As pessoas não se olham. Janelas permanecem fechadas em uma imensidão de edifícios climatizados e herméticos. Dentro: espelhados em suas telas foscas, brilhos sintéticos destorcem olhares — a vida virtual. Fora: vistas não vistas, paisagens não percorridas — eis o real. A desconexão se traduz nas pequenas cenas do cotidiano. O elevador se transformou em câmera de tortura. Nos faz simular a (quase) dolorosa cortesia de bom dia. Desviamos olhares como se um pequeno aceno com a cabeça fosse fatal.
Olhar nos olhos se elevou ao posto de mais íntimo gesto. Mas no nosso mundo de agora só sobrou isso na multidão: os olhos. A única parte exposta do rosto. Nossas janelas estão expostas. Almas expostas.
No isolamento social, onde o virtual é o possível, o que encontramos? Liberdade ou outro cárcere?
Observar pressupõe uma lente e toda lente nos observa. Lentes e filtros fomentam mercados. Narcisistas aprimoram seus ideais excêntricos de beleza. A estética plastificada é o produto final desejado.
A manipulação, pra além da aparência, abrange a informação. Quem é o manipulador? Eu sou o usuário das redes ou as redes me usam? Dados captados incessantemente por uma inteligência artificial abastecem um mercado. Viramos mercadoria de troca. Todos nossos atos sentimentos, sensações, posições geográficas, partidárias e políticas são coletadas para serem usadas no direcionamento e controle de nossas próximas experiências. Contextos e padrões cuidadosamente regulados, conduzem nosso olhar e nos oferecem uma falsa sensação de recompensa em formato de curtidas.
Eis a utopia da aceitação, do pertencimento, do posicionamento e da reputação. Ponderamos sobre a quantidade de aplicativos, senhas e eletrônicos necessários para sermos adequadamente validados. E dotamos de imenso poder um ícone — o like. Um botão que condiciona nossos cérebros e nos vicia na dopamina da satisfação neural. Que transforma nossas telas e lentes em uma droga cotidiana administrada em doses homeopáticas (ou não). Nos transforma em usuários.
Este texto sem resposta pressupõe que nossos interesses se convirjam. Talvez porque o destino parece incerto. Talvez porque nos preocupemos com os nossos percorrendo esse caminho. Como será o futuro deles num mundo de telas cintilantes, de assuntos distorcidos, profundidade rasa e egos do tamanho de cidades invisíveis? Como eles poderão mensurar o real? Números de seguidores, textos criptografados e nossas identidades intrínsecas já sucumbiram nas janelas virtuais. Talvez tenha chegado a hora de entender o custo de nos deixar levar por esses fios e redes invisíveis.