Não, você NÃO conhece a história do sapo e do escorpião em que o segundo pede carona ao primeiro pra atravessar o lago e tal. Calma: é que chegando à outra margem o escorpião agradece, desce das costas do sapo e vai indo embora, quando o sapo diz:
— Ei, ei, ei, que história é essa? Você tinha que ter me ferroado no meio da travessia!
— Perdão? — disse o escorpião.
— Você. Tinha. Que. Ter. Me. Ferroado.
— Er. Se eu tivesse te ferroado, afogaríamos os dois.
— Mas é essa a moral da história, caramba! Me ferroar, pra deixar claro que você não pode ir contra a sua natureza!
— Eu não pretendia ir contra minha natureza. Eu só queria ir até a outra margem do lago.
— Não vem com essa! — gritou o sapo, inflando o papo. — A moral da história é que nossa índole natural é mais forte que o instinto de sobrevivência!
— Bom, minha índole natural é continuar vivo. Até mais.
— Não, não, não, volta aqui! Você tinha que passar à história como o radical da fábula, e eu, o abnegado idealista, que sempre acaba vítima da cruel fatalidade determinista!
— Mas eu não quero passar à história. Só queria mesmo passar pra outra margem.
— Não começa com sofismas! Você tem que ser o radical, eu o abnegado, ponto! O que você não entendeu?
— Mas eu não —
— É radical, sim! Você é ultra radical! Nunca vi ninguém tão radical! E tem mais: se existe alguém abnegado aqui sou eu! Eu, eu e mais ninguém! Você tem que ser a persona peçonhenta da história e eu a vítima! Não vem com esse miscasting agora!
— Olha, tenho compromisso. Passar bem.
— Volta aqui! — e o sapo passou a pular. — Volta aqui, seu artrópode cagão! Vai amarelar, é? Deixa de ser radical, e vem aqui enfrentar minha abnegação! Vem aqui, ou eu vou te dar uma, uma, uma, uma linguada na carapaça que você nunca vai esquecer! Volta aqui, covarde! Cagão!
Dizem as más línguas que a história prossegue. Apareceu uma princesa, beijou o sapo e ele se transformou em um polemista de redes sociais. Mas esses contos de fada, sei lá.