Em 2021 o Brasil vai fingir que não vai ter carnaval. Certamente, eventos oficiais estarão cancelados, nada de desfile de escolas de samba passando na TV aberta ou trio-elétricos cercado de multidões de pipocas, mas não creio que seja possível segurar a massa humana de bloquinhos de rua e foliões livres atiradores. Portanto, essa é a melhor época para quem passou anos afirmando que detesta carnaval poder curtir seu ócio sem ser acusado de ser antissocial, preconceituoso ou detrator do patrimônio cultural imaterial brasileiro. Pode ficar em casa, sem se sentir culpado ou aprisionado. Ligue a televisão e tire seu atraso de filmes. Até porque com o carnaval meia-bomba e marginal que teremos em 2021, dificilmente outros atrasos poderão ser tirados. A Netflix está aí para isso mesmo. Neste espírito preguiçoso, a Revista Bula selecionou para você dez obras para ocupar seu feriadão na passarela de seu sofá. Até porque Rei Momo é grupo de risco.
Nova moda entre os PIMBA. Não é um filme, mas uma série de documentários curtos dirigidos por Martin Scorsese mostrando a vida e as opiniões da escritora e comediante Fran Lebowitz. Ela é basicamente uma espécie de Woody Allen menos engraçada e menos sofisticada, mas com lugar de fala. Se estiver com saudades do mestre Woody, mas não pode assistir com medo de ser cancelado, vale a pena.
Como esse ano não vai ter hit de carnaval, recomendo que assistam essa bela adaptação da peça de 1984 escrita por August Wilson. Um pouco de música de verdade nunca faz mal. Destaque para a sempre brilhante Viola Davis e para Chadwick Boseman, em seu último papel, mostrando que poderia se tornar um dos maiores atores de sua geração. O filme é ótimo, mas é também uma despedida necessária. Boseman Forever.
Spike Lee é uma espécie de militante do Twitter com talento. “Faça a Coisa Certa” é uma obra-prima e um clássico incontestável. Justamente por ser equilibrado e reflexivo. “Destacamento Blood” tinha tudo para dar muito certo, mas o diretor caiu na tentação da lacração, desperdiçando a chance de fazer outro grande filme. Saímos do filme com a sensação de que Spike Lee defende que vidas negras importam, mas vidas de mercenários asiáticos assalariados não importam. Certamente, não é isso, mas fica parecendo que é. Mesmo assim, vale a assistir pelas atuações do elenco afinado.
David Fincher é o Scorsese da vez. Um grande cineasta que passou as últimas décadas correndo atrás de um Oscar para chamar de seu. Fez o bobinho “O Curioso Caso de Benjamim Button”, uma espécie de sub-Forrest Gump, tentando agradar a Academia de Hollywood. Quase conseguiu com “A Rede Social”. Parece que agora vai. “Mank”, filme sobre a relação entre Herman J. Mankiewicz e Orson Welles durante a preparação do roteiro de “Cidadão Kane” é seu melhor trabalho desde o icônico “O Clube da Luta”. Direção, fotografia, roteiro e atuações impecáveis. Música nem tanto, mas não compromete. Há muitas piadas e citações obscuras que apenas quem conhece história americana e história do cinema vão entender, mas isso não atrapalha a narrativa principal. O filme pode ser assistido por qualquer pessoa que goste de cinema de qualidade. Agora vai, David!
Documentário que foi moda entre os PIMBA (pseudo-intelectuais metidos a besta) na época do lançamento. Muita gente ficou impressionadíssima, escrevendo textões pretensamente reflexivos em suas redes sociais. Sim, em suas redes sociais. O que por si só expõe a hipocrisia do caso. “O Dilema das Redes” é hipócrita, superficial, catastrofista e cafona. Qualquer pessoa que leu mais do que duas páginas de Marshall Mcluhan, Isaac Asimov ou Pierre Levy vai rir das pretensões de “deuses arrependidos” dos programadores entrevistados. O documentário até parte de temas sérios, mas os tratam de forma tão proselitista e partidária que perde o tom. O autoritarismo é latente: quando a internet elegeu Obama estava tudo bem, mas depois que elegeu Trump precisa ser regulada. Ou seja, as pessoas precisam ser reguladas. O filme cria teorias da conspiração para pretensamente combater teorias de conspiração. Mas o pior de tudo é a novelinha estilo “Malhação” que inserem na narrativa como forma de ilustrar seu discurso. O diretor parece estar gritando: “não entenderam? Vou desenhar”. Sem contar a imitação tosca do desenho animado “Divertidamente” que usam para encenar a manipulação das redes. Em resumo: parece um filme ludista, mas é apenas um filme “que se acha”.
Para assistir na Quarta-Feira de Cinzas, rezando pela alma de Fernando Meirelles. O diretor brasileiro nunca mais alcançou o brilhantismo de “Cidade de Deus”, realizando filmes bons como “O Jardineiro Fiel”, medíocres como “360” ou fracos como “Ensaio Sobre a Cegueira”, mas aqui ficou abaixo de qualquer expectativa. “Dois Papas” é tecnicamente bem realizado, possui boas atuações da dupla central, mas é mal escrito, intelectualmente desonesto e historicamente equivocado. Transformou Bento XVI em um carreirista e Francisco em um idiota completo que acha que Papas viajam em voos comerciais. Infelizmente, muitas pessoas foram seduzidas pelo conto de fadas do papa bom quebrando a couraça do papa mau. Sedentas em se sentirem inteligentes e conhecedoras dos bastidores do Vaticano compraram uma narrativa que não faz o menor sentido, mas que virou uma espécie de lenda urbana: Bento XVI teria escolhido Francisco como sucessor, porque somente o cardeal argentino poderia fazer as reformas necessárias para a Igreja, das quais discorda, mas que sabe ser necessárias. Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem.
Ótimo documentário que pode ser interpretado como uma síntese sociológica e antropológica sobre o sentimento que o brasileiro nutre acerca do carnaval. Escrevendo assim, parece chato, mas não é. Usando como estudo de caso a cidade de Toritama, capital nacional da produção de jeans, mostra que todos os sacrifícios são válidos para conseguir curtir os dias de folia do carnaval, se permitindo esquecer que a quarta-feira de cinzas está chegando.
Divertida comédia argentina, sobre um artista plástico veterano e sua inusitada decisão para continuar fazendo sucesso. Não é nenhuma obra-prima do cinema, mas apresenta bons personagens, boas piadas e reviravoltas inteligentes. Mais uma prova de que o cinema argentino é, na média, superior ao cinema brasileiro por um único motivo: os roteiristas argentinos gostam mais de ler e levam essa compreensão sobre estruturas narrativas para seus trabalhos.
Há filmes de arte na Netflix. Essa bela adaptação do romance de Kazuo Ishiguro é um bom exemplo. Se você gostou de ver o príncipe Charles sambando com sua malevolente ginga inglesa, vai adorar essa sutil narrativa sobre um mordomo que serviu durante 30 anos um aristocrata acusado de ser simpático aos nazistas. É um filme sobre política? Sim. É um filme sobre o fim de uma era? Sim. Mas, sobretudo, é uma história de amor. Não uma história trágica, mas uma história de amor que, infelizmente, não foi trágica.
A continuação da comédia clássica de Eddie Murphy vai ser lançada em 2021. Vale a pena rever “Um príncipe em Nova York” como esquenta. O filme continua hilariante e inteligente. Provou que Eddie Murphy é tão talentoso que além de interpretar quase todo os papeis coadjuvantes do filme, ainda consegue convencer como galã de comédia romântica.