Brigar pra quê? A vida sempre há de nos bater mais forte

Brigar pra quê? A vida sempre há de nos bater mais forte

Escuta cá uma coisa. Por favor, não levante essa mão contra mim. Eu não nasci pra apanhar. Nem eu, nem você e nem ninguém no mundo. Bater para ensinar e apanhar para aprender são perversões ridículas. A gente apanha, a gente sempre apanha. Mas não é certo. Não precisa. Criatura nenhuma tem o direito de agredir a outra, sujeito nenhum tem o dever de sofrer um tapa, um soco, um chute, uma surra que o façam mais atento. Nada disso.

Acontece. Mas não devia. Bater é desespero. Apanhar é desesperador. Quem bate quer controle. Quem apanha só espera que a surra acabe. Os que batem o fazem por loucura, maldade, insegurança, instinto, tédio, ódio ou doentia necessidade de imposição. Os que apanham são só os que apanham. Incapazes de se impor pela força, machucados, inseguros, desprevenidos, subjugados e sem a menor habilidade para a defesa, apanham. E que diferença faz o motivo? Para que explicar? Eu apanhei e estou ferido. Pronto.

Agredir para educar e levar sopapos para entender são caminhos tristes, miradas infelizes, moradas sem amor. Dominar pela força é o extremo avesso da vida e sua vocação para o outro. Dar ou receber um murro representa a lógica do supremo absurdo, alimenta o ciclo vicioso do “bateu, levou”, o sentido daninho do “apanhar para saber bater” e sua fórmula permissiva de intolerância e ódio sem fim.

Aos chutes e pontapés, assim ficamos nós. De um lado os que batem, tão iguais em sua afeição por justificar suas ações. Do outro, os que apanham, suas feridas abertas, suas guardas fechadas e suas sequelas e cicatrizes implacáveis.

Há os que apanham e se calam. Por fraqueza, medo, impotência, incapacidade de revidar, há sempre os que engolem a bordoada como um gato de marcha-a-ré arrancando-lhe a pele da garganta, em silêncio. Há os que revidam e se defendem e atacam de volta. Os que se escondem atrás da porta, debaixo da cama, dentro de si mesmos. E há os que se recusam a morar no sofrimento, seguem em frente, correm para longe do alcance do golpe. Vão embora viver sem mais.

Se lhe quebram um braço, lhe fortalecem as pernas. Cegam-lhe de um olho e lhe fazem ver. Cortam-lhe a pele e lhe rompem as correntes.

A esses, a única certeza é que ninguém nesse mundo nasceu para apanhar. Nem você, nem eu, nem ninguém. Mas a vida, para além de todas as nossas vontades, a vida já nos bate. A vida sempre há de nos bater mais forte.

Então, brigar para quê? Baixa essa guarda, manda embora esse ódio. O tempo que nos resta ninguém sabe quanto é. Melhor usá-lo com amor. Melhor cuidarmos uns dos outros. Viver é bom, a lua anda linda e um abraço apertado é tão melhor que um tapa estalado.

André J. Gomes

É professor e publicitário.