquín. Joaquín faz de tudo para superar ou diminuir Abel, mas não consegue e sente-se profundamente magoado ao perceber a superioridade do amigo. Ao escrever suas confissões, Joaquín faz a defesa do primeiro assassino da história, Caim. O crime inaugural e a inveja deixam de ser uma questão de juízo moral para darem ao leitor uma visão global da experiência humana. Nas palavras do autor: “a inveja na alma de Joaquín Monegro é uma inveja trágica, uma inveja que se defende, uma inveja que poderia ser chamada de angelical”.
A partir da experiência de ter sido preso, Xavier de Maistre escreveu “Viagem ao Redor do Meu Quarto”. Ao longo do livro, ele narra uma viagem de 42 dias que fez dentro de seu quarto. Sem sair de seus aposentos, o autor encontra objetos que o levam a refletir satiricamente sobre a morte, a amizade, o poder, a sociedade e suas injustiças. Impossibilitado de abandonar aquelas quatro paredes, Maistre as observa como se fossem paisagens de uma terra distante e enaltece esta nova forma de viagem que, segundo ele, é ideal para pobres, enfermos e preguiçosos. O livro tornou-se rapidamente um clássico da literatura, inspirando outros grandes escritores, como Machado de Assis.